Tropa de Elite
Eu estava com essa carta na manga há algum tempo. Às vésperas da estreia nos cinemas de "Tropa de Elite 2", publico no "Cinema Com Pimenta" a resenha que escrevi para o filme original quando do seu lançamento, ainda inédita neste espaço. Só aviso que ela é beeeeeeeeemmm longa... Avisado(a)? Se desejar, continue abaixo!
Tropa de Elite osso duro de roer! Pega um, pega geral! Ela vai pegar você!!!!!!
Muito já foi debatido e questionado sobre “Tropa de Elite”, o filme brasileiro mais comentado do ano, não só pelo fato de ter sido amplamente pirateado, mas principalmente pela temática que carrega. Diante de tudo que já foi falado em todos os meios de comunicação (na “imprensa escrita, falada, televisionada e virtual”), não posso deixar de “meter o meu bedelho” nesta balbúrdia de opiniões que tomou a pauta nacional, seja no botequim, seja nos chamados “círculos acadêmicos”. Dada a complexidade do tema, preferi dividir este texto em duas partes distintas: na primeira, passarei a uma análise de “Tropa de Elite” enquanto obra cinematográfica. Em um segundo momento, passarei às repercussões sociais trazidos pelo longa. E vamos ao que interessa!
Tropa de Elite – O filme
Antes de adentramos especificamente na análise do filme de José Padilha, convém lembrarmos dos seus “ancestrais”, remotos e próximos, os quais parecem ter influenciado o diretor na construção de “Tropa”. Três podem ser citados como claros “avós” deste último.
O primeiro deles é Taxi Driver, obra do genial Martin Scorsese, um dos maiores diretores americanos vivos (ao lado de Clint Eastwood). Nele, Scorsese nos mostra a vida de um taxista novaiorquino, Travis Brickle, interpretado magistralmente por Robert De Niro. Travis é um pária social, um “esquecido”, ou “loser” como gosta de afirmar pejorativamente a sociedade americana. Em meio a uma Nova York pré Rudolph Giulianni, dominada por criminosos, Travis, gradualmente, vê-se imbuído de um sentimento misto de justiça e vingança, levando-o a cometer uma série de assassinatos, uma verdadeira “faxina” social. Em outras e mais claras palavras: justiça com as próprias mãos. Em sua época, suscitou reações diversas na sociedade americana, gerando discussões entre aqueles que apoiavam sua “limpeza”, e aqueles viam na sua atitude um caráter fascista. Como se pode observar, debate bem parecido com o que vivemos atualmente em nossas terras tupiniquins. Aliás, a influência é diretamente assumida por Padilha através da seqüência em o policial Neto “treina” em frente ao espelho em sua residência. Qualquer um que já tenha assistido a Taxi Driver lembrará imediatamente da cena em que Travis pratica pontaria em frente ao espelho. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Outra obra que vem à memória quando assistimos a “Tropa de Elite” é, sem dúvida, Apocalypse Now, dirigido por outro genial cineasta, Francis Ford Coppola. Em vários momentos, não pude deixar de associar a conduta obsessiva do capitão Nascimento com a paranóia do coronel interpretado por Robert Duvall, o qual gostava do cheiro de napalm pela manhã porque era “o cheiro da vitória”. Ou seja, vitória a qualquer custo, mesmo que para isso se valha estratégias imorais. No caso do coronel, a terrível arma química que atingia inúmeros inocentes; no caso de Nascimento, tortura e assassinatos para combater o tráfico. Este aspecto será melhor debatido no momento oportuno. De qualquer forma, a famosa frase do coronel Kurtz (este interpretado por Marlon Brando) parece cair como uma luva ao fim das duas obras: “O horror! O horror!”.
Em terceiro lugar, podemos citar mais um filme, de mais um cineasta absoluto: Stanley Kubrick. Em seu “Nascido Para Matar”, Kubrick nos mostra o processo de brutalização a que são submetidos os soldados preparados para guerra (no caso, a do Vietnã). Kubrick nos mostra que até os mais sensíveis são condicionados a se transformarem em máquinas de matar, tornando-se indiferentes ao sofrimento alheio (e, em alguns casos, ao próprio sofrimento). Está lembrando do treinamento dos soldados do BOPE? Sim, mais uma vez qualquer semelhança não é mera coincidência. Em vários momentos, o capitão Nascimento me fez lembrar o brutal sargento responsável pelo treinamento dos soldados no filme de Kubrick. E, vejam que curioso, dois filmes de guerra citados como referências para o longa de Padilha. Uma importante conclusão, que será também melhor explicitada mais abaixo, podemos tirar dessa “semelhança”: o BOPE vê a ação nas favelas como uma guerra, mesmo que não declarada oficialmente.
