segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A política do SAG


A premiação do Sindicato de Atores de Holllywood, realizada ontem, teve um sentido político. A predileção de seus integrantes pela produção “Histórias Cruzadas” (The Help), entregando-lhe três prêmios, quais sejam, atriz (Viola Davis), atriz coadjuvante (Octavia Spencer) e elenco, tem o nítido de significado de prestigiar um filme antirracismo. Ainda mais quando nos lembramos que a grande concorrente de Viola, a já mítica Meryl Streep, tem como papel uma das maiores representantes do conservadorismo nas últimas décadas, Margaret Tatcher, uma figura demodé nestes tempos de caos financeiro gerado pelo neoliberalismo e movimentos fermentados pela internet como Occupy Wall Street. Não sei se o filme é merecedor ou não, mas a verdade é que o Oscar deverá seguir a tendência. E Meryl amargará a 15ª derrota (ela só venceu duas vezes, mesmo sendo recordista de indicações).

Já na categoria de melhor ator venceu o francês Jean Dujardin, de “O Artista”. E os Weinstein caminham firmes e fortes para emplacar mais um dos seus longas afilhados na festa da Academia (ele já levou também o prêmio do Sindicato dos Diretores para Michel Hazanavicius). Entretanto, os prêmios dos sindicatos este ano talvez não um indicador tão preciso, já que o vencedor do prêmio de ator coadjuvante, Christopher Plummer, irá concorrer no Oscar com outro veterano, Max Von Sydow, que nem chegou a ser indicado ao SAG, assim como Rooney Mara, de “Os Homens Que Amavam As Mulheres” foi lembrada no Oscar e esquecida no sindicato. As apostas deste ano estão mais difíceis. Está complicado conseguir um ano de cinema grátis...

domingo, 29 de janeiro de 2012

Os Descendentes



Crônica de lágrimas e sorrisos


Alguém já disse que um cineasta sempre está fazendo o mesmo filme (não lembro bem ao certo quem é o autor da máxima, para ser sincero). Há uma certa verdade nessa frase e, no caso de Alexander Payne, diretor deste “Os Descendentes”, ela parece cair como uma luva. Afinal, ao longo de sua carreira, ele mostra ter uma especial predileção por protagonistas que precisam acertar contas com o passado, normalmente marcado por desentendimentos familiares e que a partir de algum fato relevante - uma espécie de “hégira” em suas existências - passam a ter uma perspectiva diferente sobre a vida. Foi assim com o personagem de Jack Nicholson em “As Confissões de Schmidt” (About Schmidt, 2002), onde ele interpreta um sexagenário recém-aposentado e que acaba de perder a esposa de maneira repentina, partindo então para uma viagem ao Nebraska para ajudar no casamento da filha. Procurando colar os retalhos do passado, passa então por uma jornada de autodescoberta.

É quase o mesmo que sucede com Matt King, o personagem vivido pelo astro “cool” George Clooney neste novo trabalho do diretor. No roteiro escrito pelo próprio Payne ao lado de Nat Faxon e Jim Rash (adaptado do livro de Kaui Hart Hemmings), ele também enfrenta situação semelhante ao ver sua esposa entrar em coma após um acidente no mar e posteriormente ser informado pelos médicos que seu estado é irreversível. Pai ausente durante anos, terá de se reinventar para se aproximar das filhas, a ainda criança Scottie (Amara Miller) e a adolescente Alexandra (Shailene Woodley), buscando unir a família para enfrentar este momento difícil. É quando ele descobre algo importante sobre a esposa que lhe trará enorme ressentimento. Além disso, Matt é o representante legal do espólio da realeza havaiana, da qual é um dos descendentes (daí o título da produção), sendo herdeiro, juntamente com uma grande quantidade de primos, de uma vasta porção de terras. Assim, mesmo que só através destas sinopses, vê-se que os dois longas-metragens possuem muito em comum. A diferença entre os dois reside no acabamento. Enquanto o longa de 2002 se mostra bastante oscilante em sua qualidade ao longo de seus 124 minutos, “Os Descendentes” é um filme coeso, mais sólido, que flui perfeitamente sem altos e baixos. O drama, que certamente possuiria um tom pesado e mãos erradas, assume com Payne um tom mais leve, sendo possível até mesmo classificá-lo como uma “dramédia”. Apesar dos momentos difíceis enfrentados por seus personagens, várias são a situações que nos fazem rir. Por sinal, assim como a vida, que não nos reserva situações exclusivas de drama ou comédia para cada uma de suas fases. O cineasta conduz a trama com tanta sutileza que em certos momentos chegamos àquela ótima sensação de esquecer que estamos vendo um filme, tanto por ele fazer questão de ser um diretor “ausente” da narrativa, sem firulas técnicas, quanto pelo envolvimento que o longa consegue obter.


Um dos fatores que contribuem sobremaneira para o apontado clima ameno da narrativa é o fato dela ser ambientada no Havaí, um estado norte-americano estranhamente pouco visto no cinema. Mesmo que logo no início a narração em off do protagonista nos alerte que os habitantes do arquipélago não vivam em eternas férias, como muita gente supõe, tendo os problemas do dia a dia como todo mundo (aliás, como o filme bem demonstra), não se pode negar que as imagens e o clima praiano da região, assim como os costumes de seus moradores, que usam camisas havaianas até em ambientes de trabalho, ajudam a tirar o peso das situações vistas na tela. Até mesmo a trilha sonora possui vibrações havaianas, como que para estabelecer o contraste entre o ambiente paradisíaco e o caos vivido por Matt e sua família. Opções felizes que ajudam bastante o filme a não cair no melodrama barato.

