domingo, 24 de junho de 2012

Branca de Neve e o Caçador


E quase torcemos pela rainha má...


Eu queria fugir de proferir aqui uma frase de Twitter, mas acaba se tornando inevitável afirmar que “Branca de Neve E o Caçador” traz uma nova roupagem ao desgastado conto da tradição alemã eternizado pelos Irmãos Grimm no século XIX. Não há como fugir dessa obviedade, principalmente porque a imagem imediata que vem à mente ao ouvirmos o nome da personagem do título é aquela concebida por Walt Disney no clássico animado dos anos 30. Ou seja, a lembrança primordial do conto está ligada àquela inocência das produções da Casa do Mickey, o que pode ser uma falsa ideia e, no caso, realmente o é. Afinal, o mito de Branca de Neve tem sua base na disputa ciumenta e invejosa entre a mulher mais velha, com a beleza em declínio, e a mulher jovem, no ápice da formosura e sensualidade. No fundo, o que o tal espelho encantando pronuncia com sua famosa resposta de que “Branca de Neve é ainda mais linda” traduz-se na supremacia da mulher mais nova sobre a mais madura.

Curioso que as escolhas dos produtores para os papeis centrais desta versão mais “dark” de Branca de Neve resulte para o público em impressões opostas às pretendidas pelo conto-mito tal como como elaborado. Isso porque Charlize Theron, a nova Rainha Ravenna, é uma atriz de muito maior beleza, presença e talento do que a insossa Kristen Stewart, a mocinha da série “Crepúsculo”. O novato diretor Rupert Sanders, que veio do mercado publicitário e não é bobo nem nada, percebeu a situação e entregou as melhores sequências para que Charlize brilhasse sem dó nem piedade de Stewart, a qual se mantém o filme inteiro com aquela velha boca eternamente entreaberta (será resultado dos seus incisivos proeminentes?). Isso quase nos leva a torcer para que a malvada Ravenna triunfe, fato que só não acontece porque Sanders (juntamente com os roteiristas Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini) carrega tanto em algumas maldades da Rainha que fica impossível torcer por ela. Afinal, estamos falando de contos de fadas, maniqueístas por excelência, onde o bem e o mal estão sempre muito bem definidos.


À parte a presença de Charlize, realmente determinada na sua composição cênica, o longa chama a atenção pela concepção acentuadamente soturna empregada por Sanders, usando uma fotografia de tons frios para realçar o clima sombrio que propõe. Nada mais adequado, principalmente para demonstrar o período negro em que mergulha o reino após a morte do antigo monarca, pai de Branca de Neve, responsável por um período áureo na região , mas que se casa com Ravenna e é por ela assassinado. Ademais, os efeitos especiais são ótimos, além de uma maquiagem excepcional, a qual envelhece e rejuvenesce Charlize a cada cena (não será estranho se vier a ser indicada ao prêmio da Academia). Um nível de produção que lembra a saga de “O Senhor dos Anéis”, contando ainda com uma direção de arte primorosa em igual medida. Ou seja, “Branca de Neve E o Caçador” é um espetáculo visual de grande qualidade, mesmo que por vezes tais imagens se prestem a situações clichê, como a criação de um triângulo amoroso entre a princesa, um príncipe e o Caçador de título, sendo este interpretado por Chris “Thor” Hemsworth. Desde o ínicio, já percebemos que nessa versão moderna o “príncipe” de Branca de Neve não será exatamente um nobre com sangue real, mas o viril caçador que lhe transmite segurança e, sobretudo, um amor sincero. Ou seja, mesmo no clichê, Sanders procurou atualizar o mito, tornando-o adequado à visão que hoje as mulheres têm de um relacionamento (onde não mais focam na segurança social transmitida por um “bom partido”, mas na sua segurança emocional). Pena que Chris Hemsworth não contribua e apenas pareça repetir a encarnação do deus do trovão que realizou para os filmes da Marvel.


