segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Impressões sobre o Oscar 2011


- James Franco e Anne Hathaway não emplacaram. O início, naquela montagem com os filmes indicados, até que foi engraçadinho, mas depois o casal caiu na banalidade. Nem tanto por culpa deles. O script estava pouco inspirado,cheio de piadas sem graça (pra variar). Não obstante, Franco não tem presença de palco e ficou quase completamente apagado. Hathaway estava nitidamente nervosa, mas ao menos soube mostrar que tem agilidade para trocar de vestidos com rapidez;

- Ainda não entendi porque não chamam Robert Downey Jr. para apresentar o Oscar. Creio que não haveria melhor escolha;

- Por sinal, apesar de enxuta, essa foi uma das cerimônias mais fracas que já vi. Faltou emoção. Aquela ideia da Academia de retirar os prêmios honorários da cerimônia, transferindo-os para um evento realizado previamente, foi muito infeliz. Normalmente, eles eram os responsáveis pelos melhores momentos, injetando emoção com um público que costuma ficar de pé para aplaudir os homenageados. Já pensou passar um filminho com os melhores momentos da carreira de Francis Ford Coppola e em seguida ele entrar triunfante e ovacionado? Pois é, a Academia deu bobeira mesmo...;

- O momento mais curioso da noite foi a entrega do prêmio de atriz coadjuvante, com a presença de Kirk Douglas aos 94 anos. Logo em seguida, Melissa Leo, em uma atitude pseudo-engraçada, começa a soltar palavrões. Ao menos fugiu da rotina...;

- Colin Firth levou o prêmio de melhor ator, mas nós brasileiros sabemos que quem merecia era Wagner Moura;

- A previsibilidade nas principais categorias foi tão grande quanto quebra de carro alegórico em desfile de escola de samba. Acredito que alguns ainda insistiram na tese de que “A Rede Social” poderia levar filme e diretor apenas para deixar a cerimônia com um certo ar de suspense, o que não aconteceu;

- Lição que mais uma vez se tira da maioria das premiações: não é bom apostar na contramão do que foi decidido pelos sindicatos;

- Quando Steven Spielberg disse que os perdedores estariam ao lado de filmaços como “Cidadão Kane” e “Touro Indomável” ele não estava se referindo a “A Rede Social”, mas ao seu “O Resgate do Soldado Ryan”, um filme muito superior ao descartável “Shakespeare Apaixonado”, o qual também era apadrinhado dos Weinstein;

- Por sinal, tem gente por aí já dizendo que essa foi uma injustiça com “A Rede Social” do mesmo quilate daquela realizada com os citados “Cidadão Kane” e “Touro Indomável”. Menos, menos...O filme de Fincher é bem bom, mas eu cito pelo menos 3 outros longas melhores do que este concorrendo na mesma noite: “Toy Story 3”, “Cisne Negro” e “A Origem”;

- Os prêmios mais justos da noite foram o de melhor animação para “Toy Story 3” e o de melhor atriz para Natalie Portman;

- Gostei do discurso de Tom Hooper: “dê atenção ao que fala sua mãe”. As mães são sempre muito sábias mesmo;

- Natalie Portman também foi muito feliz ao falar que seu maior prêmio seria trabalhar com suas concorrentes;

- “Bravura Indômita” foi o grande derrotado da noite. Não levou nada das 10 indicações;

- Aquela ideia do coral infantil é bonitinha, mas está meio démodé. Acho que se encaixaria melhor se o Oscar fosse entregue na época do Natal;

- Uma das poucas boas ideias da noite foi a de levar todos os vencedores ao palco no fim da cerimônia. Dá um tom mais festivo e fica bem, televisivamente falando.

Bom, é isso. Agora, se você já não viu todos os indicados, confira para ver se concorda ou não. Ano que vem tem mais! O Cinema com Pimenta estará de olho novamente!

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Previsões para o Oscar 2011


Previsões científicas do Cinema com Pimenta para a festa do Oscar que se avizinha (e será apresentada pelo casal acima, James Franco e Anne Hathaway).

Melhor Filme: Vai dar “O Discurso do Rei”, mas o merecedor é “Toy Story 3”. Por que será que custa tanto reconhecer que o melhor filme de 2010 é uma animação?

Melhor Diretor: Tom Hooper vai levar por “O Discurso do Rei”. Ele já levou o prêmio do DGA e raramente acontece divergência entre este e o prêmio da Academia. Mas, dentre os concorrentes, eu daria o prêmio para Darren Aronofsky;

Melhor Ator: Colin Firth deve ser o escolhido e, na minha opinião, não será injusto se assim se confirmar. Como também não seria injusto se Jeff Bridges ganhasse;

Melhor Atriz: Vai dar Natalie Portman. E se você acha que não é justo é porque ainda não viu “Cisne Negro”;

Melhor Ator Coadjuvante: Vai ganhar Christian Bale e considero a opção bem justa. Por outro lado, Geoffrey Rush está ótimo em “O Discurso do Rei” e também seria plausível que ele levasse;

Melhor Atriz Coadjuvante: Quem deve segurar a estatueta é Melissa Leo, mas eu daria o prêmio para Hailee Steinfeld, a garota de “Bravura Indômita”. Hailee, inclusive, deveria estar indicada como melhor atriz e não como coadjuvante;