Outro fator que presta uma sensível ajuda para tornar “The Descendants” uma obra acima da média é o elenco afiado e afinado. A jovem Shailene Woodley se mostra como uma atriz extremamente promissora, tamanha a desenvoltura com que age na frente das câmeras. Só pela cena em que ela mergulha na piscina para chorar após saber do pai que sua mãe irá morrer ela já mereceria uma indicação ao Oscar, algo que infelizmente não aconteceu. E impressiona a química estabelecida entre ela e Clooney, os quais nos fazem esquecer de que não são pai e filha fora das telas. Este último, por seu turno, nos entrega aquela que pode ser considerada a melhor atuação de sua carreira, superando em muito o seu bom, mas não excepcional, trabalho em “Amor Sem Escalas” (Up In The Air, 2009), muito embora os dois papeis possuam semelhanças, pois que em ambos os casos seus personagens precisam ajustar contas familiares após uma vida de workaholic. A sequência em que Matt corre de sandálias pela vizinhança, destinada a se tornar clássica, já valeria ao menos uma indicação ao prêmio da Academia, e não será exagero se ele vier a de fato levar o Oscar.

Anteriormente, mencionei que a diferença básica entre os filmes protagonizados por Nicholson e Clooney era o seu acabamento. Em parte, é verdade, pois ambos têm uma trama semelhante em vários aspectos, o que talvez leve o espetador a momentos “déjà vu” durante a projeção. Contudo, seria injusto dizer que “Os Descendentes” é um filme superior apenas por ser mais bem dirigido. Muito embora os dois longas possuam um desfecho impecável (o que já parece ser um especialidade de Payne), o filme de 2011 consegue ser mais abrangente, abordando praticamente todos os temas que constituem o cotidiano de qualquer indivíduo. Estão lá analisadas não apenas a relação entre marido e mulher ou entre pais e filhos, mas também sua relação com a família na qual nasceu, seus problemas profissionais e patrimoniais e até mesmo sua interação com a comunidade na qual está inserido. Uma crônica do dia a dia, repleta dos encontros, despedidas, sorrisos e lágrimas que a vida tem a oferecer.


Cotação:

Nota: 9,0

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Os Indicados ao Oscar 2012


Sinceramente, essa está se mostrando uma das mais esquisitas edições do Oscar em todos os tempos. Parece que para cada prêmio a Academia resolveu aprontar uma surpresa, seja para o bem ou para o mal. Nem os prêmios dos Sindicatos conseguiram antecipar plenamente os concorrentes e, em algumas categorias, há sérias divergências. A mais notável delas é a ausência de "As Aventuras de Tintim" entre os indicados para melhor animação. O filme de Steven Spielberg já vinha sendo tido como barbada diante de sua premiação não apenas no Globo de Ouro, mas também no Sindicato dos Produtores. Uma esquisitice total que me deixou espantado quando vi. Outra surpresa grande é a indicação de Rooney Mara como melhor atriz por "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres". Ela não está entre as indicadas para o SAG (Sindicato de Atores) e também me deixou surpreso a sua presença no Oscar. Surpresa boa mesmo foi a presença de "A Separação" entre os indicados a melhor roteiro original, uma boa forma de prestigiar o provável ganhador na categoria de melhor filme estrangeiro.

De qualquer forma, adorei ver Martin Scorsese, Woody Allen e Terrence Malick indicados, no mesmo ano, ao prêmio de melhor diretor. Um sonho cinéfilo, não? Ah, já ia me esquecendo! Muito massa ver Carlinhos Brown e Sergio Mendes concorrendo ao prêmio de melhor canção por "Rio" (que deveria também ter figurado entre os indicados a melhor animação). E com muita chance de vencer, já que são apenas dois indicados. Segue abaixo a lista completa dessa edição que parece que vai ser a mais imprevisível em muito tempo. Os filmes que receberam o maior número de indicações foram "A Invenção de Hugo Cabret" (com 11, imagem acima) e "O Artista" (com 10).



Melhor filme

"O Homem que Mudou o Jogo"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Os Descendentes"
"Histórias Cruzadas"
"Cavalo de Guerra"
"Meia-Noite em Paris"
"O Artista"
"Tão Forte e Tão Perto"
"Árvore da Vida"

Melhor direção
Woody Allen, "Meia-Noite em Paris"
Michel Hazanavicius, "O Artista""
Alexander Payne, "Os Descendentes"
Martin Scorsese, "A Invenção de Hugo Cabret"
Terrence Malick, "Árvore da Vida"

Melhor ator
Brad Pitt, "O Homem que Mudou o Jogo"
George Clooney, "Os Descendentes"
Jean Dujardin, "O Artista"
Demián Bichir, "A Better Life"
Gary Oldman, "O Espião que Sabia Demais"

Melhor atriz
Meryl Streep, "A Dama de Ferro"
Rooney Mara, "Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
Glenn Close, "Albert Nobbs"
Viola Davis, "Histórias Cruzadas"
Michelle Williams, "Sete Dias com Marilyn"

