Rede de solitários
David Fincher é, inegavelmente, um dos melhores diretores em atividade no cinema norte-americano. Alguns de seus filmes, inclusive, alcançaram grande popularidade, como os ótimos “Seven”, “Clube da Luta” e “O Curioso Caso de Benjamin Button” Ademais, analisando as entrelinhas destas obras, verificamos traços autorais fortíssimos. Talvez o mais marcante deles seja a existência de personagens (normalmente os protagonistas) que se sentem socialmente excluídos/inadequados. É assim com o personagem de Edward Norton em “Clube da Luta” e é assim com o Benjamin de Brad Pitt no terceiro filme mencionado (sem falar nos dois antagonistas de “Seven”, o policial de Pitt e o sociopata de Kevin Spacey).
Neste seu novo “A Rede Social” não é diferente. O protagonista Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, ótimo no papel), o criador do Facebook, o mais jovem bilionário do mundo, é mostrado, antes de tudo, como um grande solitário que, apesar de sua enorme inteligência, não consegue estabelecer relações sociais sólidas. O longa (que teve roteiro de Aaron Zorkin, baseado em livro de Ben Mezrich) tem início colocando em ênfase esta sua dificuldade. Em uma cena com marcante atuação dos participantes, Zuckerberg leva um fora de sua então namorada Erica Albright (papel de Rooney Mara). Na discussão, Erica pronuncia uma frase que parece se tornar um marco negativo na vida do jovem estudante de Harvard: “você não tem sucesso com as garotas por ser nerd, mas por ser um babaca”. Enfurecido, Mark se vinga da ex criando um site de competição entre garotas universitárias, onde os usuários atribuem notas para as concorrentes. A partir do lamentável sucesso da empreitada (que leva o servidor a entrar em pane devido à grande quantidade de acessos simultâneos), Zuckerberg é convidado a desenvolver um projeto de uma rede social por colegas de Harvard. Para isso, conta com a ajuda do grande (e único) amigo Eduardo Gaverin (Andrew Garfield, o próximo Homem-Aranha das telonas), brasileiro e colega de faculdade. É de conhecimento público que Gaverin foi passado pra trás por Zuckerberg, depois que este se aliou a Sean Parker (o cantor Justin Timberlake, em surpreendente boa atuação), o criador do Napster e escroque de marca maior (pelo menos essa é a imagem que o filme retrata).
Contudo, tais atitudes reprováveis do protagonista se mostram, na visão de Fincher, como resultado de seu sentimento de rejeição social. Erica sofre bullyng virtual em consequência da rejeição a Mark, assim como Eduardo sofre as consequências de ser mais popular e ter maior sucesso com as mulheres, fato que, subentende-se, se revela como a origem de sua trapaça com o amigo. E é louvável que Fincher não caia nas facilidades do maniqueísmo. O nosso protagonista é antipático, tem um caráter duvidoso, mas jamais somos levados a ser juízes de suas atitudes e nem o diretor se presta a esse papel.
Ironicamente, toda a narrativa é levada a cabo a partir das lembranças dos personagens em uma audiência judicial (audiência esta realizada no curso do processo promovido por Gaverin). Ou seja, vamos tomando conhecimento dos fatos em flashbacks constantes, mas é interessante como estas idas e vindas temporais, antes de confundir o espectador, ajudam a manter o ritmo do filme, já que o mesmo é bastante falado (o que pode cansar alguns). Neste ponto, vale um elogio à edição primorosa do longa, que consegue estabelecer um dinamismo mesmo em uma trama onde os personagens basicamente apenas conversam e teclam em computadores. Em um longa tão verborrágico, óbvio que as atuações se transformam também em elemento primordial. E elas não decepcionam. Jesse Eisenberg, como dito acima, alcança o tom certo para um personagem difícil, conferindo-lhe humanidade ao mesmo tempo que mostra suas facetas obscuras (circula na internet que ele deve ser indicado ao Oscar, o que não seria injusto). Também, neste ponto, se destaca a presença de Andrew Garfield (fazendo muito fã do herói aracnídeo ficar aliviado). Ele compõe seu Eduardo, com seu jeito mais descontraído e simpático, como um contraponto ao antipático e retraído Zuckerberg, mas sem cair na caricatura do amigo “popular”. Justin Timberlake, o famoso cantor e dançarino, está bem na interpertação do seu Sean Parker, quem diria! Finalmente, o elenco feminino não tem muito o que fazer. Mesmo Rooney Mara, a tal Erica que dá o fora em Zuckerberg, aparece em poucas cenas. As mulheres no filme surgem apenas como impulsionadoras das atitudes dos rapazes, sem maior aprofundamento. Aliás, a grande maioria das personagens femininas do filme é exibida como promíscua e/ou fútil, escapando dessa visão apenas a mencionada Erica e a advogada de Jesse durante o processo judicial, o que acaba se tornando um ponto fraco do longa (mas, em verdade, é uma constante na obra de Fincher, autor de longas em geral predominantememte masculinos). Outro ponto negativo são os momentos meio jogados a machadadas no roteiro para que percebamos que Mark ainda nutre sentimentos por Erica (um em especial, durante um diálogo entre Zuckerberg e Parker em uma boate, me pareceu um tanto forçado). Ressalte-se que o Zuckerberg real nega a existência do namoro.