Melhor Roteiro Original: Acho que esse vai ser o prêmio de consolação de “A Origem”, muito embora “O Discurso do Rei” tenha grandes possibilidades. Se dependesse de mim, ficaria com “A Origem” mesmo;

Melhor Roteiro Adaptado: Quem vai ganhar é “A Rede Social” e, nesta categoria, é muito justo que o prêmio vá para ele. Não é fácil transformar uma história de nerds ligados a micros em algo interessante de ser ver na tela;

Melhor Animação: Esse é o prêmio que Toy Story 3 vai levar pra casa. Mais um da Pixar;

Melhor Filme Estrangeiro: É bem provável que “Biutiful” com a grife de diretor famoso venha a ganhar, ainda mais se lembrarmos que Javier Bardem está indicado como melhor ator. Não sei dizer se é justo, pois não vi qualquer dos indicados;

Melhor Documentário: Estou torcendo muito pelo meio-brasileiro “Lixo Extraordinário” e a verdade é que ele tem boas chances, sim;

Melhor Edição: Acredito que vai dar “A Rede Social” e se levar é muito justo, pois manter o ritmo em um filme tão falado não é tarefa simples;

Melhor Figurino: A Academia adora premiar filmes de época nessa categoria. Prato cheio para “O Discurso do Rei” e eu concordo se acontecer desta forma;

Melhor Direção de Arte: Reconstituições de época levam vantagem nessa categoria. Portanto, "O Discurso do Rei" deve papar também essa.

Nas demais categorias, não vou arriscar, pois seria na base do chutômetro. Bem, vamos aguardar o próximo domingo e curtir na TV, mas sem levar o Oscar tão sério. Afinal, o prêmio que é mais importante é aquele que seria entregue por você mesmo. E até segunda-feira para os comentários pós-festa!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita (2010)



Coen para as massas


Em 2007, os irmãos Joel e Ethan Coen realizaram uma obra peculiar, uma espécie de western moderno intitulado “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, um filme soberbo que pintou em cores vivas a decadência dos valores da sociedade norte-americana, valores nobres substituídos unicamente pela ganância, pela busca implacável da riqueza a qualquer custo, gerando uma amoralidade vista de modo cada vez mais natural. Inegavelmente pessimista, trata-se de um olhar desalentado sobre uma sociedade que parece fadada ao declínio e degradação. Esta é uma temática, vale dizer, muito cara ao trabalho dos inseparáveis irmãos, como já se podia perceber no seu emblemático “Fargo”, longa de 1996 vencedor do Oscar de melhor roteiro original e atriz (Frances McDormand).

Eis que agora surgem os autores com este “Bravura Indômita”, uma releitura do clássico protagonizado pelo imortal John Wayne e que lhe rendeu o único Oscar da carreira. Talvez o termo “releitura” seja mais preciso, pois que os irmãos recusam o termo comum de “remake”, pois que alegam estar realizando uma nova adaptação, mais fiel ao material do livro de Charles Portis e não uma mera refilmagem do longa predecessor. Contudo, à parte as inevitáveis comparações com o filme de 1969 (até porque mexer com um personagem imortalizado por John Wayne é sempre algo temerário), o mais interessante é contextualizar a nova produção na própria obra dos renomados diretores-roteiristas.

O primeiro ponto relevante a ser mencionado é o caráter comercial deste novo trabalho. Sem dúvida, trata-se do filme mais apto dos Coen a agradar ao grande público. Não à toa, ele se tornou um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, o mais rentável produto da dupla até hoje. Observando os nomes presentes nos créditos, percebe-se que Steven Spielberg é o produtor executivo do longa, o que provavelmente influenciou no seu resultado palatável. Há uma carga emocional mais forte do que se costuma verificar na filmografia dos diretores, cujos exemplares normalmente têm pouco ou nenhum apelo emocional, como no acima referido “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, dono de uma aridez que espanta espectadores com certa freqüência. Não se pode refutar que isso, de certa forma, atribuiu uma aura mais humana aos personagens da trama, vez que, quase invariavelmente, estes são muito caricaturizados nos roteiros desenvolvidos pelos irmãos. Por outro lado, concessões são sempre concessões, e é perceptível que alguns dos traços estilísticos dos autores foram aqui suavizados, entre eles o humor negro característico da dupla que, se não está ausente, se mostra bastante minorado aqui. O único elemento comum aos longas anteriores que transparece de maneira incisiva é a violência, e mesmo assim de forma menos impactante do que em outros exemplares da filmografia Coen.

