domingo, 30 de outubro de 2011

O Palhaço



Risos e intimismo


Há poucos dias, em uma entrevista na TV, Selton Mello disse que há 30 anos nutre a dúvida de realmente ter feito a escolha certa ao seguir a carreira de ator, sentimento que até já o levou a momentos de depressão. Tendo conhecimento dessa circunstância podemos perceber que “O Palhaço”, o seu segundo filme na direção (o primeiro foi “Feliz Natal”, em 2008), possui linhas extremamente autorais. Afinal, Benjamim/Pangaré, o palhaço sem carteira de identidade e CPF que o ator e diretor interpreta no longa que teve sua estreia nacional na última sexta-feira, é um artista circense que se vê desmotivado com a vida que escolheu. Ou, pior ainda, que talvez não tenha escolhido, mas apenas herdado, dado que seu pai Valdemar (Paulo José), o dono do circo Esperança, também encarna o palhaço Puro Sangue, fazendo dupla com o filho no picadeiro. Destarte, tal sentimento de “destino imposto” é apenas mais um dos que fazem Benjamim oscilar. As limitações financeiras da vida mambembe, que chegam a transformar a compra de um mero ventilador em um “sonho de consumo”, também lhe fazem desejar seguir outro rumo, assim como a sensação de que o circo também prejudica muito a sua vida afetiva, impedindo-o de constituir laços sólidos com uma mulher.

Desta forma, vê-se que Selton soube levar o drama de Benjamim para além de uma questão unidimensional, assim como o são realmente as nossas escolhas e indecisões. O próprio fato de não possuir uma carteira de identidade serve como metáfora direta de que o referido palhaço ainda não sabe exatamente quem é e que quer ser. Da mesma maneira, o diretor teve a sabedoria de não transformar o enredo (com roteiro escrito pelo próprio Selton em parceria com Marcelo Vindicato) em um dramalhão acentuado, algo que poderia facilmente acontecer em mãos menos talentosas. Pelo contrário. A despeito do tom circunspecto que imprimiu a Pangaré, o longa, na maior parte do tempo, leva o espectador ao riso, sempre contrapondo o drama do protagonista a situações inusitadas e engraçadas, o que, por vezes, realça ainda mais o sentimento de solidão do mesmo. Dar ao riso efeitos intimistas é coisa para poucas obras e esta se destaca justamente por conseguir tal resultado.


Interessante observar que boa parte da narrativa se desenvolve de forma bastante visual. As inquietações de Benjamim são principalmente percebidas através de imagens, como, para citar um exemplo, os constantes olhares deste para os ventiladores, denotando o seu enorme desejo de possuir o aparelho. Além disso, as próprias apresentações circenses da trupe do Esperança funcionam como um elemento narrativo importante, servindo para contar a estória ao mesmo tempo que se colocam como marcos na psique do protagonista e ainda como revelação de conflitos latentes entre os personagens, como a insatisfação de Benjamim a respeito do relacionamento de seu pai com uma mulher bem mais jovem e atraente (Giselle Motta), mas de caráter bastante duvidoso. Interessante que os conflitos praticamente não são verbalizados, mas acabam percebidos pelo público sem que seja empreendido muito esforço, mais uma vez demonstrando que acreditar na inteligência do espectador é sempre uma atitude extremamente bem-vinda em uma obra cinematográfica.

Para contar uma narrativa de maneira tão visual e eficiente, a fotografia de Adrian Teijido dá uma enorme contribuição, sempre captando à perfeição as expressões dos personagens, com enquadramentos inteligentes e inusitados e sabendo utilizar muito bem os close-ups – algo raro no cinema brasileiro, que costuma exagerar nesse quesito por influência da televisão. A fotografia e a edição (do próprio Selton em parceria com Marília Moraes), ademais, nos dão por diversas vezes a sensação de estarmos realmente em um circo, uma impressão interessantíssima que me fez relembrar imediatamente as oportunidades em que de fato estive sob uma lona de picadeiro, fazendo-me rir como um garoto ao ver as palhaçadas de Pangaré e Puro Sangue. Aliada às ótimas montagem e fotografia está a trilha sonora, belíssima e sem cair em qualquer pieguice, culminando com a inserção de uma canção famosa na voz de Moacyr Franco, cantor hoje um tanto esquecido e que por sinal faz uma breve, embora bastante marcante e divertida, participação no longa.


E Moacyr não é o único artista esquecido a ser resgatado por Selton na produção. Revelando aqui as influências de Quentin Tarantino (cineasta que declaradamente é uma de suas maiores referências), Selton convidou figuras queridas e pouco lembradas como Ferrugem e Jorge Loredo (o Zé Bonitinho, lembram?) para também fazerem curtas e bem-humoradas pontas, ideia que deu ainda mais brilho ao competente elenco, mesmo que formado essencialmente por atores pouco conhecidos do grande público (uma das poucas exceções é a do seu irmão Danton). O show, entretanto, fica mesmo por conta da dupla Selton e Paulo José. Curioso que o diretor não pensava para si mesmo o papel de Benjamim/Pangaré, tendo primeiramente convidado Wagner Moura e Rodrigo Santoro para assumi-lo. Contudo, como ambos estavam já envolvidos em outros projetos que coincidiam com os prazos de “O Palhaço”, impossibilitando suas participações, sugeriram que o próprio diretor interpretasse o papel central. E este demonstra mais uma vez ser um dos melhores atores de sua geração, mesmo que esteja hoje querendo se dedicar mais à direção. Já Paulo José (amigo pessoal de Selton), além de sua ótima e contida atuação, nos entrega um verdadeiro exemplo de superação e amor à arte tendo em vista as dificuldades que hoje passa devido à doença de Parkinson que o acomete há anos e que o levou a implantar um eletrodo no cérebro para voltar a controlar os movimentos, muito embora ainda apresente hoje acentuada dificuldade na fala (não percebida na projeção).