Até mesmo na caracterização da mocinha a estória ganha uma atualização. A princesa não se reduz a tão somente uma posição passiva, esperando que o seu príncipe encare os perigos para salvá-la. Então, ela mesma vai à luta, por assim dizer, vestindo trajes de guerra e empunhando a espada contra a maléfica Ravenna. Mas é justamente quando o longa se propõe a ser mais um duelo de capa e espada, rumando para uma ação mais escancarada, que ele acaba descambando para obviedades maiores e perdendo muito do seu interesse, pois que se torna mais previsível do que naturalmente já seria a adaptação de uma narrativa pra lá de conhecida. É bom até mesmo lembrar que há pouco tempo já tivemos “Espelho, Espelho Meu” (Mirror, Mirror - 2012), mais uma adaptação live action da estória da princesa que encontra sete anões em um bosque (e mais um sinal da maré de criatividade baixa em Hollywood nos últimos anos).

Falando em anões, a presença deles no longa de Sanders talvez resuma perfeitamente o resultado final do projeto: de início causam ótima impressão, depois quase nos esquecemos deles. Até porque, no fim, Charlize quase não aparece em cena e temos que encarar as caras e bocas de Kristen Stewart de forma impiedosa, dando até a sensação de que o mal triunfará e Hollywood premiará, no futuro, essa estrela fabricada com Oscar de melhor atriz. Se for assim, será melhor torcermos pelo retorno de Ravenna, para que essa finalmente barre o caminho de Branca de Neve e a tranque novamente na torre do castelo. E sem o Thor para salvá-la.


Cotação:

Nota: 7,0

sábado, 23 de junho de 2012

Trilha Sonora #23


No último dia 20 de maio, Robin Gibb, um dos integrantes dos Bee Gees, faleceu vítima de câncer. Você conhece alguém que não gosta dos Bee Gees? Existe essa pessoa? Acredito que os Bee Gees estão entre as bandas favoritas de qualquer um (a) - eu incluso! Aqui, mesmo que tardiamente, o "Cinema Com Pimenta" presta sua homenagem a Robin e toda a banda com a sequência abaixo. "Os Embalos de Sábado à Noite" (Saturday Night Fever, 1977), dirigido por John Badham, teve em sua trilha sonora várias canções do grupo australiano, sendo, durante muito tempo, a mais vendida de todos os tempos (perdeu o posto para a trilha de "O Guarda-Costas"). Ah, e quem nunca tentou imitar os passos de Tony Manero (personagem de John Travolta no longa) que atire a primeira pedra. Sobe o som e afasta o sofá!



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Prometheus


Cinemão feminista


Ainda me recordo bem da primeira oportunidade em que assisti a “Alien – O Oitavo Passageiro” (Alien, 1979), filme de Ridley Scott que se tornou um dos precursores na mistura de ficção-científica, suspense e terror ao narrar a trama de um monstro extraterrestre que trucida todos os integrantes da tripulação da nave rebocadora Nostromo. A única que sobrevive é a tenente Ripley, papel mais marcante da carreira de Sigourney Weaver. A exibição foi na famigerada Rede Globo e lembro de vê-lo juntamente com meu pai, lá com os meus 11 ou 12 anos, e acredito que ele nem imaginava o quão sinistro e violento aquele filme iria se mostrar par um menino nessa idade. O clima sombrio e extremamente tenso da película me deixaram impressionado e lembro de ter morrido de medo na famosa sequência em que o Alien surge pela primeira vez, “nascendo” do abdome de um dos tripulantes. A verdade é que tanto eu quanto quanto meu pai adoramos o que vimos e acompanhamos todos os outros capítulos da franquia (passando também pelo fraco “Alien – A Ressurreição”, de 1997).

Naquela época, devido à minha reduzida idade, eu não percebi o que a película tentava transmitir através de suas entrelinhas. Quando analisada com atenção, toda a série “Alien” se revela uma metáfora para a luta feminina em um mundo dominado por homens. Afinal, o Alien do filme de Scott (e dos restantes dirigidos por James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre Jeunet) é um invasor de corpos, em outras palavras, um estuprador, um ser que procura inseminar suas presas através da violência. Este subtexto de violência sexual é tão importante para a franquia assim como o é fisionomia macabra e assustadora do alienígena, oposta a dos extraterrestres amigáveis concebidos por Steven Spielberg em “E.T. - O Extraterrestre” (E.T. - The Extra-Terrestrial, 1982) e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” (Close Encounters Of The Third Kind, 1977). E essa conotação feminista é tão forte que Scott, retornando à franquia desde seu primeiro epísódio, não pôde fugir dela neste “Prometheus”, o prequel da série concebido agora em 2012. Aliás, é possível afirmar que o subtexto feminista talvez nunca tenha estado tão presente em toda a série como aqui, onde de maneira explícita (SPOILER) vemos uma mulher retirar do seu interior um feto indesejado. É sintomático que seja novamente uma mulher a única sobrevivente da carnificina e que até mesmo a concepção estética de suas roupas íntimas seja destituída de feminilidade, como que a denunciar que para sobreviver naquele ambiente hostil seja necessário assumir um comportamento masculinizado (FIM DE SPOILER).


