quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Capitão Phillips

Contrastes


Já fazia tempo que Tom Hanks não tinha uma atuação digna de Oscar e confesso que estava com saudades do velho grande ator de outros tempos (mais precisamente dos anos 90, quando emplacava um sucesso após o outro e uma indicação ao Oscar depois da outra). Bem, enfim, depois de anos atuando no piloto automático, Hanks recupera a boa forma com este “Capitão Phillips”, novo longa do diretor Paul Greengrass que investe pesado na crítica da globalização, onde o capital navega sempre indiferente à realidade que o cerca.

Não é outra a impressão ao vermos o cargueiro Maersk Alabama, enorme e transportando uma quantidade considerável de bens de alto valor comercial, cruzar o paupérrimo litoral da Somália, onde os seus residentes dispõem, no máximo, de pequenas embarcações que parecem besouros quando comparados ao enorme navio comandado por Richard Phillips, personagem real que escreveu o livro adaptado para a tela. Assim, em verdade, trata-se aqui de um longa sobre contrastes, levando o espectador a se perguntar sobre a origem desses, mesmo que o filme não forneça elementos sobre as desproporções apresentadas na tela. Afinal, trata-se de um thriller que, se em boa medida leva à reflexão, tira o fôlego do público com um ritmo intenso, envolvente e cheio de realidade, lembrando muito um outro filme do próprio Greengrass, “Vôo United 93” (United 93, 2006), também baseado em uma história verídica.




A estrutura narrativa (com roteiro adaptado de Billy Ray, vencedor do prêmio do Sindicato de Roteiristas na categoria, o que o torna um favorito ao Oscar) é estabelecida a partir de contraposições entre a realidade do capitão Phillips e a do líder de um grupo de piratas somalis, Muse (interpretado por um ator que era até então motorista, Barkhad Abdi). Não apenas os barcos destoam em proporções. Se Phillips se preocupa com a correria do dia a dia e com quanto tempo vai levar a viagem, a preocupação primordial de Muse é conseguir recrutar parceiros que possam ajudar na ação pirata de sequestrar o cargueiro Maersk. Se Phillips se apresenta como uma liderança inconteste perante a sua tripulação, Muse está longe de ter controle sobre os seus recrutados, sempre contestando suas ordens. E assim seguimos uma série de contrastes que desnudam não apenas a realidade entre os dois sujeitos da narrativa, mas também a disparidade entre as realidades do Ocidente e da África miserável.




Contando com uma primorosa edição de Christopher Rouse, a trama se desenvolve naquele ritmo acelerado característico do “suspense cabeça” que fez a fama de Greengrass, e a tensão só aumenta ao longo de seus 126 minutos de projeção, mesmo que já saibamos o seu desfecho (afinal, como dito acima, o livro foi escrito pelo próprio capitão). Tudo para culminar em um clímax marcante, em uma cena que já entrou para aquelas que farão a história cinematográfica de seu intérprete, Tom Hanks. Seria justo se ele tivesse sido indicado ao Oscar apenas por essa sequência, o que não ocorreu. Mesmo figurando em todas as premiações que antecedem a festa da Academia, Hanks foi estranhamente esquecido no prêmio mais famoso do cinema. Será que ele anda perdendo prestígio? A pergunta fica ainda mais interessante se lembrarmos que Barkhad Abdi foi indicado como coadjuvante, um exagero, na minha opinião. Ele está bem no papel, mas me parece que sua indicação decorre apenas do fato de ser um principiante, além de haver algo de “politicamente correto” nela.

A maior virtude de “Capitão Phillips”, entretanto, não reside em seu elenco ou na direção precisa e intensa de Greengrass. Ela está em seu caráter despretensioso, pois em nenhum momento o longa se propõe a apontar dedos para possíveis culpados ou tentar elucidar as origens das disparidades retratadas na tela. As diferenças estão retratadas, mas cabe ao espectador tirar suas conclusões sobre as origens de tanta desigualdade. Em determinado momento, Phillips pergunta a Muse se não há outra opção para ele além de praticar a pirataria. Muse lhe responde: “talvez, na América”. Uma cena que se revela a síntese de toda a projeção e demonstra a aposta que Greengrass faz na inteligência do espectador. E filmes que não subestimam o espectador são sempre muito bem-vindos.

Cotação:




Nota: 9,0.