Por último, o que podemos chamar não de “avô”, mas de “pai” de Tropa de Elite é, obviamente. “Cidade de Deus”, o longa de Fernando Meirelles que causou impacto não apenas nacional, mas no mundo todo. Muitos até afirmam que “Tropa de Elite” é um “Cidade de Deus” da polícia. O mesmo tema visto através de olhos opostos. E isto, em parte, é verdade. Mas não apenas no campo temático.
Padilha utiliza vários dos artifícios usados por Meirelles para prender o espectador. Primeiramente, um roteiro muito bem amarrado, pensado em detalhes, com nuances de ação e comédia que envolvem o grande público. Seus aspectos técnicos também são de primeira linha: som e edição de som com qualidade hollywoodiana, fotografia vibrante e trêmula (embora menos “estética” que a de Cidade de Deus), montagem alucinante, fazendo com que o longa jamais perca o ritmo. Há, ainda, a narrativa em “off”, realizada por um personagem que parece ser o central da trama, mas que na realidade não é (em “Cidade”, Buscapé; em “Tropa”, o capitão Nascimento).
E é inegável que “Tropa de Elite”, com a direção segura de José Padilha, constitui ótimo cinema ,tal qual seu outro longa, o documentário, brilhante é importante ressaltar, “Ônibus 174”. É bem interessante, por sinal, fazer uma leitura de “Tropa de Elite” depois de ter visto “Ônibus”. Os dois podem soar até como contraponto um do outro. No documentário, somos levados a compreender as razões e circunstância que levaram Sandro do Nascimento a cometer aquele ato de loucura dentro de um ônibus de linha urbana na cidade do Rio de Janeiro. Constatamos a vida inteira de privações e abandono a que foi submetido (passando em resumo: Sandro não teve pai, viu sua mãe ser assassinada na sua frente, viveu nas ruas, teve seus amigos chacinados na Candelária, ele próprio escapando por pouco). É impossível não nos sentirmos todos culpados por aquela tragédia, ao fim do filme. Já em “Tropa” temos a visão dos policiais, como eles enxergam o tráfico e os motivos que levam os membros do BOPE a praticarem os atos de selvageria e desrespeito à garantias civis. Mas da mesma forma, desfere um “soco no estômago” das classes mais abastadas ao colocá-la como sócia do narcotráfico. Talvez a grande “mensagem” (para utilizar um termo clichê) de ambos os longas seja a de que não existem inocentes, todos temos responsabilidade pelo atual estado de medo e conflito que aflige nosso país.
Muito já foi debatido e questionado sobre “Tropa de Elite”, o filme brasileiro mais comentado do ano, não só pelo fato de ter sido amplamente pirateado, mas principalmente pela temática que carrega. Diante de tudo que já foi falado em todos os meios de comunicação (na “imprensa escrita, falada, televisionada e virtual”), não posso deixar de “meter o meu bedelho” nesta balbúrdia de opiniões que tomou a pauta nacional, seja no botequim, seja nos chamados “círculos acadêmicos”. Dada a complexidade do tema, preferi dividir este texto em duas partes distintas: na primeira, passarei a uma análise de “Tropa de Elite” enquanto obra cinematográfica. Em um segundo momento, passarei às repercussões sociais trazidos pelo longa. E vamos ao que interessa!
Tropa de Elite – O filme
Antes de adentramos especificamente na análise do filme de José Padilha, convém lembrarmos dos seus “ancestrais”, remotos e próximos, os quais parecem ter influenciado o diretor na construção de “Tropa”. Três podem ser citados como claros “avós” deste último.