Claro que, diante do tema circense, sempre somos levados às lembranças da obra do gênio Federico Fellini e, inevitavelmente, suas influências também se fazem sentir - alguns momentos me remeteram imediatamente a “A Estrada da Vida” (La Strada, 1954), inclusive a sua cena inicial, e a crise pela qual passa Benjamim relembra o Guido de “8 1/2”. Tal circunstância, entretanto, acaba sendo mais um elogio a esta obra de Selton, o qual se qualifica como um dos melhores diretores em atividade no Brasil já no seu segundo trabalho por trás das câmeras. Aliás, se pensarem este filme para uma possível campanha para o Oscar 2013 (já que para 2012 o nosso concorrente será “Tropa de Elite 2”) acredito que ele terá ótimas chances, pois mesmo o cinema mundial está carente de obras tão sensíveis e intimistas, filmes que fazem o público ser tocado ao mesmo tempo em que dá boas risadas na sala de exibição. Poucos autores atingiram este feito (Charles Chaplin, outro produtor-diretor-roteirista-ator, é o primeiro que me vem à mente) e Selton Mello conseguiu, qualificando-se, desta forma, como um autor de primeira linha e que parece ter um futuro brilhante pela frente.


Cotação:

Nota: 10,0

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

7 robôs marcantes do cinema

Com a estreia de “Gigantes de Aço”, longa onde robôs ocupam o lugar dos humanos nos ringues, o Cinema Com Pimenta publica uma lista (mais uma delas) destes seres artificiais responsáveis por momentos marcantes na Sétima Arte. Como sempre, a lista segue com 7 itens. Confira abaixo, sem ordem de preferência.


HAL 9000 – Sem dúvida, o personagem mais marcante de “2001 – Uma Odisseia No Espaço”. Kubrick foi um dos pioneiros na abordagem da inteligência artificial no cinema e HAL se consagrou como o ícone máximo do embate homem-máquina, mostrando que não apenas possuía inteligência, mas também sentimentos! (???). Paranoico que só ele, HAL ameaça a tripulação da nave Discovery após descobrir que será desativado. Inesquecível a sequência em que ele implora a Dave para não ser desligado, tentando se fazer de inocente e apelando para a compaixão do astronauta. Momento genial de um filme que é inteiramente genial.


R2-D2 – O robozinho querido de todo fã da série “Guerra nas Estrelas”, em contraposição ao chatíssimo C3PO. Por sinal, o que seria de Luke Skywalker sem ele?


Wall -E – Outro robô diminuto, mas inesquecível. Wall – E, habitante de um planeta Terra transformado em lixão, é mais humano que a maioria dos seres humanos. Um robô com alma de artista, protagonista do filme que leva seu nome. A Pixar atinge aqui um dos seus melhores momentos!



Rachael – A replicante interpretada por Sean Young em “Blade Runner – O Caçador de Androides” encanta Deckard (personagem de Harrison Ford) e o público com sua sensibilidade e a angústia de descobrir que é um ser artificial e não uma humana. Filosofia pura naquele que talvez seja o melhor filme de Ridley Scott! Bom, “Alien – O Oitavo Passageiro” também fica no páreo, mas “Blade Runner” é obra-prima.



David – Protagonista de “A.I. - Inteligência Artificial”, um garoto robô (papel de Haley Joel Osment) que deseja ser um menino normal e pede à Fada Azul que realize o seu sonho. O filme seria perfeito se terminasse justamente com David pedindo à Fada que o transformasse em um menino de verdade. Mas Spielberg, com sua tendência ao sentimentalismo, tratou de nos oferecer aquele final com jeito de comercial de amaciante Fofo. Uma quase obra-prima com um deslize grande no fim;



T-800 – Arnold Schwarzenegger já havia despontado para os holofotes em “Conan, o Bárbaro”, mas foi como o androide caçador de John Connors em “O Exterminador do Futuro” que ele se transformou em um grande astro. O filme teve mais três continuações, com outros robôs com a missão de destruir o futuro líder da resistência dos humanos contra as máquinas, mas nenhum foi tão carismático quanto o personificado por Arnoldão!



Maria – A precursora de todos os robôs do cinema é a imagem mais marcante e icônica de “Metrópolis”, o clássico da ficção-científica dirigido por Fritz Lang em 1927. Na verdade, a robô Maria é a contraparte malévola da personagem de mesmo nome que funciona como uma líder dos trabalhadores oprimidos pelo Mestre na cidade onde se passa a trama. Filme para ser visto e revisto e que eu estou precisando rever!