Mas é claro que a franquia Alien é, antes de tudo, concebida como thrillers de suspense e este novo episódio não poderia fugir à regra. A tensão presente em Prometheus é constante, desde o primeiro até o último fotograma, apesar de suas ambiciosas pretensões filosóficas ao expor uma narrativa que tem como norte a origem da vida humana. É em busca dela que uma expedição é enviada a uma lua de um planeta de certo e longínquo sistema solar. A partir de uma descoberta arqueológica em uma caverna na Terra, a cientista Elizabeth Shaw (Noomi Rapace, a Lisbeth Salander da versão sueca de “Os Homens Que Não Amavam As Mulheres”) acredita que humanoides denominados como “Engenheiros” seriam os responsáveis pela criação da vida humana em nosso planeta e que eles teriam deixado uma espécie de “convite” para que a humanidade viajasse até essa longínqua galáxia e descobrisse suas verdadeiras origens. Como é de se imaginar, entretanto, a coisas não correm exatamente como o esperado, fugindo do controle e descobrindo-se que a missão não seria exatamente um passeio de encontros de pacíficos.

Com fez no primeiro longa da série, Scott soube muito bem trabalhar as relações e características dos personagens tripulantes da Prometheus, a nave que dá título à produção e que é responsável pela viagem em busca da origem da vida, item essencial para que haja uma empatia do público com a narrativa. E assim, além da citada Elizabeth Shaw, também conhecemos Meredith Vickers (Charlize Theron), executiva que representa a empresa financiadora da expedição, além do robô David (Michael Fassbender, o ator da moda), autômato no melhor estilo “Blade Runner” (outro filme de Scott), criado como imitando a imagem e semelhança dos humanos porque estes se sentem “melhor interagindo com outros seres da mesma espécie”. Por outro lado, essa estrutura muito semelhante àquela da película de 1979, gera uma sensação de filme repetido, fazendo-nos esperar por uma sucessão de eventos que levarão à inevitável dizimação da tripulação.


Todavia, como já ressaltado, a tensão engendrada é angustiante, fazendo jus ao longa pioneiro. Scott sabe, como poucos, entregar uma atmosfera sombria e sufocante, deixando o espectador sempre com sensação de que algo terrível vai acontecer a qualquer momento. A fotografia (de Darius Wolski) contribui para tanto, assim como a trilha sonora se mostra eficiente em carregar dita atmosfera. O elenco, por seu turno, é oscilante. Se Charlize Theron desta vez apenas contribui com sua beleza, Noomi Rapace tem ótimos momentos (principalmente na citada sequência da “cesariana”). Mas é mesmo Michael Fassbender quem rouba a cena (mais uma vez) com o seu robô David, o mais intrigante dentre todos os personagens.

Ao final, o que posso afirmar é que este novo Ridley Scott me fez sentir muito do gostinho daquela primeira e já distante experiência com a franquia (é, estou ficando velho). Não atinge o nível de brilhantismo do pioneiro, carecendo obviamente da originalidade nele presente, além de possuir um argumento um tantinho pretensioso. Contudo, é impossível não se deixar envolver por este suspense, apto a agradar aos fãs e não fãs da franquia, possivelmente a mais feminista do cinemão hollywoodiano, mesmo que muita gente nem se dê conta disso.


Cotação:

Nota: 9,0


Obs.: O 3D do filme é bem dispensável. Acabei me arrependendo de ter pago mais caro.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Filmes Para Ver Antes de Morrer



Clamor do Sexo
(Splendor In The Grass, 1961)