O primeiro deles é Taxi Driver, obra do genial Martin Scorsese, um dos maiores diretores americanos vivos (ao lado de Clint Eastwood). Nele, Scorsese nos mostra a vida de um taxista novaiorquino, Travis Brickle, interpretado magistralmente por Robert De Niro. Travis é um pária social, um “esquecido”, ou “loser” como gosta de afirmar pejorativamente a sociedade americana. Em meio a uma Nova York pré Rudolph Giulianni, dominada por criminosos, Travis, gradualmente, vê-se imbuído de um sentimento misto de justiça e vingança, levando-o a cometer uma série de assassinatos, uma verdadeira “faxina” social. Em outras e mais claras palavras: justiça com as próprias mãos. Em sua época, suscitou reações diversas na sociedade americana, gerando discussões entre aqueles que apoiavam sua “limpeza”, e aqueles viam na sua atitude um caráter fascista. Como se pode observar, debate bem parecido com o que vivemos atualmente em nossas terras tupiniquins. Aliás, a influência é diretamente assumida por Padilha através da seqüência em o policial Neto “treina” em frente ao espelho em sua residência. Qualquer um que já tenha assistido a Taxi Driver lembrará imediatamente da cena em que Travis pratica pontaria em frente ao espelho. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Outra obra que vem à memória quando assistimos a “Tropa de Elite” é, sem dúvida, Apocalypse Now, dirigido por outro genial cineasta, Francis Ford Coppola. Em vários momentos, não pude deixar de associar a conduta obsessiva do capitão Nascimento com a paranóia do coronel interpretado por Robert Duvall, o qual gostava do cheiro de napalm pela manhã porque era “o cheiro da vitória”. Ou seja, vitória a qualquer custo, mesmo que para isso se valha estratégias imorais. No caso do coronel, a terrível arma química que atingia inúmeros inocentes; no caso de Nascimento, tortura e assassinatos para combater o tráfico. Este aspecto será melhor debatido no momento oportuno. De qualquer forma, a famosa frase do coronel Kurtz (este interpretado por Marlon Brando) parece cair como uma luva ao fim das duas obras: “O horror! O horror!”.
Em terceiro lugar, podemos citar mais um filme, de mais um cineasta absoluto: Stanley Kubrick. Em seu “Nascido Para Matar”, Kubrick nos mostra o processo de brutalização a que são submetidos os soldados preparados para guerra (no caso, a do Vietnã). Kubrick nos mostra que até os mais sensíveis são condicionados a se transformarem em máquinas de matar, tornando-se indiferentes ao sofrimento alheio (e, em alguns casos, ao próprio sofrimento). Está lembrando do treinamento dos soldados do BOPE? Sim, mais uma vez qualquer semelhança não é mera coincidência. Em vários momentos, o capitão Nascimento me fez lembrar o brutal sargento responsável pelo treinamento dos soldados no filme de Kubrick. E, vejam que curioso, dois filmes de guerra citados como referências para o longa de Padilha. Uma importante conclusão, que será também melhor explicitada mais abaixo, podemos tirar dessa “semelhança”: o BOPE vê a ação nas favelas como uma guerra, mesmo que não declarada oficialmente.
Por último, o que podemos chamar não de “avô”, mas de “pai” de Tropa de Elite é, obviamente. “Cidade de Deus”, o longa de Fernando Meirelles que causou impacto não apenas nacional, mas no mundo todo. Muitos até afirmam que “Tropa de Elite” é um “Cidade de Deus” da polícia. O mesmo tema visto através de olhos opostos. E isto, em parte, é verdade. Mas não apenas no campo temático.
Padilha utiliza vários dos artifícios usados por Meirelles para prender o espectador. Primeiramente, um roteiro muito bem amarrado, pensado em detalhes, com nuances de ação e comédia que envolvem o grande público. Seus aspectos técnicos também são de primeira linha: som e edição de som com qualidade hollywoodiana, fotografia vibrante e trêmula (embora menos “estética” que a de Cidade de Deus), montagem alucinante, fazendo com que o longa jamais perca o ritmo. Há, ainda, a narrativa em “off”, realizada por um personagem que parece ser o central da trama, mas que na realidade não é (em “Cidade”, Buscapé; em “Tropa”, o capitão Nascimento).