Bem, imagino que você deva ter os seus preferidos. Fique à vontade para discordar ou concordar aí nos comentários. Afinal, listas só servem para isso mesmo...

domingo, 23 de outubro de 2011

Gigantes de Aço




Agradável déjà vu


Sabe aquela sensação de já ter vivido ou visto alguma coisa antes, também conhecida como déjà vu? Os cientistas costumam explicá-la como um momento em que o cérebro ativa a região responsável pela memória logo após um fato ter sido visto ou vivenciado. No caso da arte, entretanto, principalmente do cinema norte-americano e sua atual crise de criatividade, não se trata exatamente de um fenômeno psíquico. Pelo contrário, o mais comum é realmente termos visto aquela estória narrada na tela em algum outro filme pretérito, normalmente uma produção que teve boa aceitação por parte do público no passado, mas que já não está tão fresca na mente das novas gerações, possibilitando que talvez elas aceitem a proposta como possuindo algo de original.

Essa sensação de déjà vu percorre toda a duração de “Gigantes de Aço” (Real Steel), longa que vem ocupando o topo das bilheterias norte-americanas e que teve sua estreia no Brasil na última sexta-feira. Falando sério (não confunda com a música de Roberto Carlos): seu roteiro parece uma colagem de “Rocky, Um Lutador” (Rocky, 1976), “O Campeão” (The Champ, 1979) e ainda outro com Sylvester Stallone, “Falcão - O Campeão dos Campeões” (Over The Top, 1987). Deste último, até o caminhão do personagem central está presente na trama, a qual apresenta como fio de originalidade a ideia de um futuro próximo em que as lutas esportivas entre seres humanos, como o boxe e o MMA, foram substituídas por lutas entre robôs, aptas a deixar extravasar toda a violência desejada pelas plateias. É nesse contexto que Charlie Kenton (Hugh Jackman), um ex-boxeador que chegou a ser o número 2 do mundo, tenta hoje sobreviver – sempre ajudado por Bailey Tallet (Evangeline Lilly), seu interesse romântico e filha do dono da academia onde treinava - comprando robôs de segunda mão para participar de lutas em ringues de apostas ilegais, sonhando em um dia chegar ao circuito profissional, o chamado WRB. Depois da perda de mais um robô e sem dinheiro para reconstruí-lo ou comprar um outro, Kenton recebe a notícia de que a mãe de seu filho Max (Dakota Goyo) faleceu, forçando-o a uma necessária aproximação com o garoto. Este, por sua vez, é fã das lutas de robôs, sabendo até mais do que o pai todos os detalhes do circuito profissional. Em certa oportunidade, os dois acabam encontrando em um lixão um antigo robô que servia apenas como sparring de outros lutadores e o menino, apesar da relutância do pai, cisma em transformá-lo em um campeão.


A partir desta sinopse, já dá pra perceber os caminhos que o enredo irá trilhar. Estão lá o velho drama de reaproximação de pai e filho, os quais inevitavelmente acabarão se entendendo. Também vemos a antiga história de superação de um Davi enfrentando um Golias, no melhor estilo do citado “Rocky”. Ou seja, o roteiro (escrito por John Gatins, Michael Caton-Jones e Sheldon Turner e baseado em um conto de Richard Matheson) é salpicado de clichês já previamente estabelecidos, com várias citações a clássicos do subgênero que na realidade beiram o plágio descarado. Estas circunstâncias tinham tudo para transformar “Gigantes de Aço” em um desastre, mas não é o que acontece devido à direção de Shaw Levy (responsável pelos dois “Uma Noite No Museu”) que, mesmo diante da previsibilidade da narrativa, consegue imprimir a ela um ótimo ritmo, além de nos brindar com sequências muito bem realizadas e envolventes, tanto naquelas que mostram a relação de pai e filho - onde percebemos nitidamente o dedo sentimental de Steven Spielberg, produtor executivo do longa - quanto nas fantásticas cenas de luta, coreografadas com excelência (contaram com a orientação do lendário campeão Sugar Ray Leonard) e que nos brindam com incríveis efeitos especiais que nos fazem acreditar que estamos diante de robôs de verdade, neste ponto só comparáveis aos da série “Transformers”. Desta forma, apesar de seu caráter previsível, o filme nunca se torna chato ou entendiante, mesmo que em certos momentos inevitavelmente busque emoções fáceis como ao inserir uma trilha sonora piegas e redundante.

Também para o seu sucesso colabora o elenco competente, mesmo que não excepcional. Hugh “Wolverine” Jackman pode não ser um ator excepcional, mas conta sempre com seu inegável carisma, além de possuir um físico perfeitamente adequado para encarnar um ex-lutador boxe. Já o garoto Dakota Goyo, apesar de aparentar um certa artificialidade em algumas cenas, compensa estas com outras onde demonstra que pode ter grande futuro, principalmente nas sequências finais da projeção. Por outro lado, a rapidez com que Charlie e Max resolvem seus conflitos acaba incomodando. Afinal, o garoto foi esquecido pelo pai ao longo de anos e a proximidade e cumplicidade que os dois adquirem em curto espaço de tempo terminam soando inverossímeis. Igualmente inverossímil é a capacidade de Max em consertar e rearranjar a engenharia dos robôs, algo complexo demais para um menino de 11 anos.

Destarte, é bom ter em mente o público para o qual o longa é voltado. Trata-se de um entretenimento basicamente destinado a garotos que estão justamente na faixa etária entre 10 e 13 anos e que certamente deixarão as salas bastante satisfeitos com o que viram. Se estivesse nessa idade com certeza sairia do cinema vibrando com o filme e veria diversas reprises. Todavia, como já passei dessa fase e já vi os filmes que o inspiraram, saí apenas com a sensação de ter vivido um déjà vu, ainda que muito agradável e atualizado para um público do século XXI com pouca memória cinematográfica.