Mas é importante destacar: com a “A Rede Social” Fincher procura, acima de tudo, traçar um painel da sociedade atual, extremamente ligada por laços virtuais (“o que você escreve na internet não pode ser apagado”, é dito a certa altura), mas a cada dia mais individualista, tonando-se um precursor na abordagem dessas relações aproximadas/distanciadas. Não há maior paradoxo e ironia do que o criador de um site de relacionamentos que reúne 500 milhões de usuários em todo o mundo não possuir um amigo sequer. A fantástica conclusão, pontuada pela canção “Baby, You’re a Rich Man” dos Beatles, sublinha com veemência esta realidade. Talvez a tais redes sociais tivessem na designação “redes de solitários” uma definição mais feliz.
Cotação:
Nota: 9,5
David Fincher é, inegavelmente, um dos melhores diretores em atividade no cinema norte-americano. Alguns de seus filmes, inclusive, alcançaram grande popularidade, como os ótimos “Seven”, “Clube da Luta” e “O Curioso Caso de Benjamin Button” Ademais, analisando as entrelinhas destas obras, verificamos traços autorais fortíssimos. Talvez o mais marcante deles seja a existência de personagens (normalmente os protagonistas) que se sentem socialmente excluídos/inadequados. É assim com o personagem de Edward Norton em “Clube da Luta” e é assim com o Benjamin de Brad Pitt no terceiro filme mencionado (sem falar nos dois antagonistas de “Seven”, o policial de Pitt e o sociopata de Kevin Spacey).
Neste seu novo “A Rede Social” não é diferente. O protagonista Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, ótimo no papel), o criador do Facebook, o mais jovem bilionário do mundo, é mostrado, antes de tudo, como um grande solitário que, apesar de sua enorme inteligência, não consegue estabelecer relações sociais sólidas. O longa (que teve roteiro de Aaron Zorkin, baseado em livro de Ben Mezrich) tem início colocando em ênfase esta sua dificuldade. Em uma cena com marcante atuação dos participantes, Zuckerberg leva um fora de sua então namorada Erica Albright (papel de Rooney Mara). Na discussão, Erica pronuncia uma frase que parece se tornar um marco negativo na vida do jovem estudante de Harvard: “você não tem sucesso com as garotas por ser nerd, mas por ser um babaca”. Enfurecido, Mark se vinga da ex criando um site de competição entre garotas universitárias, onde os usuários atribuem notas para as concorrentes. A partir do lamentável sucesso da empreitada (que leva o servidor a entrar em pane devido à grande quantidade de acessos simultâneos), Zuckerberg é convidado a desenvolver um projeto de uma rede social por colegas de Harvard. Para isso, conta com a ajuda do grande (e único) amigo Eduardo Gaverin (Andrew Garfield, o próximo Homem-Aranha das telonas), brasileiro e colega de faculdade. É de conhecimento público que Gaverin foi passado pra trás por Zuckerberg, depois que este se aliou a Sean Parker (o cantor Justin Timberlake, em surpreendente boa atuação), o criador do Napster e escroque de marca maior (pelo menos essa é a imagem que o filme retrata).