E é inegável que “Tropa de Elite”, com a direção segura de José Padilha, constitui ótimo cinema ,tal qual seu outro longa, o documentário, brilhante é importante ressaltar, “Ônibus 174”. É bem interessante, por sinal, fazer uma leitura de “Tropa de Elite” depois de ter visto “Ônibus”. Os dois podem soar até como contraponto um do outro. No documentário, somos levados a compreender as razões e circunstância que levaram Sandro do Nascimento a cometer aquele ato de loucura dentro de um ônibus de linha urbana na cidade do Rio de Janeiro. Constatamos a vida inteira de privações e abandono a que foi submetido (passando em resumo: Sandro não teve pai, viu sua mãe ser assassinada na sua frente, viveu nas ruas, teve seus amigos chacinados na Candelária, ele próprio escapando por pouco). É impossível não nos sentirmos todos culpados por aquela tragédia, ao fim do filme. Já em “Tropa” temos a visão dos policiais, como eles enxergam o tráfico e os motivos que levam os membros do BOPE a praticarem os atos de selvageria e desrespeito à garantias civis. Mas da mesma forma, desfere um “soco no estômago” das classes mais abastadas ao colocá-la como sócia do narcotráfico. Talvez a grande “mensagem” (para utilizar um termo clichê) de ambos os longas seja a de que não existem inocentes, todos temos responsabilidade pelo atual estado de medo e conflito que aflige nosso país.
Há ainda um aspecto fundamental a ser enaltecido para a eficiência de “Tropa de Elite” como cinema: o elenco. Muito bem escolhidos pelo cineasta (e com preparação de Fátima Toledo), todos estão bem. Tanto Caio Junqueira (Neto) como André Ramiro (Matias), mostram muita competência na interpretação dos soldados iniciantes do BOPE. Todavia, quem definitivamente rouba a cena, por meio de uma atuação realmente magnífica, é Wagner Moura. O seu Capitão Nascimento entrará, sem dúvida, para o rol dos personagens mais marcantes do cinema nacional, assim como entrou o Zé Pequeno de Luís Firmino da Hora. Aliás, boa parte dos sentimentos de apoio do público talvez não existisse se o personagem não tivesse sido interpretado por um ator deste nível de excelência. É mesmo uma atuação digna de um Robert De Niro, Jack Nicholson, ou mesmo um Marlon Brando. Fosse um ator norte-americano, provavelmente o Oscar estaria em suas mãos. Seu Nascimento é brutal, mas ao mesmo tempo detém uma autoridade que pode tornar inquestionáveis seus atos mais atrozes, geralmente vistos pelo próprio como um “mal necessário”.
A trilha sonora também conduz o espectador no ritmo do que é visto na tela. Muitos apontaram a trilha como um elemento “fascista” da obra, o que me parece idéia de gente que não tem o que dizer nem o que fazer. Scorsese, por exemplo, muitas vezes utilizou rock em sua trilhas, e nem por isso foi chamado de fascista (muito pelo contrário).
Em síntese: Tropa de Elite é, de fato, um filme excelente digno de palmas. Se você está querendo ver um bom filme, independente de qual corrente “ideológica” você pertença, pode assistir sem medo, pois verá um grande. Aliás, o só fato do longa de José Padilha gerar tanta discussão demonstra que algo de bom ele deve ter, afinal, filmes que geram discussões são cada vez mais raros no meio deste mar de mediocridade que ora impera em nossas salas de cinema. E é da discussão que trataremos na segunda parte desta análise.
Tropa de Elite – A Polêmica
Fascista. Este é o principal adjetivo que vem sendo atribuído ao filme ora em debate por seus críticos. Padilha vem sendo acusado sistematicamente de defender as ações brutais do Batalhão de Elite da polícia militar do Rio de Janeiro. Mas será que o adjetivo lhe cai bem?
Talvez seja um tanto exagerada. É bem verdade que somos apresentados aos fatos, durante a projeção, pela visão, um tanto de distorcida (pelo menos pra mim) do capitão Nascimento, através de sua narrativa em “off”. E isso induz a platéia, pelo menos a sua parcela mais “influenciável”, ou menos conhecedora da temática da criminalidade, ou simplesmente mais reacionária, a aceitar como necessários os métodos brutais, que incluem tortura e assassinatos, usados pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE. Mas, se há verdade nessa afirmação, além da forma vibrante como o filme é narrado (o que pode fazer com que os mais exaltados saiam por aí gritando “faca na caveira”), também é falsa a afirmação de que a postura do capitão de não sentir “remorso”, de que o filme não retrata os conflitos psicológicos a que os soldados do batalhão são submetidos. Ora, o personagem do capitão, ao longo de toda a narrativa, procura justamente encontrar um substituto por não suportar mais o stress a que é submetido. Ademais, mostra-se que se sentiu culpado em ter matado um “fogueteiro” em uma de suas ações na favela. “Eu senti remorso e um policial do BOPE não pode ter remorso”, afirma a certa altura. Por outro lado, acusar Padilha de ser um radical de direita soa um tanto ridículo, principalmente ao lembrarmos de uma das feridas cutucadas pelo longa: a participação das classes altas como financiadora do tráfico. Olhando por este prisma, talvez alguns o considerem um “radical de esquerda”, pecha que lhe foi atribuída por muitos após “Ônibus 174”.