Melhor ator coadjuvante
Kenneth Branagh, "Sete Dias com Marilyn"
Jonah Hill, "O Homem que Mudou o Jogo"
Christopher Plummer, "Toda Forma de Amor"
Nick Nolte, "Guerreiro"
Max von Sydow, "Tão Longe e Tão Perto"

Melhor atriz coadjuvante
Janet McTeer, "Albert Nobbs"
Jessica Chastain, "Histórias Cruzadas"
Octavia Spencer, "Histórias Cruzadas"
Melissa McCarthy, "Missão Madrinha de Casamento"
Bérénice Bejo, "O Artista"

Melhor animação
"Rango"
"Gato de Botas"
"Kung Fu Panda 2"
"Um Gato em Paris"
"Chico & Rita"

Melhor roteiro original
"Meia-Noite em Paris"
"O Artista"
"Missão Madrinha de Casamento"
"A Separação"
"Margin Call - O Dia Antes do Fim"

Melhor roteiro adaptado
"Os Descendentes"
"O Homem que Mudou o Jogo"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Tudo Pelo Poder"
"O Espião que Sabia Demais"

Melhor filme estrangeiro
"Bullhead" (Bélgica)
"Monsieur Lazhar" (Canadá)
"A Separação" (Irã)
"Footnote" (Israel)
"In Darkness" (Polônia)

Melhor trilha sonora
"As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne"
"O Artista"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"O Espião que Sabia Demais"
"Cavalo de Guerra"

Melhor canção original
"Man or Muppet", de "Os Muppets"
"Real in Rio", de "Rio"

Melhor edição
"O Artista"
"Os Descendentes"
"Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"O Homem que Mudou o Jogo"

Melhor figurino
"Anônimo"
"O Artista"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Jane Eyre"
"W.E. - O Romance do Século"

Melhor fotografia
"O Artista"
"Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Árvore da Vida"
"Cavalo de Guerra"

Melhor maquiagem
"Albert Nobbs"
"Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2"
"A Dama de Ferro"

Melhores efeitos visuais
"Harry Potter e Relíquias da Morte: Parte 2"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Gigantes de Aço"
"Planeta dos Macacos: A Origem"
"Transformers: O Lado Oculto da Lua"

Melhor direção de arte
"O Artista"
"Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Meia-Noite em Paris"
"Cavalo de Guerra"

Melhor edição de som
"Drive"
"Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Transformers: O Lado Oculto da Lua"
"Cavalo de Guerra"

Melhor mixagem de som
"Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"O Homem que Mudou o Jogo"
"Transformers: O Lado Oculto da Lua"
"Cavalo de Guerra"

Melhor curta-metragem de animação
"Dimanche/Sunday"
"The Fantastic Flying Book of Mr. Morris Lessmore"
"La Luna"
"A Morning Stroll"
"Wild Life"

Melhor curta-metragem
"Pentecost"
"Raju"
"The Shore"
"Time Freak"
"Tuba Atlantic"

Melhor curta documentário
"The Barber of Birmingham: Foot Soldier of the Civil Rights Movement"
"God is the Bigger Elvis"
"Incident in New Baghdad"
"Saving Face"
"The Tsunami and the Cherry Blossom"

domingo, 22 de janeiro de 2012

As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne



Aquele velho (e ótimo!) gosto de aventura


Durante boa parte de minha vida (até os tempos da faculdade, mais ou menos), fui um consumidor voraz de quadrinhos. No entanto, devo confessar que, até devido a limitações financeiras, acabei muito adstrito às HQs de origem estadunidense, as quais sempre tiveram preços mais acessíveis que as edições de quadrinhos europeus como “Astérix” ou “Tintim”. Com relação ao herói gaulês acabei por ter mais acesso ainda garoto devido a um vizinho e amigo que me emprestava suas edições. Já o jovem jornalista criado em 1929 por Hergé (pseudônimo de Georges Prosper Remi) só se tornou mais familiar mais tarde, quando passei a ganhar meu suado dinheirinho de estagiário. Mas essa foi uma fase em que já estava me desprendendo da Nona Arte para aumentar meu interesse e conhecimento em livros e na Sétima Arte. Ou seja, a verdade é que não me aprofundei muito na obra de Hergé, mesmo que ainda tenha visto eventualmente algumas animações do seu herói na TV Cultura.

Digo isso para informar que talvez eu não seja o melhor conhecedor do personagem para avaliar se a sua adaptação para as telonas realizada por Steven Spielberg, em exibição nos cinemas, é ou não é fiel à obra gráfica do autor belga, até mesmo porque não passei por aquele encantamento infantil frequentemente tão importante para que um personagem more em nossos corações para o resto da vida. Portanto, minhas impressões vão se pautar quase exclusivamente pelo resultado na projeção. O que posso afirmar é que, enquanto cinema, “As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne” é um exemplar de primeira linha, trazendo-nos um frescor do Spielberg “aventureiro” que ele não havia conseguido recuperar com o seu “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008), o qual resultou apenas mediano, longe da empolgação da trilogia original do Dr. Jones.