No mais, a trama se desenvolve da mesma forma que a obra de 1969. Mattie Ross (a novata Hailee Steinfeld), uma garota que teve o pai assassinado, busca vingança. Para caçar o responsável, o criminoso Chaney (Josh Brolin), ela contrata o policial federal Reuben “Rooster” Cogburn (o papel de John Wayne na primeira versão e aqui interpretado por Jeff Bridges),o qual possui métodos pouco ortodoxos e conduta questionável. A eles se junta o ranger La Bouef (Matt Damon), que já estava anteriormente no encalço do facínora. Entre os três se desenvolve aquela tradicional relação de antipatia que acaba se tornando amizade, além de uma disputa sublimada entre os homens da lei pela atenção da menina. Todavia, não se pode negar que o elenco nos oferece um bom desempenho. Steinfeld é mesmo boa atriz e pode ter muito futuro caso escolha os trabalhos certos. Matt Damon está ótimo como La Bouef, sendo até estranho que tenha sido excluído das indicações ao prêmio da Academia como ator coadjuvante. E Jeff Bridges (que já havia trabalhado com os irmãos em “O Grande Lebowski”), na ingrata missão de reformular um personagem encarnado por um dos grandes astros de Hollywood, se sai inegavelmente bem, preservando o tapa-olho, mas sabendo construir uma nova identidade para Cogburn (ele está indicado ao prêmio de melhor ator, mas não deve levar).Outro elemento bem trabalhado foi a trilha sonora, de Carter Burwell, que consegue imprimir emoção no momentos certos, mesmo diante da fotografia escura (em contraposição à ensolarada da versão pioneira) adotada pelos diretores (como em geral acontece em seus filmes).

A verdade é que a sensação de já ter visto aquela narrativa em algum lugar incomoda um pouco. Fazer remakes, principalmente de um clássico, sempre é um risco, pois o sabor de comida requentada pode se fazer sentir em muitos espectadores. Eu fui um deles. De qualquer forma, é indubitável que os Irmãos Coen conseguiram imprimir, mesmo que de forma atenuada, devido ao caráter mais comercial do projeto (como salientado mais acima), uma sensível dose de sua personalidade e estilo. Entretanto, resta um ponto que talvez demonstre que os mesmos tenham recuperado a fé nas pessoas: este novo “True Grit” revela um perceptível otimismo, contrastando com o pessimismo cáustico de “Onde Os Fracos Não Têm Vez”. Os Coen parecem agora dizer que ainda há luz no fim do túnel para uma sociedade degradada. Tomara que estejam certos.


Cotação:

Nota: 8,5

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Quero Ver Novamente #10

Na recente resenha sobre "Meu Ódio Será Sua Herança", comentei que o diretor Sam Peckinpah, em termos cinematográficos, foi uma espécie de avô de Quentin Tarantino. E não tem jeito: sempre que lembro de Tarantino, lembro de sua saga "Kill Bill", um filme dividido em duas partes (vols. 1 e 2) simplesmente espetacular. Na minha opinião, sua grande obra até aqui. Nunca canso de vê-la. A cena abaixo, que mostra a Noiva (Uma Thurman) escapando da cova onde foi enterrada viva por Budd (Michael Madsen), já no vol. 2, é cinema em estado de graça! Realmente, poucos dirigem tão bem quanto Tarantino no cinema contemporâneo. Sensacional!


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Para Ver em Um Dia de Chuva



Meu Ódio Será Sua Herança
(The Wild Bunch)



Quando os brutos se tornam heróis


“Meu Ódio Será Sua Herança” possui uma sequência de créditos iniciais das mais marcantes que já tive a oportunidade de ver. Nela, um grupo de foras-da-lei, disfarçados com uniformes do exército norte-americano, avança calmamente a cavalo pelas ruas de um lugarejo poeirento próximo à fronteira dos EUA com o México. A imagem da cavalgada dos bandidos é entrecortada por outra, mostrando um grupo de crianças em uma rua próxima rindo com uma brincadeira cruel: elas assistem a escorpiões sendo devorados em um ninho de formigas vermelhas. A imagem, que foi sugerida por um dos integrantes do elenco, o ator mexicano Emilio Fernández, apresenta uma perfeita similaridade com o roteiro desenvolvido, constituindo uma metáfora interessantíssima para o desfecho deste impactante filme dirigido por Sam Peckinpah.

Peckinpah foi uma espécie de precursor da hiperviolência nas telas de cinema, um ancestral de Quentin Tarantino que estourou no final dos anos 60, quando todo o cinema americano, vale dizer, passava por transformações significativas. É possível, inclusive, que ele tenha sido o primeiro diretor a filmar a morte em câmera lenta, mostrando toda a dor dos personagens no momento em que são alvejados, em cenas dignas de tragédias operísticas. Contudo, tanto uma parte do público quanto a crítica não entenderam o seu cinema. Muitos consideravam gratuita e sensacionalista a violência de suas obras, com jorros de sangue voando para todos os lados. Roger Ebert, o famoso crítico norte-americano, afirma que a reação causada por “The Wild Bunch” foi similar àquela provocada, décadas depois, por “O Clube da Luta”, longa de David Fincher também muito criticado por adotar a hiperviolência como sustentáculo da obra. Entretanto, se é verdade que o filme de Fincher é muitíssimo violento, não se pode negar o seu valor enquanto obra vanguardista e questionadora, bem como representativa de um contexto sociocultural perfeitamente retratado em suas entrelinhas. E, do mesmo modo, pode-se afirmar que o filme de Peckinpah apresenta tais características.