Na realidade, discutir se a obra cinematográfica é fascista, ou não, é de uma pobreza sem tamanho. Um artista expõe em sua obra a sua visão de mundo e o fato de alguns não concordarem com esta visão de mundo não diminui o valor da obra. Sergei Eisenstein era membro do partido comunista soviético e isso não impede que sua obra seja reconhecida como genial mesmo pelos norte-americanos. Da mesma forma, Leni Riefensthal fez documentários divulgadores do partido nazista e de sua tosca ideologia, o que também não impediu o mundo de reconhecer seus méritos cinematográficos.
Mais interessante que perquirir se o filme é ou não fascista, é perguntar se as idéias do capitão Nascimento, mostradas na tela, são ou não são válidas dentro da contingência atualmente enfrentada pela sociedade brasileira.
Para responder a esta pergunta, é necessário fazermos antes um novo questionamento: a sociedade brasileira vive hoje um estado de guerra? A pergunta é pertinente devido às conseqüências que uma resposta afirmativa pode gerar. Se admitirmos que vivemos uma situação de guerra poderemos admitir a suspensão de garantias individuais e encararmos os atos bárbaros do capitão da tropa como admissíveis (ou pelo menos uma destes atos), tendo em vista que uma guerra comporta medidas de exceção. Se, por outro lado, não reconhecermos a existência de um estado de guerra em nossas ruas, jamais poderemos admitir que o Estado (e os membros do BOPE são agentes do Estado, não podemos esquecer esse detalhe) atinja as regras que garantem a sua própria existência enquanto Estado democrático.
Todavia, se a resposta for “sim”, a suspensão dos direitos individuais não pode ser admitida apenas para “os outros”, para a parcela pobre e marginalizada da população, como parece defender o decepcionante apresentador Luciano Huck em seu lamentável artigo para a Folha de São Paulo. É bom lembrar o verdadeiro soco no estômago da classe média que é desferido pelo filme de José Padilha. Os extratos mais abastados da “hierarquia” social têm enorme responsabilidade pela manutenção do tráfico. Da mesma forma que a Coca-Cola tornou-se uma multinacional com sede em todos os lugares do globo porque tem muitos consumidores para o seu produto, o tráfico também só é um ramo muito “rentável” porque existe um enorme número de consumidores para as drogas, a maior parte deles de classes abastadas.
O “tapa na cara” dado na classe média é tão forte que muitos apressadinhos e pseudo-intelectuais de plantão já “colocaram na pauta” das discussões do país a descriminalização das drogas como “principal fator” para combater a violência reinante nas favelas. Nada mais hipócrita. Isso não passa de uma tentativa de, desculpem a expressão, livrar o rabo da classe média da seringa, pois ao comprar drogas de forma legal ela estaria se eximindo da responsabilidade pelo tráfico. Trata-se porém de uma falácia em várias vertentes. Fernandinho Beira-Mar jamais venderia sua droga pagando imposto, e a própria classe média não iria querer comprar sua droga mais cara. Eu fico estarrecido com argumentos como “o álcool é mais nocivo do que várias drogas ilegais”. Mentira! Um copo de vinho não faz mal a ninguém. O mesmo não pode se dizer de um cigarro de maconha ou de uma “carreira” de cocaína, como já muito divulgado pelos especialistas da área. É impressionante até que ponto pode ir a burguesia em defesa de seu hedonismo desmedido.
Vale dizer que, dentro das reações que o filme me despertou, não deixei de sentir uma certa satisfação ao ver o personagem de Matias dando uns tabefes nos playboyzinhos colegas no seu curso de Direito. São pessoas que possuem todas as escolhas, mas preferem se associar ao crime, chegando a alegações absurdas de que traficantes “possuem consciência social”. Eu sinto faltar toda a minha paciência, sendo bem sincero.