Cotação:

Nota: 8,0

sábado, 22 de outubro de 2011

Aguardando por Tintim


Eu já estou em grande expectativa pela estreia de "As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne". O ótimo personagem saído das HQs de Hergé terá sua adaptação, como muitos já devem estar sabendo, dirigida por Steven Spielberg e produzida por Peter Jackson. Já estão previstas mais duas sequências. No próximo filme, as posições serão invertidas, com Jackson assumindo a direção. Para o terceiro, existe a possibilidade de que James Cameron fique com a batuta. Os trailers do primeiro episódio, um dos quais você pode ver abaixo, são bem estimulantes, onde percebemos que Spielberg está no seu terreno mais caro ao abordar uma aventura à moda antiga (no melhor estilo Indiana Jones). Só uma coisa me incomoda: as animações realizadas em motion capture aparentemente ainda não conseguiram resolver o problema da expressão dos olhos, que à vezes parecem de bonecos, algo que não acontece nos filmes em live action, como prova o mais recente "Planeta dos Macacos". Por que será?


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer

O Homem Elefante
(The Elephant Man, 1980)


Nós somo
s o Homem Elefante


Talvez a mais perfeita síntese de “O Homem Elefante”, longa-metragem de 1980 dirigido por um ainda pouco conhecido David Lynch, tenha sido dada pelo próprio diretor ao comentar o personagem-título do seu trabalho: “uma bela alma aprisionada em um corpo horrível”. Esta é a perfeita tradução de quem realmente foi John Merrick, um homem portador de uma doença rara, a neurofribomatose múltipla e, dentre os pacientes da enfermidade, ele possivelmente foi aquele em que a mesma se apresentou com maior gravidade. Sim, essa história foi real, ocorrida no século XIX, durante a Inglaterra da Era Vitoriana e, depois de percorrer as pouco mais de duas horas de sua adaptação para o cinema, você perceberá que muitos dos “dissabores” pelos quais já passou na vida são uma mera contrariedade diante do que enfrentou este homem. Devido à sua doença, Merrick (no filme, com interpretação de John Hurt) apresentava um corpo totalmente deformado, com uma pele que lembrava a de um elefante (daí o seu “apelido”) e extremidades do corpo exageradamente desenvolvidas. Sua cabeça era tão desproporcional em relação ao corpo que o impedia de dormir como uma pessoa normal, não podendo deitar-se sob pena de morrer sufocado. Tinha uma vida miserável, sendo exibido como atração principal em um circo de horrores, onde era frequentemente espancado por seu “dono” , até ser encontrado pelo médico Frederick Treves (Anthony Hopkins na adaptação), o qual, possuidor de bom caráter, o leva para viver em um respeitado hospital em Londres, onde passa a receber cuidados constantes, mas ainda continua a ser alvo da curiosidade e reijeição alheia e tem dificuldades em se inserir socialmente.

A versão cinematográfica para história tão comovente era um antigo sonho do cineasta Mel Brooks, o qual lutou durante anos para conseguir viabilizar o projeto. Seu espírito de entrega foi tão grande que não consta seu nome como produtor nos créditos do filme. Famoso diretor de comédias, ele temia que o público não levasse a sério o que veria caso seu nome se fizesse presente na projeção. Ademais, Brooks teve outro grande mérito ao convidar o então pouco conhecido David Lynch para assumir a direção. Ele era apenas o diretor do esquisito “Eraserhead” (1977) quando aceitou o desafio de conduzir um drama que poderia descambar para o melodramático e o sentimentalismo barato como enorme facilidade. Mas, Lynch, claro, demonstrando todo seu talento, jamais cairia nessa armadilha. Ao contrário, usou de um rigor formal extremo, contando a história da forma mais objetiva possível, sem procurar induzir o espectador às emoções, já que estas brotariam naturalmente, sem qualquer esforço. Até mesmo sua tendência ao abstrato, algo tão comum em sua filmografia, foi deixada de lado em prol de uma narrativa direta e detentora de um profundo respeito pelo biografado. A rigidez da direção implica, inclusive, na quase ausência de trilha-sonora, uma decisão muito feliz, já que a sua inserção indevida, o que se daria provavelmente com temas catárticos, levaria de maneira fatal ao pieguismo.


Os únicos momentos em que Lynch deixa transparecer sua vertente mais abstrata são aqueles em que se vale da influência do expressionismo alemão para traduzir em imagens o que seriam pesadelos recorrentes de Merrick, sonhos onde sua mãe é atacada por uma manada de elefantes, podendo até ser identificada uma sugestão sexual nas sequências. Além disso, o princípio da narrativa é concebido como um suspense, uma vez que durante os primeiros 15 minutos, nos quais mostra-se a busca do Dr. Treves pelo misterioso homem que espanta aqueles que o veem, o personagem-título não é mostrado. Esse recurso, ao lado da fotografia em preto e branco, sugere ainda mais semelhanças com o citado movimento artístico. Um desavisado pode ate mesmo assistir ao longa sem acreditar que é uma produção estadunidense.