Caráter controverso, talento indiscutível


O brilhante diretor Elia Kazan é uma das personalidades mais controversas da história de Hollywood. De origem grega (filho de gregos, nasceu em Constantinopla, então capital do Império Turco-Otomano), iniciou sua carreira como diretor de teatro na Broadway, migrando posteriormente para o cinema e levando para a tela grande uma direção de atores baseada no famoso Método Strasberg, orientando os atores a usarem vivências pessoais para dar maior verdade à composição dos personagens. Foi dirigindo “Uma Rua Chamada Pecado” (A Streetcar Named Desire, 1951) que ele atingiu o respeito no mundo cinematográfico e alçou Marlon Brando ao estrelato, fantástico no papel de Stanley Kowalski. Entretanto, a despeito de seu talento na direção, Kazan se tornou uma das figuras mais odiadas do meio artístico por ter delatado antigos companheiros do Partido Comunista ao funesto Comitê de Investigações de Atividades Antiamericanas durante o Macartismo. Não por acaso, durante a cerimônia do Oscar que lhe concedeu um prêmio honorário, vários dos presentes, como Jim Carrey, Nick Nolte e Ian McKellen se recusaram a aplaudi-lo (Sean Penn chegou a encabeçar uma moção de repúdio à decisão da Academia).

Apesar do caráter duvidoso, é inegável que o talento de Kazan rendeu obras inesquecíveis. Além do citado “Uma Rua Chamada Pecado”, são dele “Sindicato de Ladrões” (On The Waterfront, 1954) – cujo drama hoje soa como uma defesa de sua posição de delação – e “Vidas Amargas” (East Of Eden, 1955), onde levou James Dean ao estrelato ao dirigi-lo numa trama de conflito de gerações. E uma outra de suas obras mais marcantes é exatamente este “Clamor do Sexo” (título em português infeliz para “Splendor In The Grass”), sua película de 1961, a qual parece reunir, a um só tempo, as temáticas dos citados “Vidas Amargas” e “Uma Rua Chamada Pecado”, aliando a abordagem do conflito de gerações e carência afetiva à repressão sexual imposta pelos condicionamentos socioculturais.


Desde a primeira sequência, onde Bud Stamper (Warren Beaty, em seu primeiro papel de destaque) e Deanie Loomis (Natalie Wood) são vistos se beijando em frente a uma cachoeira, a temática da repressão sexual é colocada em foco. Já percebemos assim que os personagens terão seus destinos inteiramente afetados pelo seu desejo reprimido, mas estaríamos sendo reducionistas se enxergássemos apenas este ponto na ampla crítica social oferecida por Kazan e o ótimo roteirista William Inge. Herdeiro de um rico produtor de petróleo (Pat Hingle), além da frustração sexual o jovem Bud tem de enfrentar a imposição de seu pai que deseja formá-lo em Yale, adiando sua vontade de casar-se com Deani e realizar-se profissionalmente como fazendeiro. Por seu turno, Deanie quase enlouquecerá ao ver-se dividida entre dois estereótipos possíveis em 1928, ano em que se passa a ação da película (um anos antes da grande depressão econômica, portanto): o da virgem discreta e “séria”, que não cede aos próprios desejos sexuais, senão apenas depois do casamento e para satisfazer a lascívia do marido (“isso é coisa de homens”, ensina-lhe sua mãe); ou o da moça leviana-promíscua, encarnada no filme na figura de Ginny (Barbara Loden, ótima), irmã de Bud. Todavia, os personagens não são tratados de maneira maniqueísta e mesmo a severa mãe de Deanie tem seus momentos de absolvição.

Mas nem só de crítica social vive “Splendor In The Grass”. A riqueza de seus personagens passa longe do lugar-comum, o que era mesmo de se esperar de um filme de Kazan. Eles surgem para o espectador, antes de tudo, como pessoas reais, cujas vidas acabam tomando rumos diversos do esperado. E este, possivelmente, é o aspecto mais encantador da película, já que se torna impossível não compartilhar do seu drama. Afinal, todos nós já sentimos que a vida tomou rumos divergentes do que pretendíamos. Não que isso tenha ocasionado necessariamente vivências negativas (por diversas vezes ocorre justamente o contrário), mas certamente você já se pegou refletindo sobre os caminhos que teria tomado ao fazer escolhas diferentes das que fez no passado. Essa perspectiva é forte no longa de Kazan, tanto que o título da produção foi retirado de uma poesia de William Wordsworth que reflete exatamente sobre tais circunstâncias, afirmando que é do que passou que retiramos nossa força.