“Meu Ódio...” é um faroeste crepuscular, narrando a saga de um grupo de assaltantes que se encontra próximo do fim. Seu líder, Pike Bishop (o astro William Holden) já está avançando na idade e cansado demais para continuar em uma vida repleta de perigos. Ademais, ele percebe que os tempos estão mudando. O ano é o de 1913, quando o automóvel começa aos poucos a fazer parte da paisagem ianque e o Estado já está se fazendo presente mesmo em rincões afastados do Oeste. Empresários e banqueiros, por seu turno, dispõem cada vez mais de recursos para proteger seus bens, tornando ainda mais perigosa e difícil a vida de assaltantes com ele. Pike, então, juntamente com seus companheiros Dutch Engstrom (Ernest Borgnine, recentemente homenageado no SAG), o velho e espirituoso Freddie Sykes (Edmond O’brien), o índio passional Angel (Jaime Sanchez), além dos irmãos crianças-grandes Lyle e Tector Gorch (Warren Oates e Bem Johnson, respectivamente), decide realizar um último golpe antes da aposentadoria: roubar uma carga de armas do exército americano, a mando do general paramilitar Mapache (Emilio Fernández, já mencionado mais acima). Por sua vez, o caçador de recompensas Deke Thornton (Robert Ryan) lidera um outro grupo que persegue o bando de Pike, grupo este formado por homens que se comportam como urubus ou hienas, se apropriando dos despojos dos mortos. Pike e Thornton, vale salientar, já foram amigos no passado, fazendo parte do mesmo bando.

Enganam-se aqueles que possam pensar que o longa se limita a um bangue-bangue bem encenado. Os personagens de Pike e Thornton são muito bem interpretados tanto por Holden quanto por Ryan, os quais conferem às suas interpretações uma forte carga interna. São homens que demonstram ciência de que seu tempo já passou, de que o fim está próximo, carregando nas costas o peso de uma vida errática e repleta de remorsos. Neste ponto, são ancestrais de Bill Munny, personagem de Clint Eastwood no seu antológico “Os Imperdoáveis”. É ainda importante salientar que o maniqueísmo passa longe da abordagem de Peckinpah. Se, por um lado, não deixamos de enxergar a crueldade dos membros do bando em certos momentos, em outros percebemos que os mesmos possuem uma ética própria, um senso de companheirismo que os leva a um desfecho trágico e, porque não dizer, também heróico. Até mesmo os piores facínoras podem ter um momento de redenção, parece nos dizer o diretor. Em outra vertente, porém, é de se lamentar uma certa misoginia na película, vez que as mulheres são sempre mostradas ora como prostitutas, ora tendo caráter duvidoso, o que pode acabar por trazer um certa rejeição do público feminino.


Extremamente bem fotografado e editado, esse western faz jus aos filmes de Sergio Leone no trato imagético. Uma profusão de sequências impressionantes é vista na tela, como a do tiroteio no centro da cidade em meio a uma passeata contra o uso de álcool, logo no início do filme (cena que tem um gosto peculiar para o alcoólatra Peckinpah), ou ainda a do assalto ao trem com a carga de armas. E isso pra não falar da mítica imagem em que os quatro integrantes restantes do grupo adentram um vilarejo com a altivez e consciência de que, na realidade, devem estar se dirigindo ao encontro da morte.

É intrigante como “Meu Ódio Será Sua Herança”, ao tratar do fim da era histórica do Velho Oeste, acabou também por simbolizar o fim de uma era no cinema, aquela controlada pelos estúdios (o “studio system”), e substituída pelo novo mundo dos diretores, surgido com os artífices da Nova Hollywood. Enfim, um filme que acabou se tornando o marco de uma transição. Curioso que, daí em diante, Sam Peckinpah tenha alternado sucessos e fracassos também em gêneros distintos, mas hoje seja lembrado principalmente pelos seus westerns. Ou seja, acabou desenvolvendo sua carreira tendo como base um gênero moribundo, tal como eram moribundos os tempos retratados neste seu longa-metragem que testou limites e influenciou decisivamente a estética do cinema norte-americano posterior. Não estranharei se um dia Quentin Tarantino acabar realizando um remake deste longa. Fará bastante sentido.


Cotação:

Nota: 9,5

sábado, 12 de fevereiro de 2011

"Tropa de Elite 2" é exibido em Berlim


Enquanto está todo mundo preocupado com a entrega do Oscar no próximo dia 27, é bom lembrar que está rolando desde quinta-feira a 61ª edição do Festival de Berlim. E ontem foi exibido, na mostra Panorama, o segundo "Tropa de Elite", na gigantesca sala do Friedrichstadtpalast, de 1.800 lugares. Ela estava cerca de 70% ocupada para a primeira sessão oficial do filme, no início da noite desta sexta-feira (11/02).

O diretor José Padilha subiu ao palco para agradecer a presença de todos e à organização da seção Panorama antes do inicio da sessão. A plateia, com boa parte de brasileiros, caiu na risada quando apareceu o nome da uma marca de cerveja como patrocinadora do longa.