Assim, caso admitamos a existência do Capitão Nascimento temos que admitir que ele também invada nossas próprias casas e não apenas a do outro. Deveremos admitir também que ele torture nossos parentes, mesmo que talvez eles não saibam o paradeiro de determinado delinqüente. O que talvez exista de mais nefasto no Brasil não é a violência absurda que aparece todos os dias nas capas dos jornais e em filmes como este, mas maldita divisão da sociedade em castas, onde alguns parecem ser imunes a qualquer ação do Estado, por mais nocivo que seja seu comportamento. Como diz o lema da tropa, transcrito no início deste texto: “pega um, pega geral”. Nada de “discriminações”.
Talvez o que o longa de José Padilha queira mesmo nos passar seja exatamente essa idéia, já anteriormente presente em “Ônibus 174”: por favor, chega de hipocrisia! Somos todos integrantes de um grupo social e, portanto, responsáveis pelas mazelas deste grupo. Está na hora de encararmos nossas responsabilidades para que, assim, não precisemos mais de homens como o capitão Nascimento.
Ah, já quase me esquecia de dar a nota ao filme.
Cotação:
Nota: 10,0
A trilha sonora também conduz o espectador no ritmo do que é visto na tela. Muitos apontaram a trilha como um elemento “fascista” da obra, o que me parece idéia de gente que não tem o que dizer nem o que fazer. Scorsese, por exemplo, muitas vezes utilizou rock em sua trilhas, e nem por isso foi chamado de fascista (muito pelo contrário).
Em síntese: Tropa de Elite é, de fato, um filme excelente digno de palmas. Se você está querendo ver um bom filme, independente de qual corrente “ideológica” você pertença, pode assistir sem medo, pois verá um grande. Aliás, o só fato do longa de José Padilha gerar tanta discussão demonstra que algo de bom ele deve ter, afinal, filmes que geram discussões são cada vez mais raros no meio deste mar de mediocridade que ora impera em nossas salas de cinema. E é da discussão que trataremos na segunda parte desta análise.
Tropa de Elite – A Polêmica
Fascista. Este é o principal adjetivo que vem sendo atribuído ao filme ora em debate por seus críticos. Padilha vem sendo acusado sistematicamente de defender as ações brutais do Batalhão de Elite da polícia militar do Rio de Janeiro. Mas será que o adjetivo lhe cai bem?
Talvez seja um tanto exagerada. É bem verdade que somos apresentados aos fatos, durante a projeção, pela visão, um tanto de distorcida (pelo menos pra mim) do capitão Nascimento, através de sua narrativa em “off”. E isso induz a platéia, pelo menos a sua parcela mais “influenciável”, ou menos conhecedora da temática da criminalidade, ou simplesmente mais reacionária, a aceitar como necessários os métodos brutais, que incluem tortura e assassinatos, usados pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE. Mas, se há verdade nessa afirmação, além da forma vibrante como o filme é narrado (o que pode fazer com que os mais exaltados saiam por aí gritando “faca na caveira”), também é falsa a afirmação de que a postura do capitão de não sentir “remorso”, de que o filme não retrata os conflitos psicológicos a que os soldados do batalhão são submetidos. Ora, o personagem do capitão, ao longo de toda a narrativa, procura justamente encontrar um substituto por não suportar mais o stress a que é submetido. Ademais, mostra-se que se sentiu culpado em ter matado um “fogueteiro” em uma de suas ações na favela. “Eu senti remorso e um policial do BOPE não pode ter remorso”, afirma a certa altura. Por outro lado, acusar Padilha de ser um radical de direita soa um tanto ridículo, principalmente ao lembrarmos de uma das feridas cutucadas pelo longa: a participação das classes altas como financiadora do tráfico. Olhando por este prisma, talvez alguns o considerem um “radical de esquerda”, pecha que lhe foi atribuída por muitos após “Ônibus 174”.
Na realidade, discutir se a obra cinematográfica é fascista, ou não, é de uma pobreza sem tamanho. Um artista expõe em sua obra a sua visão de mundo e o fato de alguns não concordarem com esta visão de mundo não diminui o valor da obra. Sergei Eisenstein era membro do partido comunista soviético e isso não impede que sua obra seja reconhecida como genial mesmo pelos norte-americanos. Da mesma forma, Leni Riefensthal fez documentários divulgadores do partido nazista e de sua tosca ideologia, o que também não impediu o mundo de reconhecer seus méritos cinematográficos.
Mais interessante que perquirir se o filme é ou não fascista, é perguntar se as idéias do capitão Nascimento, mostradas na tela, são ou não são válidas dentro da contingência atualmente enfrentada pela sociedade brasileira.