Por outro lado, os méritos de “O Homem Elefante” vão além dos puramente imagéticos. O roteiro, escrito por Christopher De Vore, Eric Bergren, além do próprio Lynch e baseado nos diários verídicos do Dr. Frederick Treves, é simplesmente magistral ao saber contrapor o exterior grotesco de John Merrick com seu interior inversamente proporcional. Merrick é um homem inteligente, culto, amável e cavalheiro, uma boa alma e ainda por cima dotada de grande sensibilidade artística. Em outras palavras: o oposto do que sua figura física transparece. E, na construção desse conflito entre imagem superficial e essencial, somos envolvidos em uma sucessão de cenas emocionantes. A sequência em que Merrick recita o Salmo 23 demonstrando a Treves e a seu superior no hospital que era algo além de um débil mental é uma das mais pungentes que já tive a oportunidade de ver em uma obra cinematográfica. Igualmente comovente é aquela em que Merrick afirma que é “um homem, não um animal”, após ser perseguido por curiosos em uma estação de trem. Ao mesmo tempo, Lynch, fugindo de facilidades, também não isenta totalmente o Dr. Treves de suas responsabilidades. É certo que ele tem ótimas intenções, mas sua conduta muitas vezes se assemelha ao do dono do circo onde vivia o paciente ao expô-lo à curiosidade alheia e alcançar fama e respeito de seus colegas cientistas ao exibir Merrick em congressos científicos.


Aliados aos méritos roteirísticos, estão os do elenco. Anthony Hopkins como o Dr. Treves está absolutamente excelente, em uma dos melhores trabalhos de sua carreira, fazendo-nos esquecer que um dia ele interpretou Hannibal Lecter. Por sua vez, Anne Bancroft (a Mrs. Robinson de “A Primeira Noite de Um Homem”), apesar de ter uma participação mais limitada, também está ótima como a Sra. Kendall, uma importante atriz da época que, com seu prestígio e carinho, confere alguma autoestima ao pobre protagonista Há, ainda, a boa presença de John Gielgud como o Dr. Carr Gomm, o austero, mas também sensível diretor do hospital. Contudo, obviamente, o maior show fica por conta de John Hurt na pele de Merrick. Mesmo que irreconhecível debaixo de tanta maquiagem (o ator chegou a passar 12 horas com maquiadores para poder entrar em cena), ele confere uma extrema humanidade ao personagem, sabendo transmitir, principalmente através do olhar e do tom de voz, o interior e as emoções daquele homem fustigado por um destino cruel. Uma pena que no Oscar ele tenha sofrido a concorrência do também brilhante Robert De Niro em "Touro Indomável" (Raging Bull, 1980). Os dois mereciam, na verdade.

Nas últimas linhas, afirmei que a interpretação do personagem de Merrick é dotada de muita humanidade. Pois bem, talvez o adjetivo “humano” seja o que melhor condiz com este trabalho de Lynch. Sem malabarismos, exageros ou pieguices, Lynch nos mostra, com grande refinamento, rigor e objetividade, que o homem elefante somos todos nós, seres humanos, sempre em busca de aceitação, compreensão, respeito e amor, mesmo que, como mencionado acima, dificilmente passemos por tantas agruras quanto ele. John Merrick é a representação extrema de nossas carências e também de nossas virtudes. Já tive a oportunidade de assistir três vezes a esta obra de arte irrepreensível e em todas elas nunca deixei de ficar tocado com a tormentosa existência de seu protagonista. E acredito que você também não ficará indiferente, afinal, todos nós já nos sentimos, pelo menos em algum momento de nossa existência, como o Homem Elefante.


Cotação e nota: Obra-prima.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer



Lola, A Flor Proibida
(Lola, 1961)


O début de Demy


Este foi o primeiro longa-metragem do cineasta Jacques Demy, um dos grandes diretores do cinema francês surgidos na esteira da Nouvelle Vague. Convém registrar que, a despeito de estar debutando na ocasião, Demy já demonstrava o talento e sensibilidade que seria a marca registrada de sua carreira. Possuidor de uma veia extremamente autoral, ele desenvolve com “Lola, A Flor Proibida”, uma espécie de ensaio sobre a sua visão do amor, este sentimento que muitas vezes nos faz sofrer, mas que ao mesmo tempo parece ser o único a dar sentido a nossas vidas. Demy, inclusive, demonstra um grande romantismo ao nos mostrar uma estória de amores que resistem ao tempo mesmo após anos de afastamento do ser amado, criando momentos realmente poéticos, tanto no aspectos textual quanto visual.

Uma da maiores influências de Demy veio de Max Olphüs, um dos grandes mestres na composição de dramas românticos – são de sua lavra filmes como “Na Teia do Destino” (The Reckless Moment, 1949) e “Carta de Uma Desconhecida” (Letter From An Unknown Woman, 1948), para citar exemplos do melhor da filmografia deste diretor alemão. Sendo assim, não é impunemente que Demy dedica, ainda nos créditos de abertura, esta sua obra a Oplhüs, inclusive retirando do título de um longa dele (“Lola Montés”, 1955) o nome de sua personagem central e que também intitula o seu próprio trabalho. É inspirado em Olphüs também que Demy constrói uma narrativa circular que lembra, em alguns momentos, a famosa “Quadrilha” do nosso poeta Carlos Drummond de Andrade. Afinal, o roteiro se desenvolve com vários personagens amando e não sendo amados, naquele estilo “João amava Maria que amava José...”, muito embora aqui, no fim das contas, todos os tipos masculinos vistos na tela acabem amando Lola (papel de Anouk Aimée no auge da beleza), o que a leva a se colocar como uma versão moderna de Penélope, a esposa de Ulisses, herói da mitologia greco-romana. Como se sabe, Penélope aguardou Ulisses durante anos, esperando que este regressasse da Guerra de Troia, resistindo aos cortejos dos diversos pretendentes que se apresentaram acreditando que o soberano de Ítaca havia morrido. Da mesma maneira, Lola resiste à perspectiva de ter uma nova vida com seus pretendentes em virtude do eterno amor por Michel, o pai do seu filho filho que a deixou sete anos antes prometendo voltar depois que conseguisse fortuna. Nas palavras do próprio cineasta, "me agradava muito a idéia de fazer algo sobre fidelidade, a fidelidade para lembrar e misturar ali minhas recordações de Nantes" (cidade natal de Jacques Demy).