Ao final, “Tropa de Elite 2” foi muito aplaudido durante 3 minutos. Os atores Wagner Moura e Maria Ribeiro subiram ao palco para agradecer a recepção. Wagner foi muito requisitado para tirar fotos com os fãs. Só não dá pra entender porque o longa ficou fora da competição principal pelo Urso de Ouro, já que o primeiro longa levou o prêmio...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cisne Negro


Assistir é preciso


Quando observada com atenção, a carreira de um cineasta pode revelar algumas de suas obsessões, manias ou simplesmente temas que gosta de abordar. Interessante que uma das primeiras impressões que tive de “Cisne Negro” foi a de que seu diretor, Darren Aronofsky, possui uma certa cisma com autoflagelação. A personagem central, a bailarina Nina Sayers (Natalie Portman), é adepta inconsciente desta prática, assim como o protagonista Randy, de “O Lutador” (filme anterior do diretor), também era adepto da mesma, só que neste caso de forma consciente. Além disso, Nina pratica, ao longo de toda a projeção do longa indicado a 5 Oscars, uma espécie de autoflagelação psicológica ao se determinar a incorporar uma personagem distante de sua própria essência. Sua tortura, ademais, é complementada pelo controle da mãe super-protetora (Barbara Hershey) e consequentemente opressora, a qual também foi bailarina e vê na filha uma chance de sucesso que não conseguiu obter, e as imposições tirânicas e cínicas do diretor e produtor do balé, Thomas Leroy (Vincent Cassel).

É aqui, por outro lado, que reside o cerne deste trabalho perturbador de Aronofsky. Nina ambiciona o papel central da nova montagem de “O Lago dos Cisnes”, o clássico de Tchaikovsky que narra a estória de uma princesa transformada por um encanto em um cisne branco. Para libertá-la do feitiço, é necessário que um príncipe se case com ela. Entretanto, o príncipe acaba seduzido e casando com o cisne negro, irmã do cisne branco, levando esta última, em um ato de desespero, ao suicídio, atirando-se do penhasco. Só que, na montagem planejada pelo diretor Leroy, cisne branco e negro serão interpretados pela mesma bailarina. Para conseguir o papel de protagonista (após a aposentadoria forçada da principal integrante da companhia, interpretada por Wynona Rider-ressurgindo-das-cinzas), Nina então terá de despertar em si aspectos humanos que parecem não lhe pertencer ou estarem reprimidos ao longo dos anos.

Muitos podem atirar pedras na comparação que farei agora, mas essa temática do despertar do “lado negro” já se tornou um tanto cansada no cinema depois de toda a longa série “Star Wars”, que é por muitos vista apenas como filmes rasos que proporcionam uma boa diversão. A saga de Anakin Skywalker trata exatamente deste embate entre o bem e o mal que existe em cada ser humano, conflito este que, ademais, está na base de todas as religiões. Talvez a diferença entre Nina e Anakin esteja no fato de que a primeira deseja ardentemente despertar este seu lado adormecido, enquanto Anakin luta para dominá-lo, mas, eventualmente, acaba sendo vencido pelas circunstâncias que insuflam a sua vertente perversa.


Vale dizer, ademais, que Aronofsky flerta perigosamente com um certo conservadorismo ao deixar nítida a relação entre o lado obscuro e a sexualidade. Nina, possivelmente virgem, é recatada e infantilizada pela mãe (basta observar os detalhes de seu quarto rosa) e sua maior dificuldade em interpretar o cisne negro reside justamente em transmitir uma sensualidade necessária à sua interpretação na dança. A ideia de que sensualidade e maldade estão necessariamente ligadas parece percorrer toda a trama, como se não fosse possível Nina desenvolver melhor sua sexualidade sem despertar aspectos “nefastos” do seu ser. Essa posição de Aronofsky se torna ainda mais nítida com a inclusão da personagem Lilly (Mila Kunis), a rival na disputa pelo papel de cisne branco/negro. Ela se mostra como o natural “cisne negro” da narrativa, com uma sensualidade espontânea, mas também com um caráter dúbio e escorregadio, induzindo Nina, por vezes, a um hedonismo permeado por excessos. Aliás, se à primeira vista a narrativa se mostra confusa e quase indecifrável, com um olhar mais detido percebe-se que estamos diante de uma alegoria em que Leroy, o diretor da montagem, é o príncipe que irá retirar Nina se sua condição de “cisne”, uma bailarina de menor destaque, para a condição de “princesa”, ou seja, a estrela da companhia. Ela então se vê ameaçada por Lilly (teria alguma relação com Lilith, a primeira mulher de Adão?), “o cisne negro” que também quer a condição de princesa e usa suas armas de sedução par atingir tal objetivo. Ou seja, pode soar até como um paradoxo, mas Aronofsky resvala no maniqueísmo ao querer investigar as forças obscuras que existem nas entranhas de cada um.