É bom mencionar que Spielberg também não foi um fã infantil de Tintim. Ele descobriu o personagem a partir de comentários realizados por críticos à época do lançamento de “Os Caçadores da Arca Perdida” (Raiders of the Lost Ark), em 1981, afirmando que a ação de Indiana Jones tinha semelhanças com o tom aventureiro da HQ belga. O que era verdade, não somente no aspecto da ação, como também no teor colonialista presente em ambas as obras, as quais externam nas entrelinhas aquela visão arrogante tanto de europeus quanto de norte-americanos de que fazem parte do que se denomina “civilização”, o que lhes outorgaria o direito espoliar os “selvagens” de outros continentes (o que inclusive valeu a Hergé acusações de racismo em suas HQs, principalmente levando em consideração suas simpatias fascistas). Bem, de qualquer forma desde então o genial cineasta norte-americano nutria o desejo de realizar uma adaptação para o cinema, mas algo prático acabava impedindo suas intenções. O público ianque, em geral mergulhado no próprio umbigo, não conhece o personagem e isso quase inevitavelmente levaria a um fracasso nas bilheterias. Contudo, nesse meio tempo o mundo e o mercado cinematográfico sofreram significativas alterações. Hoje, o mercado norte-americano está perdendo a importância vital que havia para o sucesso ou fracasso de um filme e o meio internacional está adquirindo uma relevância cada vez maior. Boa parte das produções hollywoodianas hoje se pagam ou dão lucro com o que é arrecadado fora dos EUA e foi esse fator que certamente levou Spielberg, associado com outro mago do cinema atual, Peter Jackson, a acreditar na possibilidade de realizar o filme e ao menos não gerar prejuízos com a empreitada. E as perspectivas se confirmaram: enquanto nos EUA o longa só arrecadou US$ 60 milhões até agora, no mercado internacional a bilheteria já ultrapassou os US$ 350 milhões (foi um grande sucesso na Europa), já praticamente garantindo a continuação (quando Spielberg e Jackson deverão inverter os papeis como produtor e diretor).


A verdade é que o longa-metragem do aventureiro jornalista e do seu fiel escudeiro, o cachorrinho Milu, é mesmo divertidíssima e um espetáculo para os olhos. Desde a sua sequência inicial de créditos (que lembra bastante a de “Prenda-me Se For Capaz”, uma pérola despretensiosa do diretor), o filme impressiona tanto pelo visual como pelo ritmo de ação incessante. Filmado através da técnica de captura de performance que se tornou famosa desde a trilogia “O Senhor dos Anéis”, havia um temor de que as animações resultassem “sem vida”, com aquele vazio nos olhos ocorrido em trabalhos como “O Expresso Polar” (“The Polar Express”, de Robert Zemeckis). Todavia, felizmente não foi o que aconteceu. A técnica evoluiu muito e o resultado é realmente fantástico. Depois de 10 minutos de projeção chegamos a esquecer totalmente que se trata de uma animação, tamanho o realismo visto. A mais, a ideia de se realizar o longa-metragem de forma animada se mostrou feliz para dar vida a uma trama rocambolesca sem perder o espírito lúdico da HQ (o roteiro é do trio Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish, o mesmo de “Scott Pillgrim”). Nela, uma mistura das estórias de “O Caranguejo das Tenazes de Ouro” e “O Segredo do Licorne”, Tintim (Jamie Bell) passa a ser perseguido após comprar, em uma feira de antiguidades, uma réplica de um antigo navio que naufragou com um imenso tesouro a bordo. Pego pelo rico colecionador Sakharine (Daniel Craig), é então levado a um navio onde esbarra com o beberrão Capitão Haddock (Andy Serkis, ator que já se tornou especialista na captura de performance), um descendente do antigo capitão do navio afundado e que é o único que pode desvendar o mistério. Juntos, passarão por inúmeras peripécias, contando ainda com o cachorro Milu e a ajuda dos policias Dupont e Dupond (Nick Frost e Simon Pegg).


É sensacional observarmos uma animação guiada pela mão de um dos grandes diretores do cinema contemporâneo. Os ângulos das tomadas; o ritmo intenso, mas sem deixar que isso prejudique o entendimento da trama; as influências de outros cineastas (há uma sequência em uma biblioteca típica de Alfred Hitchcok); os travellings, os cortes inusitados e superposições de imagens... Todas as características que fazem um grande diretor estão presentes nesta aventura, que aparece aqui muito mais moderna que nos quadrinhos. Spielberg parece um pinto no lixo voltando a um território que talvez nenhum outro cineasta tenha dominado tão bem. Ademais, conhecido por suas concessões ao politicamente correto (como a famosa exclusão digital das armas em “E.T. - O Extraterrestre”), o diretor se mostrou ousado ao não suprimir o alcoolismo do Capitão Haddock – tipo muito divertido, por sinal, que sempre me fez lembrar do Mussum dos Trapalhões – e ao permitir que o protagonista use armas de fogo, principalmente se recordarmos que uma animação por si só já possui um forte apelo junto às crianças. Adicione-se a isso um outro destaque técnico. Esta foi a primeira experiência dele com o formato 3D. Eu não sou fã do 3D (como já externei em outras ocasiões), mas confesso que aqui ele realmente fez diferença, gerando uma imersão significativamente maior do que seria no formato tradicional. Ademais, John Williams se mostrou inspirado com a trilha sonora, marcante e sempre muito bem colocada ao longo dos 104 minutos de duração. Destarte, como em 90% das produções do gênero, há alguns aspectos do roteiro que ficam explicados às pressas e a sua conclusão em aberto, que serve de gancho para o futuro segundo episódio, é algo que sempre me incomoda. A quase ausência de personagens femininas(não há uma relevante em toda a narrativa) também foi algo que me incomodou, característica que deixa o longa com uma talvez excessiva cara de “filme de menino”.