Lola na realidade é o nome artístico de Cécile, uma sedutora dançarina de cabaré que, como falado nas linhas anteriores, está à espera do pai do seu menino Yvon. Depois de tanto tempo sem saber de notícias de Michel, entretanto, ela começa a fraquejar e mantém um caso com Frankie (Alan Scott), um marinheiro norte-americano que está sempre de passagem por Nantes, a cidade portuária onde ela vive. Sua aparência física e trato amável a fazem lembrar muito de Michel, além do marinheiro ter um comportamento bastante amável e atencioso com Yvon. Seus sentimentos ainda se entregam a maiores conflitos quando ela reencontra Roland Cassard (Marc Michel), um antigo amor de adolescência que já não via há muito tempo. Roland, por sua vez, é um jovem que está entediado com a vida, não vendo muito sentido em tudo que faz, nem mesmo no trabalho, sendo demitido pelo chefe depois de dizer a este uma frase que leu em um livro (que não ficamos sabendo qual é): “não há dignidade possível, não existe vida real para um homem que trabalha 12 horas por dia sem saber por que ele trabalha”. E é justamente o reencontro com Cécile/Lola que lhe dará um novo sentido para a existência. Roland também trará uma nova perspectiva para a vida da Madame Desnoyers (Elina Labourdette), uma senhora abastada e solitária que, depois de encontrar com Cassard em uma biblioteca que ambos frequentam, passa a nutrir esperanças por ele. Ela é mãe da adolescente Cécile (Annie Duperoux), a qual faz Roland lembrar de Lola imediatamente, tanto pelo nome como pelos traços fisionômicos. A menina Cécile, por seu turno, acaba tendo sua primeira paixonite pelo marinheiro Frankie, o qual, como sabemos, é louco por Lola, que ama Michel, figura que é muito mencionada, mas que aparentemente ainda não entrou na estória... Ou seja, temos no roteiro (escrito pelo próprio diretor) uma estrutura circular em que todos os personagens acabam se ligando por nutrirem sentimentos uns pelos outros, sentimentos tratados com muita sensibilidade e poesia, é bom sublinhar. Vários são os momentos marcantes do longa, que nos brinda com frases memoráveis como “querer ser feliz já é também ser feliz”.


Mas não apenas os texto é notável. Demy imaginou o filme com um quase-musical em seus aspectos visual e cênico. Grande admirador dos musicais hollywoodianos, ele preenche a película com várias referências ao gênero, como o fato do marinheiro Frankie descer as escadas escorregando pelos corrimões. Uma das cenas mais marcantes do filme é justamente a que a protagonista dança e canta uma música - cuja letra é de autoria de Agnés Varda, também cineasta e esposa de Demy - em que se apresenta como “Lola”, numa cena típica de musicais e que ainda remete à performance de Marlene Dietrich como Lola Lola (mas como os cineastas gostam desse nome, não?) em “O Anjo Azul” (Der Blaue Engel, 1930). Acrescente-se a isso trilha sonora constante do excelente Michel Legrand (com inserções de Mozart e Beethoven em algumas passagens) e temos um resultado muito próximo do que se define como um longa musical. Não é à toa que Demy alcançaria grande sucesso mais tarde em verdadeiras incursões no gênero com os musicais “O Guarda-Chuvas do Amor” (Les Parapluies de Cherbourg, 1964) e “Duas Garotas Românticas” (Les Demoiselles de Rochefort, 1967), os quais parecem surgir como consequência natural de suas influências. É importante até mesmo frisar que alguns ramos da narrativa que podem até parecer deslocados, como o da adolescente Cécile, em verdade até enriquecem a obra, já que, neste caso, a garota representa a repetição da vida de Lola, constituindo uma interessante analogia.

Mas “Lola” é, antes de tudo, um filme sentimental e otimista onde conhecemos pessoas que são resgatadas da solidão pelo amor. Uma característica marcante de cada um dos personagens, mesmo o alegre Frankie e a sedutora Lola, é a sensação de que os mesmos são solitários, mesmo que tentem não deixar transparecer. E Demy sugere que só mesmo o amor pode transformar verdadeiramente suas vidas, retirando-os da inércia e encorajando-os a novas experiências. “Lola, A Flor Proibida” se coloca, com toda certeza, entre as melhores estreias de um diretor. Já neste début, Jacques Demy mostrava que viria a ser um dos nomes mais queridos da Nouvelle Vague. Se muitos consideram que cinema “autoral” costuma significar cinema “chato” é porque não viram esta obra simples, direta, mas ao mesmo tempo dotada de grande sensibilidade e que jamais irá lhe desagradar.