À parte a existência de um determinado cansaço da temática e da abordagem dotada talvez de um rígido conservadorismo, Darren demonstra mais uma vez ser dotado de um talento ímpar para dirigir filmes. O longa-metragem é tecnicamente perfeito. A forma com a qual o roteiro é desenvolvido (escrito por Mark Heyman, Andres Heinz e John J. McLaughlin), auxiliado por suas fotografia e edição, imprime ao filme um ritmo e clima oníricos, fazendo o público muitas vezes ter dúvidas sobre o que está realmente acontecendo e estabelecendo um horror psicológico cujas raízes remontam a “O Bebê de Rosemary”, clássico de Roman Polansky. O aspecto fotográfico, de autoria de Matthew Libatique, talvez seja, deveras, o mais brilhante. Com alguns closes nos pés da bailarina durante a dança, além de seu rosto durante a execução da mesma, podemos ter a ideia, mesmo que limitada, do enorme grau de dificuldade de uma arte que exige precisão técnica nos passos ao mesmo tempo em que demanda um grande poder performático. Aliás, uma leitura alternativa possível pode levar o espectador a intuir que toda a trama de “Cisne Negro” é uma boa metáfora para a profissão de ator, a qual muitas vezes exige que seus profissionais lidem com emoções e sentimentos estranhos às suas próprias naturezas.


Neste ponto, é importante destacar que o filme não seria absolutamente nada sem a força das atuações. Todo o elenco está impecável (mesmo Vincent Cassel acaba deixando de lado sua tradicional canastrice). Entretanto, este é mesmo o papel da vida de Natalie Portman (pelo menos até agora, pois que ainda é bastante jovem), um daqueles trabalhos que serão lembrados mesmo após décadas. Imagino que ela deve ter-se sentido exaurida após um trabalho que exigiu uma dedicação gigantesca, não apenas no aspecto técnico (já que ela se dedicou verdadeiramente ao balé, emagrecendo vários quilos, mesmo que algumas cenas sejam realizadas por dublês), mas fundamentalmente no emocional. Caso venha de fato a receber o prêmio da Academia, será tão justo quanto foi a premiação de Marion Cotillard em “Piaf – Um Hino ao Amor”. Ela só terá que tomar muito cuidado de agora em diante, pois nem todo mundo é um Marlon Brando capaz de interpretar ao menos uns cinco papéis inesquecíveis ao longo da carreira. As comparações com ela própria serão inevitáveis a partir deste ponto. Aliás, Aronofsky parece mesmo ser um mestre em conceber longas que possibilitem aos atores estas “epifanias”, tal como também ocorreu com Mickey Rourke no citado “O Lutador”.

Com tantos aspectos primorosos, é inevitável que o espectador embarque na trama, deixando-se levar pelos transtornos de Nina, mesmo que não seja uma experiência fácil ou agradável. Afinal, várias são as sequências fortes e impactantes (como a já polêmica cena de lesbianismo), o que pode levar muitos a rejeitarem o filme, principalmente o público feminino. Se, por um lado, Darren Aronofsky parece apresentar um desgastado tema apenas sob uma nova roupagem (mais “cabeça”, digamos assim) e surgindo até simplório em alguns momentos (ao associar sensualidade com desvios de caráter), por outro não se pode negar a força do resultado desta obra que se mostra singular em muitos aspectos. A verdade é que impossível acompanhar a projeção e restar indiferente a ela. Interessante perceber as reações da plateia ao fim da sessão, quando observei que muitos na sala em que assisti saíram com sorrisos nervosos aliados a um grande burburinho que demonstravam que não sabiam dizer exatamente o que tinham visto e se haviam gostado ou não da experiência. Confesso que sou um deles e, desta vez, vou me abster de atribuir uma cotação ou uma nota a este longa peculiar. Há filmes que apenas necessitam ser vistos, mesmo que você venha a gostar deles ou não.


Cotação e nota: abstenção.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Vencedor



Em família


O cineasta Darren Aronofsky terá dois concorrentes pelos quais torcer na cerimônia de entrega do Oscar no próximo dia 27. Diretor do aclamado “Cisne Negro” – que deve render a Natalie Portman o prêmio de melhor atriz – ele também foi o produtor executivo deste “O Vencedor”, um projeto antigo que o ator Mark Wahlberg sonhava em levar às telas (ele se preparou ao longo de 10 anos para o papel).

Na realidade, a mão de Aronofsky se faz bem mais presente do que a do diretor David O. Russel, o qual não havia realizado nada de muito relevante até este projeto (o que pode ser ainda lembrado é “Três Reis”). É possível que muitos identifiquem similaridades com "O Lutador", filme de Darren responsável pela ressurreição da carreira de Mickey Rourke e que narra a decadência de um outrora famoso atleta da luta livre norte-americana. Tal como neste longa, temos em “O Vencedor” um atleta que também teve seu momento de glória, mesmo que fugaz, um lutador de boxe que,em 1978, derrubou Sugar Ray Leonard no ringue, mesmo perdendo a luta depois. Dicky Ward (Christian Bale), mesmo após mais de uma década, ainda se vangloria deste feito, se auto-intitulando “o orgulho de Lowell”, bairro pobre de origem irlandesa localizado em Boston. Ele tem um irmão mais novo, Micky Ward (o papel de Wahlberg no filme), o qual possui muito talento para o boxe, mas é atrapalhado por Dicky e pelo restante de sua família problemática. Afinal, Dicky se tornou um viciado em crack e há muito deixou de ajudar o irmão. O maior problema é que ele não percebe isso e que seria melhor se afastar de Micky para que este pudesse se dedicar integralmente à carreira. Quem começa a dar um certo apoio necessário aos anseios de Micky (e também a fazê-lo enxergar o quanto sua família, mormente seu irmão mais velho, acabam sendo um obstáculo ao seu sucesso) é Charlene (Amy Adams), sua namorada que largou a faculdade e agora sobrevive como barwoman.