Para responder a esta pergunta, é necessário fazermos antes um novo questionamento: a sociedade brasileira vive hoje um estado de guerra? A pergunta é pertinente devido às conseqüências que uma resposta afirmativa pode gerar. Se admitirmos que vivemos uma situação de guerra poderemos admitir a suspensão de garantias individuais e encararmos os atos bárbaros do capitão da tropa como admissíveis (ou pelo menos uma destes atos), tendo em vista que uma guerra comporta medidas de exceção. Se, por outro lado, não reconhecermos a existência de um estado de guerra em nossas ruas, jamais poderemos admitir que o Estado (e os membros do BOPE são agentes do Estado, não podemos esquecer esse detalhe) atinja as regras que garantem a sua própria existência enquanto Estado democrático.
Todavia, se a resposta for “sim”, a suspensão dos direitos individuais não pode ser admitida apenas para “os outros”, para a parcela pobre e marginalizada da população, como parece defender o decepcionante apresentador Luciano Huck em seu lamentável artigo para a Folha de São Paulo. É bom lembrar o verdadeiro soco no estômago da classe média que é desferido pelo filme de José Padilha. Os extratos mais abastados da “hierarquia” social têm enorme responsabilidade pela manutenção do tráfico. Da mesma forma que a Coca-Cola tornou-se uma multinacional com sede em todos os lugares do globo porque tem muitos consumidores para o seu produto, o tráfico também só é um ramo muito “rentável” porque existe um enorme número de consumidores para as drogas, a maior parte deles de classes abastadas.
O “tapa na cara” dado na classe média é tão forte que muitos apressadinhos e pseudo-intelectuais de plantão já “colocaram na pauta” das discussões do país a descriminalização das drogas como “principal fator” para combater a violência reinante nas favelas. Nada mais hipócrita. Isso não passa de uma tentativa de, desculpem a expressão, livrar o rabo da classe média da seringa, pois ao comprar drogas de forma legal ela estaria se eximindo da responsabilidade pelo tráfico. Trata-se porém de uma falácia em várias vertentes. Fernandinho Beira-Mar jamais venderia sua droga pagando imposto, e a própria classe média não iria querer comprar sua droga mais cara. Eu fico estarrecido com argumentos como “o álcool é mais nocivo do que várias drogas ilegais”. Mentira! Um copo de vinho não faz mal a ninguém. O mesmo não pode se dizer de um cigarro de maconha ou de uma “carreira” de cocaína, como já muito divulgado pelos especialistas da área. É impressionante até que ponto pode ir a burguesia em defesa de seu hedonismo desmedido.
Vale dizer que, dentro das reações que o filme me despertou, não deixei de sentir uma certa satisfação ao ver o personagem de Matias dando uns tabefes nos playboyzinhos colegas no seu curso de Direito. São pessoas que possuem todas as escolhas, mas preferem se associar ao crime, chegando a alegações absurdas de que traficantes “possuem consciência social”. Eu sinto faltar toda a minha paciência, sendo bem sincero.
Assim, caso admitamos a existência do Capitão Nascimento temos que admitir que ele também invada nossas próprias casas e não apenas a do outro. Deveremos admitir também que ele torture nossos parentes, mesmo que talvez eles não saibam o paradeiro de determinado delinqüente. O que talvez exista de mais nefasto no Brasil não é a violência absurda que aparece todos os dias nas capas dos jornais e em filmes como este, mas maldita divisão da sociedade em castas, onde alguns parecem ser imunes a qualquer ação do Estado, por mais nocivo que seja seu comportamento. Como diz o lema da tropa, transcrito no início deste texto: “pega um, pega geral”. Nada de “discriminações”.
Talvez o que o longa de José Padilha queira mesmo nos passar seja exatamente essa idéia, já anteriormente presente em “Ônibus 174”: por favor, chega de hipocrisia! Somos todos integrantes de um grupo social e, portanto, responsáveis pelas mazelas deste grupo. Está na hora de encararmos nossas responsabilidades para que, assim, não precisemos mais de homens como o capitão Nascimento.
Ah, já quase me esquecia de dar a nota ao filme.
Cotação:
Nota: 10,0
Em tempo: Acho que vou chamar o Capitão Nascimento para pegar o Diogo Mainardi! Hahhahahhahahahhahhaha!
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