Muitos afirmam que, entre os dois quase simultâneos lançamentos de Steven Spielberg, este “As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne” se mostra bastante superior a “Cavalo de Guerra” (War Horse). Não posso confirmar, pois o filme do equino simplesmente ainda não foi exibido na minha cidade, mas asseguro que a adaptação dos quadrinhos de Hergé se saiu de maneira muito satisfatória, altamente propensa a resgatar a aquele gostinho antigo das aventuras que Spielberg nos entregou há algumas décadas. Se eu fosse um garoto de 10 anos provavelmente teria saído maravilhado da sessão e admito que, ao fim da projeção, voltei um pouco a ser menino, já ávido pela próxima aventura do garoto-jornalista, seu cachorro Milu e o Capitão Haddock.


Cotação:

Nota: 9,0

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Trilha Sonora #21


Nos comentários que teci sobre a bela obra de Nicholas Ray "Johnny Guitar" (leia aqui), mencionei que a película contava com uma ótima canção-título, composta por Victor Young e Peggy Lee. Pois bem, clicando no link abaixo você poderá ouvi-la acessando o blog da amiga Suzane Weck, a qual deixou este escrivinhador muito honrado ao linkar o meu texto como complemento à sua postagem e, mais ainda, ao atender um pedido desprentensioso para que nos oferecesse uma interpretação da canção. O resultado foi nada menos que excelente! Clique abaixo e não deixe de conferir "Johnny Guitar" na belíssima voz de Suzane Weck!

"Johnny Guitar", por Suzane Weck

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Homem Que Mudou o Jogo



Sobre um “perdedor”


Os Estados Unidos são um país muito peculiar no que diz respeito a esportes. Se o nosso futebol (que eles chamam de “soccer”) é a mais popular modalidade desportiva em 90% do planeta, lá a disputa de popularidade fica entre o futebol americano (football, para eles), o basquete e o beisebol. Excluindo-se o basquete, que também é um jogo bastante popular no Brasil, os demais muitas vezes funcionam como verdadeiros enigmas para nossas mentes acostumadas com o esporte bretão. Esta peculiaridade norte-americana faz com que filmes hollywoodianos que tenham como foco estes jogos “estranhos” terminem por ter uma sintomática rejeição do público brasileiro, o qual acaba “voando” quando o roteiro de tais longas adentram na linguagem específica de cada um deles. Um exemplo recente foi o de “Um Sonho Possível” (The Blind Side), filme que só teve mais apelo em nossas bilheterias devido à premiação da popular Sandra Bullock com o Oscar de melhor atriz. Entretanto, isso não significa que tais filmes sejam ruins. Vários deles são de boa qualidade, necessitando apenas de boa vontade para superar os eventuais obstáculos que surjam para a devida apreciação da trama.

Um filme que deve seguir o mesmo caminho de “Um Sonho Possível” por aqui é este “O Homem Que Mudou o Jogo”, dirigido por Bennett Miller e protagonizado pelo astro Brad Pitt (que também foi seu produtor). A indicação de Pitt ao Oscar de melhor ator por este trabalho é iminente e muitos consideram provável que chegou a sua vez de ser premiado (talvez agora eles estejam em dúvida, já que o ator perdeu o Globo de Ouro) E há ainda uma vantagem deste sobre o filme protagonizado por Bullock: é um longa superior em qualidade, apresentando um protagonista bem mais tridimensional e que, no fundo, termina se revelando o que mais os ianques detestam ser, ou seja, um “perdedor”, termo que lá possui uma acepção bastante pejorativa.

Roteirizado por Steve Zaillian e Aaron Sorkin (este foi o vencedor do Oscar em 2011 por “A Rede Social”), baseados no livro "Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game", de Michael Lewis, a trama nos mostra a história real de Billy Beane, o gerente do Oakland Athletics, time de beisebol que está mal das pernas. Além de ir mal na última temporada, o time acabou de perder seu melhor jogador, situação que deixa a diretoria do Oakland, principalmente Beane, contra a parede. É necessário fazer algo urgente para que não se tenha mais um ano de fracassos e as alternativas não são boas diante do escasso orçamento. Em visita a um clube rival para negociação de jogadores, Beane encontra um jovem economista (Jonah Hill, com ótima presença), recém-saído de Yale, que possui ideias inovadoras para a formação de um boa equipe. Através de dados estatísticos, ele defende que não é necessário formar um time com os atletas mais caros para ser campeão. É possível vencer contando apenas com jogadores tidos como medianos, os quais podem ter ótimo rendimento e foram deixados de lado devido a contusões ou idade já considerada avançada. É com este time “barato” que Beane tentará tirar o Oakland das últimas posições e levá-lo à disputa do campeonato.