Assim, o longa (que é baseado em uma história real), antes de tratar sobre carreira ou o próprio boxe, é um filme sobre a família e de como esta pode acabar interferindo nos nossos rumos e resultados individuais. Entretanto, por mais que tentemos nos desvincular destas raízes, elas jamais nos deixarão e a única forma de nos realizarmos é procurando conciliar nossos anseios pessoais com as relações familiares, por mais que estas muitas vezes pareçam nos limitar. Em uma outra leitura, o filme nos mostra como, em muitas ocasiões, podemos criar ilusões sobre nós mesmos, atribuindo-nos uma condição que não possuímos. É o que sucede com Dicky, o qual se atribui uma condição de herói da família e da vizinhança que, em verdade, não possui. A sequência em que ele demonstra perceber esta realidade, cantando uma certa canção dos Bee Gees, por sinal, é brilhante, estando entre as mais memoráveis do cinema recente.

Obviamente, um filme que trata de família comumente necessita de um elenco que dê conta do recado. E é exatamente o caso aqui. Se Mark Wahlberg, um ator cheio de limitações, apenas chega a ser competente, Melissa Leo, no papel da mãe muitas vezes manipuladora e que demonstra uma preferência pelo irmão mais velho, está ótima, fazendo jus aos prêmios que já recebeu e à sua indicação ao Oscar. Da mesma forma, Amy Adams está muito bem como Charlene, conseguindo imprimir força e verdade à sua personagem. Contudo, quem rouba mesmo a cena é Christian Bale. Impressionante o seu mergulho em um personagem difícil, que é irresponsável sem ser exatamente maldoso e ao mesmo tempo apresentando leves distúrbios mentais, talvez resultado do consumo de drogas ou das pancadas do boxe. A verdade é que em nenhum momento ele se excede, com a uma atuação memorável que, caso de fato venha a receber o prêmio da Academia, será com inteira justiça (talvez por isso muitos votantes estejam deixando de lado os deslizes pessoais de Bale, como seus pitis em estúdios ou as acusações de agressão aos familiares que lhe exploram).

Acima, mencionei que é inegável o dedo de Aronofsky no projeto, mas não se pode também menosprezar a direção de Russell. Ele encontrou algumas soluções felizes para o desenvolvimento da trama, como mostrar as lutas de boxe com uma fotografia televisiva, uma forma de renovar o interesse do público nas cenas de luta, já muito repetidas nas telonas. O longa, ademais, nunca perde o ritmo, com uma edição caprichada e um roteiro muito bem adaptado, mesmo que não consiga fugir de alguns esquematismos necessários para envolver o público (afinal, não deixa de ser um produto de Hollywood).

Ou seja: “O Vencedor” é um filme redondo, com alguns momentos realmente marcantes como já mencionado, e que possui um mote que torna a narrativa de fácil apreensão e ligação com o grande público. Afinal, todos estamos inseridos em uma família, que, por melhor que seja, sempre terá seus problemas. Assim, torna-se quase impossível não se identificar de uma forma ou de outra com alguns dos dilemas apresentados. Além disso, acredito que todos nós já nos vimos divididos entre nossas realizações pessoais e o amor aos nossos entes mais próximos. Normalmente, não é fácil alcançar o equilíbrio. Este longa nos mostra que ele pode ser atingido e que buscá-lo é mesmo o melhor caminho.


Cotação:

Nota: 9,0

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Laura
(Laura)


Clássico do Noir


Você sabe o que foi o cinema “noir”? Ao contrário do que se pode pensar, o noir não foi um movimento de artistas ou teóricos que concebiam a criação cinematográfica de uma maneira semelhante (como aconteceu com a Nouvelle Vague francesa) ou com certas regras estilísticas predeterminadas e seguidas à risca por seus realizadores. Na realidade, os cineastas do gênero sequer sabiam que estavam fazendo cinema “noir”, já que este termo, usado pela primeira vez por um crítico francês em 1946 e adotado pelos críticos da revista Cahiérs Du Cinema (que posteriormente seriam os mestres da citada Nouvelle Vague), consolidou-se apenas anos depois que o gênero entrou em declínio. O Noir, em verdade, compreende um conjunto de filmes com características comuns que predominaram no cinema americano a partir do início dos anos 40 até meados da década de 50. Em geral, eram filmes de baixo orçamento, afinal, logo após a crise econômica dos anos 30, o mundo estava em guerra. Também eram voltados predominantemente ao entretenimento das massas, ávidas por filmes escapistas que lhes permitissem esquecer um pouco da dura realidade da época. Normalmente possuíam tramas de mistério sobre delitos ocorridos no submundo do crime e investigados por um detetive durão, com caráter não exatamente impecável, mas no fundo com um bom coração. Era comum tal protagonista envolver-se com uma mulher sedutora, de beleza estonteante, a qual frequentemente lhe trazia revezes (ou seja, o Noir praticamente criou o conceito de “mulher fatal”). Sua fotografia era invariavelmente em preto e branco de forte contraste, apta a realçar as sombras e fumaças de cigarro reinantes nos ambientes (muito do glamour do cigarro surgiu dentro desse estilo fílmico), uma influência do expressionismo alemão (“noir” significa “negro” em francês).