Importante elucidar que Kazan utiliza de formas novidadeiras para narrar o drama, aliando o estilo narrativo da Nouvelle Vague a uma maneira de abordagem que seria precursora da Nova Hollywood. Talvez tenha sido esta experiência com Kazan, inclusive, que tenha levado o novato Warren Beaty a acreditar que o cinema norte-americano precisava de uma sacudida e o tenha feito lutar pela futura produção de "Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas" (Bonnie & Clyde, 1967). Aliás, neste "Clamor do Sexo" ele está muito bem para um principiante, muito embora tenha começado aaqui a pecha de galã que o acompanharia ao longo de vários anos e que levaria os chefões dos estúdios a colocá-lo apenas em papeis do genêro (pelo menos até a realização do citado "Bonnie & Clyde"). Mas é Natalie Wood que tem, efetivamente, a atuação mais destacada da película. Ela incorpora os tormentos de Deanie como muita garra, em um trabalho que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz (o que invariavelmente acontecia com os dirigidos por Elia Kazan). Mas o diretor não era só bom com atores. Os inusitados e criativos ângulos de câmera mostram que ele sabia mexer com a ferramenta do cinema, estando seus longas longe de serem apenas uma espécie de "teatro filmado".

Ainda com uma trilha sonora belamente composta por David Amram, "Splendor In The Grass" é um daqueles filmes que vão crescendo em sua memória e que nos deixa enternecidos diante de seu desfecho, ao mesmo tempo belo, melancólico e verdadeiro (não à toa levou o Oscar de melhor roteiro original). A cada lembrança ele se torna melhor, mais relevante e memorável, lembrando-nos que muitas vezes podemos não gostar da pessoa de um artista, mas que isto não implica desconsiderar sua arte. Assim como o genial músico Richard Wagner tem uma obra de méritos artísticos inquestionáveis, mesmo diante do seu mau-caratismo, o mesmo deveria suceder com Elia Kazan, um homem de caráter deveras duvidoso, mas que possui uma filmografia de mestre.


Cotação:

Nota: 10,0

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Primeiro Trailer de "Django Livre"


Em primeira mão, segue abaixo o primeiro trailer de "Django Livre" (Django Unchained), o novo longa-metragem de Quentin Tarantino. Na trama, ambientada no sul dos Estados Unidos dois anos antes da Guerra de Secessão, Django (Jamie Foxx) é um escravo cujo histórico brutal com seus ex-senhores o deixa frente a frente com um caçador de recompensas alemão, King Schultz (Christoph Waltz, repetindo a parceria que lhe trouxe notoriedade). Os dois passam a caçar criminosos pelo sul dos Estados Unidos e buscam resgatar Broomhilda (Kerry Washington), esposa de Django raptada pelo tráfico de escravos . A procura acaba levando-os até Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), o proprietário de "Candyland", uma fazenda onde os escravos lutam entre si por esporte.

De antemão, além da óbvia referência ao filme protagonizado por Franco Nero nos anos 60, já percebemos citações de "Rastros de Ódio" , de John Ford, e até da mitologia germânica, além do recorrente tema da vingança na filmografia de Tarantino. O longa estreia em 25 de dezembro nos EUA e em 18 de janeiro no Brasil.



Django Unchained - Trailer / Bande-Annonce [VOHD] por Lyricis

domingo, 3 de junho de 2012

Restaurando a Película


Ulysses
(Ulysses, 1954)


Entretenimento com inteligência


Nunca entendi realmente o porquê, mas o cinema norte-americano, tão afeito a narrativas fantásticas, produziu relativamente poucos filmes tendo por base a mitologia grega. Mitos incríveis como o de Hércules foram relegados normalmente a produções B, com baixo orçamento e elenco limitado, ao contrário do que ocorria com histórias de teor bíblico, comumente adaptadas como superproduções (vide “Os Dez Mandamentos”, de Cecil B. De Mille). Apenas recentemente os estúdios têm dedicado mais atenção a este universo, como em “Tróia” (Troy, 2004) e o remake de “Fúria de Titãs” (Clash Of The Titans, 2010). Na Itália dos anos 50, contudo, o quadro era outro. Além de longas de menor orçamento, os mitos greco-romanos também eram temas de grandes produções, como aquelas orquestradas por Dino De Laurentiis e Carlo Ponti. Este “Ulysses”, realizado em 1954, é um deles, destacando-se não só pelo apuro técnico, mas principalmente por seu elenco estelar, encabeçado por um Kirk Douglas inspirado.