Para os que acompanham esportes, qualquer deles, será um prato cheio observar como funcionam os seus bastidores. Estão lá as brigas internas, disputas de poder entre os dirigentes e entre estes e os técnicos, além de uma clara exposição de como é árduo o caminho para tentar mudar um sistema já arraigado. Beane tem de enfrentar a descrença dos colegas, da mídia (principalmente diante dos primeiros maus resultados) e a falta de profissionalismo de uma parte dos jogadores. Afinal, alguns deles estão escanteados pelo mercado porque não mantêm o foco na profissão ou são mesmo ruins tecnicamente. Destarte, o que torna “Moneyball” um filme além do meramente mediano é justamente ir além destas questões tão somente esportivas. O foco atribuído pelo diretor Bennet é o homem Billy Beane. Antes de ser gerente esportivo, ele é um ex-jogador frustrado por não ter obtido o sucesso esperado na carreira. Seu sentimento de derrota é ainda maior porque ele deixou de lado uma bolsa na universidade de Stanford para seguir como jogador profissional de imediato. Assim, sua investida no Oakland parece a última chance de obter algum sucesso na vida. Ademais, o longa é feliz em fugir de uma fácil armadilha e não atribuir a Billy um comportamento irretocável. Ansioso por vitórias, ele não hesita em demitir alguns atletas esforçados, mas que não vêm obtendo bom rendimento, mostrando uma faceta cruel do meio desportivo.


Alicerçando a força do personagem está a realmente ótima atuação de Brad Pitt, inegavelmente em um dos melhores momentos de sua carreira, fazendo jus ao menos a uma indicação ao Oscar. Contido e sem arroubos, seu Billy soa inteiramente humano, assim como Jonah Hill, simplesmente roubando a cena em algumas passagens. Não é à toa que ele também está cotadíssimo para uma indicação ao prêmio da Academia, já contando também com uma indicação para o Sindicato de Atores de Hollywood (assim como Pitt). Já Phillip Seymour Hoffman não tem muito a fazer como o técnico que desafia as determinações de Billy no comando do time. Outro aspecto que possui força é a trilha sonora (de Mychael Danna), mas é mesmo importante frisar como o diretor Miller jamais deixa o ritmo cair, sabendo envolver os espectador em uma trama que a princípio poderia parecer hermética e chata.

Mesmo que apele em certas passagens para situações clichê (como lançar a ideia de que Billy faz o que faz para não parecer um derrotado diante da filha), “Moneyball” se sustenta como um drama que vai além de um mero passatempo. A despeito de um teor que à primeira vista se mostra fortemente estadunidense, suas questões vão se mostrando, ao longo da projeção, como universais, possibilitando que qualquer espectador possa se identificar com as situações abordadas. “O Homem Que Mudou O Jogo” não irá mudar sua vida (com perdão do trocadilho), mas surge como uma obra lúcida sobre as superficialidades de uma sociedade que insiste em querer dividir seus integrantes entre “vencedores” e “perdedores”.


Cotação:

Nota: 8,5

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Globo de Ouro: O mais chapa branca de todos os prêmios


Não existe prêmio mais chapa branca que o Globo de Ouro. Os integrantes da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood parecem sempre querer agradar a todos, esforçando-se ao máximo para não deixar ninguém sair de mãos abanando da premiação. Isso ficou nítido ontem, na entrega de sua 69ª edição. Seguem os comentários em pílulas.

1) Eles deram o prêmio de melhor filme em drama para “Os Descendentes” e o de melhor filme em comédia/musical para “O Artista”. Por outro lado, deram a Martin Scorsese, por “A Invenção de Hugo Cabret”, o prêmio de melhor diretor e a Woody Allen, por “Meia-Noite em Paris”, o de melhor roteiro (Allen não foi receber, como de hábito). Ou seja, quiseram deixar todo mundo contente;

2) Dar a Scorsese o prêmio de diretor me pareceu uma saída bastante salomônica: ninguém iria contestar;


3) Também ninguém iria contestar o prêmio de roteiro para “Meia-Noite em Paris”;

4) Inventaram que Michelle Williams tinha trabalhado em uma comédia para poder premiá-la. O próprio Seth Rogen, que anunciou o prêmio, registrou que o filme não era exatamente isso;

5) Isso se deve ao fato de que o prêmio de melhor atriz em drama não poderia deixar de ir para Meryl Streep;



6) Falando em Seth Rogen, uma de suas piadas foi melhor do que todas as que Rick Gervais proferiu;

7) Os melhores momentos da noite ficaram por conta dos atores negros. Octavia Spencer foi muito aplaudida pelo Globo de melhor atriz coadjuvante. Mas o mais emocionante mesmo foi ver Sidney Poitieir, uma lenda viva, entregando o prêmio pela carreira a Morgan Freeman. Sensacional!

8) George Clooney é realmente um queridinho da Associação. Basta um filme tê-lo no elenco para concorrer a alguma coisa;

9) Falando nisso, eu achava que o Brad Pitt ia levar o prêmio de melhor ator em drama;


10) Jean Dujardin, vencedor como melhor ator em comédia por “O Artista”, tem um jeitão meio esquisito;

11) Os Weinstein promovem até bombas como o filme de Madonna;

12) O único prêmio relativo à televisão que me lembro é o de Kate Winslet como melhor atriz em filme ou minissérie para TV. Não me perguntem os outros;

Só terminando: ninguém iria contestar também um prêmio dado a um ator querido como Christopher Plummer (melhor ator coadjuvante). É ou não é um prêmio chapa branca? Segue abaixo a lista dos premiados.