Embora se constitua um gênero predominantemente escapista, como dito acima, o Noir também nos revelou diretores excelentes, que souberam usar os roteiros muitas vezes esquemáticos para ir além e realizar verdadeiros estudos de personagens, revelando muito da alma humana através de suas obras. Um deles, indubitavelmente, foi Otto Preminger, um judeu austríaco que havia emigrado para os EUA após a ascensão do nazismo e que se transformou em um dos diretores mais profícuos e respeitados da Hollywood de então. Não que Preminger se dedicasse exclusivamente ao Noir, mas ele foi o responsável por um dos exemplares mais perfeitos e acabados do estilo: “Laura”, produção de 1944 protagonizada por Gene Tierney como a personagem-título.

O longa-metragem é uma adaptação do romance policial homônimo escrito por Vera Caspary e narra a investigação realizada pelo policial Mark McPherson (Dana Andrews) procurando elucidar a autoria do assassinato de Laura, morta com dois tiros de espingarda no rosto. Entre os maiores suspeitos estão o rico e influente jornalista Waldo Lydecker (o ator da Broadway Clifton Webb), o bon-vivant Shelby Carpenter (o jovem Vincent Price) e a socialite Ann Treadwell (Judith Anderson). Por meio do relato dos suspeitos, somos levados então a flashbacks (outra característica do Noir) que mostram como Laura deixou o anonimato para se tornar uma famosa designer, ao mesmo tempo em que percebemos que o detetive McPherson aos poucos vai se apaixonando pela falecida, descrita por todos como uma mulher encantadora e de beleza inigualável.


Costuma-se afirmar que filmes noir possuem enredo intrincado, mas “intrincado” talvez não seja o termo mais adequado para a trama deste magnífico “Laura”. Ele é bem elaborado e apresenta reviravoltas, mas jamais confunde ou entendia o espectador. Além disso, o trio de roteiristas responsável pela adaptação contou com o poeta Samuel Hoffenstein (além de Jay Dratler e Betty Reinhardt), o qual deu um refinamento aos diálogos todo especial, atribuindo-lhes qualidade verdadeiramente literária. Várias são as frases marcantes e memoráveis dos personagens, como a de Waldo Lydecker “nunca esquecerei o fim de semana em que Laura morreu. Eu me senti como o único ser humano que restou em Nova York”; ou ainda a de McPherson: “quando uma mulher é morta, ela não se preocupa com a aparência”. É um prazer acompanhá-los em falas tão inteligentes e instigantes, permitindo rever o filme com interesse sempre renovado.

As atuações, por sinal, merecem um parágrafo à parte. Gene Tierney parece ter nascido para o papel de Laura. Sua beleza excepcional torna perfeitamente crível o fato de tantos homens se apaixonarem por ela. Interessante que ela foi apenas a segunda opção de Preminger, uma vez que Tierney havia deixado o cinema por um ano para ser mãe. Sua grande popularidade, ademais, também foi um dos fatores que transformaram a produção em um sucesso de bilheteria. Por outro lado, Clifton Webb, que interpreta o cínico jornalista Lydecker, dá um show de interpretação, compensando o esforço de Preminger em escalá-lo, já que o então chefão da Fox, Darryl F. Zanuck, não gostava da opção devido aos boatos sobre a homossexualidade de Webb. A verdade é que o jornalista Waldo disputa as atenções da plateia com Laura. O personagem é inesquecível e sua obsessão por Laura adquire uma dupla conotação, pois que acabamos com a impressão de que o mesmo, na realidade, não é apenas apaixonado por Laura, mas talvez queira assumir sua vida, ser a própria adorada. Possivelmente o primeiro personagem masculino do cinema que deseja ser uma mulher. Além destes, Dana Andrews, Vincent Price e Judith Anderson também estão ótimos e perfeitamente encaixados em seus respectivos papeis.

Mas a série de acertos não para por aí. A fotografia primorosa de Joseph Lashelle, vencedora do Oscar, é belíssima, assim como a trilha sonora inesquecível e famosa de David Raksin. E, claro, tudo isso não seria nada sem a direção primorosa de Preminger. É bom lembrar que Rouben Mamoulian havia iniciado a direção do longa, enquanto Preminger tinha permanecido apenas na produção devido aos seus incontáveis atritos com Zanuck. Todavia, o próprio Zanuck não gostou do trabalho de Mamoulian e aceitou que o diretor austríaco tomasse as rédeas do projeto.

Não poderia haver decisão mais acertada. Otto Preminger transformou Laura em uma obra-prima, com um suspense capaz de prender a atenção mesmo das dispersivas platéias de hoje. Se você pretende iniciar uma apreciação do cinema noir, este sem dúvida é um ótimo começo. Se já é um iniciado e ainda não viu, saiba que este é um filme obrigatório do gênero. E se já assistiu, acredito que, após estas linhas, deve ter batido aquela vontade de rever este clássico. Por sinal, “clássico” é um termo que inegavelmente se aplica à perfeição em “Laura”.


Classificação e nota: Obra-prima.