É verdade que o roteiro condensa bastante o texto da “Odisseia” de Homero, obra basilar de toda a literatura e cultura ocidentais. Nela, como deve ser do conhecimento de muitos, é narrada a longa viagem de retorno do general Ulisses, após a guerra de Tróia, até o seu reino de Ítaca. Ao longo de 10 anos, Odisseu (nome grego para o herói) enfrenta inúmeras adversidades para voltar ao lar, enquanto sua esposa, Penélope (interpretada aqui por Silvana Mangano), obstinada em sua fidelidade, jamais sucumbe aos cortejos dos pretendentes. Entretanto, apesar da síntese, os trechos transpostos para a tela são adaptados com satisfatória eficácia. Mesmo que o espectador não conheça de antemão as passagens do relato homérico não terá dificuldades em compreender o enredo, desenvolvido em formato de flashback, quando Ulisses, desmemoriado, chega a um reino próximo de Ítaca e conhece a princesa Nausica (Rossana Podestà). Ele se esforça para relembrar seu passado e é então que somos apresentados a algumas de suas aventuras.


É certo que o mito de Odisseu estabelece vários dos paradigmas culturais de toda a humanidade. O herói representa a coragem e determinação esperadas do homem, enquanto Penélope se apresenta como encarnação da dedicação e fidelidade que se esperam de uma mulher, modelos de comportamento até hoje dominantes, mesmo diante das diversas mutações da sociedade contemporânea. O pouco conhecido diretor Mario Camerini (que também participou da confecção do roteiro, ao lado de outros seis nomes) soube destacar estas nuances e foi muito feliz em dar a mesma importância na trama tanto a Ulisses como a Penélope, mostrando que os dramas de cada um eram intensos em igual medida, fazendo a narrativa tornar-se interessante tanto para o público masculino quanto feminino. Também ganha destaque o drama de Telêmaco (no filme interpretado por Franco Interlenghi), filho de Ulisses que mal conheceu o pai, pois que este estava ausente do lar desde a sua infância.

Contudo, embora tais elementos sejam colocados de maneira correta, é importante ressaltar que este é um longa de aventura e o principal foco obviamente se coloca nas peripécias do penoso regresso. É provável que a mais marcante delas, ao menos para a época em que o filme foi lançado, seja o confronto com o ciclope* Polifemo, filho do deus Posseidon (ou Netuno, para os romanos). Para os recursos do seu tempo, o gigante é concebido de maneira eficiente, destacando-se seu tamanho através de criativos enquadramentos. Ademais, ainda temos a chegada de Ulisses na ilha da feiticeira Circe (também interpretada por Silva Mangano, exercendo papel duplo no filme), onde precisa fazer com que esta retire o feitiço que transformou seus companheiros de tripulação em porcos, além de sua passagem pelo mar das sereias, resistindo ao seu canto ao pedir que seja amarrado ao mastro do navio.


Entretanto, o longa perderia muito sem a presença marcante de Kirk Douglas, conferindo uma adequada aura forte e mítica ao personagem e dominando todas a cenas em que aparece. Pena que o restante do elenco não o acompanhe. Mesmo Anthony Quinn, que interpreta Antinoo, o principal pretende de Penélope, não tem muito a fazer, uma vez que seu personagem tem pouco tempo em tela. Todavia, quem mereceria um Framboesa de Ouro pela dupla atuação seria Silvana Mangano, duplamente inexpressiva (a despeito de sua beleza), seja na pele de Penélope ou na de Circe.

A despeito destes problemas e da direção de Camerini, a qual, embora correta, não deixa marcas autorais, “Ulysses” mantém o seu interesse devido à força de uma narrativa imortal, que supera os séculos e transcende culturas. Mesmo que você conheça pouco da temática, esta será uma boa e didática forma de se familiarizar com ela, apesar de que, obviamente, o melhor seja conferir a fonte direta de tais mitos, lendo a “Ilíada” e a “Odisseia, embora nos livros você não veja a marcante atuação de Kirk Douglas. Contudo, convenhamos, vale ressaltar que não é fácil adaptar mitologia para as telas. Talvez seja exatamente por isso que os por vezes preguiçosos produtores de Hollywood nunca foram afeitos ao tema: é muito complexo para a média de suas produções feijão com arroz, perdendo a oportunidade de realizar entretenimentos inteligentes como no caso em tela.

Cotação:

Nota: 7,5

* Ciclopes, na mitologia helênica, eram gigantes de um só olho.