Melhor filme - drama: "Os Descendentes"
Melhor filme - comédia ou musical: "The Artist"
Melhor diretor: Martin Scorsese, "A Invenção de Hugo Cabret"
Melhor ator - drama: George Clooney, "Os Descendentes"
Melhor atriz - drama: Meryl Streep, "A Dama de Ferro"
Melhor ator - comédia ou musical: Jean Dujardin, "The Artist"
Melhor atriz - comédia ou musical: Michelle Williams, "Sete Dias com Marilyn"
Melhor ator coadjuvante: Christopher Plummer, "Toda Forma de Amor"
Melhor atriz coadjuvante: Octavia Spencer, "Histórias Cruzadas"
Melhor roteiro: "Meia-Noite em Paris"
Melhor animação: "As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne"
Melhor canção original: "Masterpiece", de "W.E.- O Romance do Século"
Melhor trilha sonora: "The Artist"
Melhor filme em língua estrangeira: "A Separação" (Irã)

domingo, 15 de janeiro de 2012

A lista de Tarantino


Quentin Tarantino divulgou, por meio de seu site "Tarantino Archives", a sua lista com os melhores e piores de 2011. Pela seleção, já dá para dizer que seu voto no Oscar será para "Meia-Noite em Paris" como melhor filme. Não deixa de ser curioso ver as preferências e antipatias de um dos grandes diretores do cinema contemporâneo. Segue abaixo.

Os Melhores de 2011

1. Meia-Noite em Paris (Midnight In Paris)
2. Planeta dos Macacos: A Origem (Rise Of The Planet Of The Apes)
3. O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball)
4. A Pele Que Habito (La Piel Que Habito)
5. X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class)
6. Jovens Adultos (Young Adult)
7. Ataque ao Prédio (Attack The Block)
8. Red State
9. Warrior
10.The Artist / Nosso Irmão Sem Noção(Our Idiot Brother) - Empatados
11. Os Três Mosqueteiros (The Three Musketeers).

Outros filmes citados por Tarantino, sem ordem de preferência:

50%
Beginners
A Invenção de Hugo Cabret (Hugo)
A Dama de Ferro (The Iron Lady)
Carnage
Besouro Verde (Green Hornet)
Lanterna Verde (Green Lantern)
Capitão América (Captain America)
Os Descendentes (The Descendants)
Sete Dias com Marilyn (My Week With Marilyn)
Velozes e Furiosos 5 (Fast Five)
A Árvore da Vida (The Tree Of Life)
Se Beber, Não Case - Parte II (The Hangover Part II)
Missão: Impossível 4 (Mission Impossible 4)
Um Novo Despertar (The Beaver)
Contágio (Contagion)
The Sitter
Cavalo de Guerra(War Horse)

Prêmio Valeu a Tentativa:

Drive
Hanna
Drive Angry
Gigantes de Aço (Real Steel)

Melhor Diretor

Pedro Almodovar
Bennett Miller
Woody Allen
Jason Reitman
Michel Hazanavicius

Melhor Roteiro Original

Meia-Noite em Paris
Jovens Adultos
Red State
Ataque ao Prédio
Nosso Irmão Sem Noção
Beginners

Melhor Roteiro Adaptado

O Homem que Mudou o Jogo
A Pele Que Habito
Carnage
Planeta dos Macacos: A Origem
Hugo Cabret
X-Men: Primeira Classe

Piores Filmes

Sucker Punch
Potiche (Esposa Troféu)
Miral
Sobrenatural (Insidious)
Rampart
Sob o Domínio do Mal (Straw Dogs)
Atividade Paranormal 3 (Paranormal Activity 3)
Meek’s Cutoff

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Quero Ver Novamente #15


"Perfume de Mulher" (Scent of A Woman, 1992) não é um filme perfeito. Pra começar, trata-se de um remake de um longa italiano de 1974 protagonizado por Vitorio Gassman. Ele tem lá seus momentos piegas, principalmente em seu desfecho, quando o personagem de Frank Slade (Al Pacino) faz um discurso em defesa do estudante Charlie Simms (Chris O'Donnell, sumidaço!). Mas não se pode negar que Slade, um militar reformado e cego, é um dos grandes momentos da carreira de Al Pacino. Não foi por acaso que o personagem lhe rendeu o merecido e aguardado Oscar. É impossível não assistir à cena abaixo, quando ele dança "Por Una Cabeza" (música de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera) com uma mulher que acaba de conhecer em um restaurante e não sentir vontade de sair por aí tentando imitar seus passos. Uma cena que merece mesmo o adjetivo de antológica. Sempre um prazer rever.


Scent Of A Woman from Ando on Vimeo.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Restaurando a Película




Neste Mundo e No Outro
(A Matter Of Life And Death, 1946)


De Wim Wenders ao Led Zeppelin


É possível que “Neste Mundo e No Outro” (A Matter Of Life And Death), filme da famosa dupla de cineastas Michael Powell e Emeric Pressburger, seja uma das mais excêntricas produções de todos os tempos. Tivesse sido realizado na década de 60, diria que era um fruto de viagens lisérgicas de seus mentores, pois que algumas de suas concepções visuais, como uma longa escadaria para o céu, parecem tão abstratas e, ao mesmo tempo, lúdicas e inteligentes que acabam guardando mais relação com uma animação como “Yellow Submarine”, dos Beatles, do que com a grande maioria das películas dos anos 40, ainda mais ao lembrarmos do seu poderoso Technicolor. Não acredito que seja por acaso que o Led Zeppelin tomou emprestado o título norte-americano do longa (1), “Stairway To Heaven”, para batizar uma de suas mais famosas canções.