Cotação:

Nota: 10,0

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Eu Quero Esse Pôster #16


"Sob O Domínio do Medo" é o título em português deste filme de Sam Peckinpah realizado em 1971 e protagonizado por Dustin Hoffman. Ainda não tive a oportunidade de vê-lo, mas sem dúvida a sua arte promocional é bastante interessante. Se o longa for no mesmo nível, imagino que seja mesmo uma bela obra!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Amizade Colorida



O caminho é mais importante que o destino


A comédia romântica é o subgênero cinematográfico que provavelmente mais foi castigado ao longo dos anos, principalmente devido ao seu inescusável final feliz. Afinal, se não fosse assim, a comédia não seria “romântica”. Então, costumamos assistir àquela velha historinha que pode ser resumida como “garoto encontra garota, se apaixonam, enfrentam algumas dificuldades, mas no fim são felizes para sempre”. Simples e batido desta forma mesmo, mas o público, principalmente o feminino, parece jamais se cansar de tal fórmula. Entretanto, mesmo dentro de um esquema tão limitado, é possível adicionar novos temperos para tornar a experiência interessante, por mais que possamos vislumbrar como tudo aquilo terminará.

É isso que teve em mente o pouco conhecido diretor Will Gluck ao realizar este “Amizade Colorida” (Friends With Benefits). Não existe grande novidade no fato de Dylan Harper (Justin Timberlake) e Jamie (Mila Kunis) se encontrarem, descobrirem que se sentem atraídos um pelo outro e terminarem juntinhos no desfecho da trama (opa, não dá pra se chatear e afirmar que a última frase é um spoiler, né?). O que há de novo é o trajeto até este fim. Antenado com os novos tempos, Gluck, que também é coautor do roteiro (ao lado de Keith Merryman, David A. Newman e Harley Peyton), soube atualizar o velho conto de fadas tendo em vista as mudanças comportamentais ocorridas nas últimas décadas. Afinal, a premissa do longa se baseia no conceito de que Jamie e Dylan se sentem atraídos, mas, devido a frustrados relacionamentos anteriores, acabam por ter uma relação sustentada apenas no sexo, mas sem compromissos afetivos a não ser a amizade. Ok, sei que há um outro filme recente protagonizado por Natalie Portman que trata do mesmo tema – o que desfaz um pouco a ideia novidadeira da produção. Contudo, é inegável que os responsáveis por “Amizade Colorida”* tratam o tema de forma adulta e, ao mesmo tempo, extremamente bem-humorada, resultando em uma comédia inteligente em que não fazemos qualquer esforço para rir.

Ao contrário do que normalmente sucede no gênero, os personagens são tridimensionais, possuindo não apenas o presente, mas também um passado que explica suas atitudes. Acompanhando a narrativa, vemos que Dylan teve problemas sérios em sua família que o levam a se sentir inseguro emocionalmente, enquanto Jamie é o exato reflexo do paradoxo de boa parte das mulheres de hoje: independentes profissionalmente, mas ainda à espera de um príncipe encantado. Ela é uma caça-talentos que vê em Dylan, até então apenas um blogueiro criativo, um grande potencial para a área de criação gráfica. Assim, a moça acaba convencendo o jovem a morar em Nova York (com direito a momento “Manhattan” na tela) e trabalhar em uma importante publicação, resultando daí o surgimento da tal amizade “colorida”. É importante frisar que o enredo é recheado de ótimos diálogos e, claro, muitas passagens realmente engraçadas que usam e abusam de um humor mais adulto, cheio de tiradas picantes. Interessante que, mesmo se valendo do sexo como matéria-prima do riso, nãos sentimos que o longa apela para a vulgaridade e poucos são os autores que alcançam tal proeza. Além disso, Gluck imprime um ótimo ritmo ao filme, o qual jamais cai na monotonia, mesmo quando surgem os inevitáveis artifícios para o casal ficar junto.


Para uma comédia ter sucesso, obviamente um dos principais aspectos é o elenco escalado e a escolha deste se mostrou aqui muito feliz. Mila Kunis está demonstrando cada vez mais o seu potencial como estrela, unindo talento e carisma (curioso que ela e Portman enveredaram pelos mesmos caminhos para operar o descarrego de “Cisne Negro”). Por seu turno, Justin Timberlake vem mesmo se colocando como uma ótima surpresa. Em seu primeiro papel como protagonista, ele confirma as boas impressões de atuações em papeis coadjuvantes (como em “A Rede Social”). Sua desenvoltura é notável e ele parece se sentir muito mais à vontade do que outros atores de carreira. O rapaz tem futuro na profissão, não se pode negar. Aliás, já fazia tempo não via um casal com uma química tão boa em cena. Para colocar a cereja no bolo, ainda temos Woody Harrelson como o impagável amigo gay de Dylan, sempre divertido em todas as suas aparições.

Apesar disso, o filme ainda sofre com algumas falhas sensíveis. Existem problemas de continuidade irritantes, como em uma sequência no aeroporto em que o pai de Dylan chega de cadeira de rodas e sai andando. Ademais, o Alzheimer do personagem fica mal caracterizado, muitas vezes não parecendo que ele é doente. Em outra vertente, o momento “Manhattan” citado mais acima soa deslocado, com as homenagens e citações a Nova York meio que introduzidas a fórceps na trama. Ressalte-se, inclusive, que algumas piadas acabam por ter um gosto muito forte de hambúrguer, aptas apenas a fazer rir o público norte-americano (ou pessoas bastante conhecedoras de sua cultura).