Contudo, tais atitudes reprováveis do protagonista se mostram, na visão de Fincher, como resultado de seu sentimento de rejeição social. Erica sofre bullyng virtual em consequência da rejeição a Mark, assim como Eduardo sofre as consequências de ser mais popular e ter maior sucesso com as mulheres, fato que, subentende-se, se revela como a origem de sua trapaça com o amigo. E é louvável que Fincher não caia nas facilidades do maniqueísmo. O nosso protagonista é antipático, tem um caráter duvidoso, mas jamais somos levados a ser juízes de suas atitudes e nem o diretor se presta a esse papel.
Ironicamente, toda a narrativa é levada a cabo a partir das lembranças dos personagens em uma audiência judicial (audiência esta realizada no curso do processo promovido por Gaverin). Ou seja, vamos tomando conhecimento dos fatos em flashbacks constantes, mas é interessante como estas idas e vindas temporais, antes de confundir o espectador, ajudam a manter o ritmo do filme, já que o mesmo é bastante falado (o que pode cansar alguns). Neste ponto, vale um elogio à edição primorosa do longa, que consegue estabelecer um dinamismo mesmo em uma trama onde os personagens basicamente apenas conversam e teclam em computadores. Em um longa tão verborrágico, óbvio que as atuações se transformam também em elemento primordial. E elas não decepcionam. Jesse Eisenberg, como dito acima, alcança o tom certo para um personagem difícil, conferindo-lhe humanidade ao mesmo tempo que mostra suas facetas obscuras (circula na internet que ele deve ser indicado ao Oscar, o que não seria injusto). Também, neste ponto, se destaca a presença de Andrew Garfield (fazendo muito fã do herói aracnídeo ficar aliviado). Ele compõe seu Eduardo, com seu jeito mais descontraído e simpático, como um contraponto ao antipático e retraído Zuckerberg, mas sem cair na caricatura do amigo “popular”. Justin Timberlake, o famoso cantor e dançarino, está bem na interpertação do seu Sean Parker, quem diria! Finalmente, o elenco feminino não tem muito o que fazer. Mesmo Rooney Mara, a tal Erica que dá o fora em Zuckerberg, aparece em poucas cenas. As mulheres no filme surgem apenas como impulsionadoras das atitudes dos rapazes, sem maior aprofundamento. Aliás, a grande maioria das personagens femininas do filme é exibida como promíscua e/ou fútil, escapando dessa visão apenas a mencionada Erica e a advogada de Jesse durante o processo judicial, o que acaba se tornando um ponto fraco do longa (mas, em verdade, é uma constante na obra de Fincher, autor de longas em geral predominantememte masculinos). Outro ponto negativo são os momentos meio jogados a machadadas no roteiro para que percebamos que Mark ainda nutre sentimentos por Erica (um em especial, durante um diálogo entre Zuckerberg e Parker em uma boate, me pareceu um tanto forçado). Ressalte-se que o Zuckerberg real nega a existência do namoro.
Mas é importante destacar: com a “A Rede Social” Fincher procura, acima de tudo, traçar um painel da sociedade atual, extremamente ligada por laços virtuais (“o que você escreve na internet não pode ser apagado”, é dito a certa altura), mas a cada dia mais individualista, tonando-se um precursor na abordagem dessas relações aproximadas/distanciadas. Não há maior paradoxo e ironia do que o criador de um site de relacionamentos que reúne 500 milhões de usuários em todo o mundo não possuir um amigo sequer. A fantástica conclusão, pontuada pela canção “Baby, You’re a Rich Man” dos Beatles, sublinha com veemência esta realidade. Talvez a tais redes sociais tivessem na designação “redes de solitários” uma definição mais feliz.
Cotação:
Nota: 9,5
2 comentários:
Eu me surpreendi mesmo com a força narrativa do filme, pensava que seria algo simples. É verborrágico, ágil e dinâmico, eu confesso que me perdi às vezes, mas isso merece uma nova revisão.
O oscar de roteiro é certeiro!
Também acho que leva o Oscar de roteiro, Cristiano. Abraço!
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