A despeito desses problemas, “Friends With Benefits” traz um resultado bastante satisfatório, bem acima da média das comédias românticas que costumam entrar em cartaz. A feliz comparação empreendida pelo filme ao usar o flashmob (aquelas aglomerações de pessoas que se reúnem para uma ação determinada e se dispersam tão rapidamente quanto se juntam) como metáfora para os relacionamentos modernos é bastante inteligente e, como já falado, não é sempre que vemos boas ideias neste subgênero. Esta experiência é o típico caso em que o trajeto da viagem e suas paisagens são mais importantes que o destino, já bastante conhecido por todos. Entretanto, sem dúvida é uma viagem que faz valer à pena o preço do ingresso, mesmo que ela não vá mudar sua vida.


Cotação:

Nota: 8,0


* O título em português é o mesmo de uma antiga série da Rede Globo, o que demonstra o quanto os americanos são conservadores e estão bastante atrasados na abordagem de alguns temas.

domingo, 2 de outubro de 2011

O espírito do rock se fez presente


Pausa no cinema.

É muito bom quando nós nos surpreendemos com algo inesperado. Sendo bem sincero, eu não estava dando muita bola para essa edição do Rock In Rio. Quando vi o line up do festival, notei a presença de uma quantidade muito grande de atrações que estavam bem mais pro pop do que pro rock, algumas de talento bastante duvidoso, é importante sublinhar (a escalação de Ke$ha me deu um embrulho no estômago).

Mas eis que as apresentações foram se seguindo, dia após dia, e fui me surpreendendo com o que estamos acompanhando. Esta quarta edição do festival vem contando com um público vibrante, empolgado e que sabe respeitar as diferenças entre aqueles que se apresentam. Claro que a organização também soube distribuir bem os dias das atrações, acabando com incoerências como colocar Carlinhos Brown para cantar no dia do Guns'n Roses (como em 2001) e evitando assim momentos constrangedores para os artistas. Mesmo que alguns shows acabem se mostrando de fato a mediocridade esperada, como o da citada Ke$ha (com sua voz ridícula, demonstrou que não tem mesmo condições de se apresentar em um festival como esse), outros tantos já se tornaram antológicos. São os casos de Stevie Wonder, que fez uma apresentação memorável com direito à galera cantando com ele “Garota de Ipanena”; Joss Stone, aquela menina talentosíssima (e bonita) e que fez um show incrível mesmo estando escalada para o palco Sunset (secundário), com o público gritando seu nome em coro ao fim da apresentação, além de Shakira, que arrebatou o público com um show empolgado (chegou a levar fãs pro palco para ensiná-las a dançar) e uma ótima participação de Ivete Sangalo em dueto cantando “País Tropical”. Outras apresentações memoráveis foram a do Capital Inicial, com um público vibrante e levantando poeira a cada música, e a homenagem à Legião Urbana, que teve participação da Orquestra Sinfônica Brasileira e dos dois integrantes remanescentes do grupo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, ocasião em que nem seriam necessários vocalistas, uma vez que o público cantava em uníssono todas as músicas.


O festival já seria ótimo com todos estes ótimos shows, mas este último sábado (e madrugada de domingo) resultou ainda mais especial. Todos as performances, de Frejat ao Coldplay, passando por Maná e Maroon 5, contaram com uma participação eletrizante do público. Em todas as apresentações, as pessoas entoavam as canções de início ao fim. Impressionante. O Skank fez um show definitivamente antológico. O próprio Samuel Rosa decidiu filmar o momento histórico. Como ele próprio disse “não é todo dia que se canta para 100 000 pessoas e todas elas estão interessadas na sua música”. O Maná cantou “Vivir Sin Aire” como se estivesse tocando no México, tamanha a empatia com a plateia e o coro que o acompanhava. O Maroon 5 foi na mesma balada. Acredito que os seus integrantes devem ter pensado “nossa, eles sabem todas as músicas”. E, por fim, veio o Coldplay com uma apresentação impecável, pirotécnica, fãs enlouquecidos e até com homenagem a Amy Winehouse (Chris Martin cantou “Rehab”). Eu quase chorei quando tocaram "Yellow"! Depois de ontem, creio que esta edição do Rock In Rio só rivaliza com a primeira, de 1985. Se eu já senti essa energia do sofá da sala, fico imaginando como seria estar lá. Espetacular!

Tudo isso só reforça uma opinião que sempre tive: não existe público como o brasileiro. Nós temos muitos defeitos, mas também é verdade que somos calorosos como nenhum outro povo é no mundo. Acredito que muitos dos artistas que se apresentaram nesta edição do festival vão querer lançar DVDs ou Blu-Rays com seus respectivos shows. Não é pra menos. O público do Brasil está demonstrando nesse festival o estado de espírito que o País está vivendo, encarando o presente de forma positiva e com mais otimismo ainda quando olha para o futuro. Alguns amuados podem dizer que essas coisas só servem para fazer o povo esquecer do que é realmente importante. Entendo a crítica, afinal o povo brasileiro não se reúne em multidões para protestar contra a corrupção, por exemplo. Mas, como diz uma antiga música de uma famosa banda nacional, nós também queremos “diversão e arte”. E hoje ainda tem o Guns'n Roses para terminar o festival. Provavelmente também vai arrepiar, neste festival que, mesmo com tantas estrelas “pop” convidadas, mostrou que o espírito do rock está presente mais do que nunca.

Abaixo, seguem alguns vídeos com momentos especiais desta quarta edição do Rock In Rio. Ah, e não, não estou escrevendo tudo isso para fazer marketig para Roberto Medina. Eu apenas gosto de música mesmo... :=)