Contudo, há um parentesco próximo entre a produção britânica e uma outra estadunidense, o clássico absoluto “A Felicidade Não Se Compra” (It's A Wonderful Life). Ambos tratam da nossa efemeridade terrena e de como devemos aproveitar da melhor forma o tempo em que estamos aqui, passeando por concepções do além-vida que atribuem a este interferência direta nas ações e realidades humanas. As semelhanças se tornam ainda mais assombrosas quando observamos que tanto o filme da dupla Powell/Pressburger quanto o do mestre Frank Capra foram lançados comercialmente no mesmo ano, 1946, sendo, portanto, possível afirmar que não houve influência de um sobre o outro. Por outro lado, se na estória do George Bailey de James Stewart o foco da narrativa se concentra na tradução de um otimismo que se fazia importante naquele momento de pós-guerra, em “Neste Mundo e No Outro” existe um subtexto político que acaba turvando o seu lado mais humano. Tal vertente se deve em boa parte ao fato de que o longa foi engendrado como uma espécie de peça de propaganda política em defesa das boas relações entre EUA e Inglaterra, as quais andaram meio estremecidas após o fim do conflito mundial. A verdade é que esse teor sociopolítico acaba por diminuir o apelo emotivo que a narrativa poderia apresentar e chega a tornar aborrecido o seu terço final.


Na trama, Peter Carter (David Niven) é um oficial da Força Aérea Britânica que tem o seu avião avariado e, antes de sua queda, estabelece contato via rádio com a controladora de voo June (Kim Hunter). Mesmo que tenham conversado pouco tempo, os dois acabam estabelecendo uma imediata e forte conexão. Peter, estranhamente, mesmo tendo saltado da aeronave sem paraquedas, acaba sobrevivendo e encontrando June. Os dois se apaixonam, mas, no Paraíso, descobre-se que a sua sobrevivência se deveu a um erro burocrático do Condutor 71 (Marius Goring), sendo este então incumbido de retificar a falha e levar Peter para o lugar onde deveria estar. Entretanto, diante de sua paixão, este se recusa terminantemente e apela para um tribunal celestial para que possa ter uma segunda chance e permanecer na Terra. É relevante frisar que, para o entendimento correto do enredo, faz-se necessário observar a frase que surge na tela logo após os créditos iniciais: “esta é a estória de dois mundos, um que conhecemos e outro que existe apenas na mente de um jovem aviador cuja vida e imaginação têm sido violentamente moldadas pela guerra.” Ou seja, ocorre a sugestão de que a trama celestial na tela é a representação que a imaginação de Peter faz do momento de vida ou morte pelo qual está passando, já que terá de se submeter a uma neurocirurgia para continuar vivendo.

As linhas divisórias entre fantasia e realidade, todavia, jamais ficam definidas e nós mesmos, ao longo da narrativa, sentimos dúvidas se o que está se passando é verídico ou imaginário. Um grande mérito do roteiro, em sua maior parte extremamente inventivo e bem escrito, embora o romance quase instantâneo dos casal protagonista pareça pouco verossímil, principalmente diante dos tempos cínicos de hoje. Não se pode negar, no entanto, que o filme funciona muito bem como uma comédia romântica atípica e também como uma fábula a respeito da impotência humana diante do acaso e da morte. A direção de Powell, ademais, é fabulosa, inovadora em diversos aspectos, tanto que, nos primeiros minutos, nem lembramos que estamos assistindo a um filme da década de 40, tamanhos o apuro da fotografia e direção de arte. Algumas de suas ideias, como o uso do Technicolor nas cenas do mundo terreno e do preto e branco para caracterizar o plano etéreo, seriam uma grande influência até para cineastas como Wim Wenders, na sua fotografia para “Asas do Desejo” (Der Himmel Über Berlin, 1987). O uso de imagens “congeladas” também dá um ar de frescor à película, surgindo aqui, curiosamente, como mais um ponto em comum com o supracitado longa-metragem de Frank Capra.


Mas é mesmo quando parte para o lado de “filme de tribunal” que a dupla de cineastas anglo-húngara perdeu a mão, querendo realizar uma espécie de ensaio sobre as velhas rusgas entre a colônia americana e a metrópole inglesa, algo que pode ter soado relevante para o seu o tempo, mas que hoje, como já frisado mais acima, possui um certo sabor anacrônico, tornando as sequências do julgamento um tanto cansativas. Alguns podem fazer a defesa de que temas como a xenofobia, ainda perfeitamente atuais, possuem seu espaço no texto. É verdade, mas a inclusão destes temas de forma tão verborrágica não foi uma ideia feliz dos diretores-roteiristas, pois que o recurso acaba tirando muito da força dramática do desfecho. Além disso, procurar criticar xenofobia apelando para estereótipos, como o do Condutor 71, mostrado como um francês afetado, é no mínimo um grande equívoco. Outro problema é o elenco. David Niven sempre foi um canastrão e Kim Hunter também nunca foi lá muito convincente como estrela de uma produção, o que acaba enfraquecendo o apelo do casal junto ao público (neste aspecto, termina perdendo feio para James Stewart e Donna Reed, brilhantes em “It,s A Wonderful Life”).

Destarte, apesar destes percalços, “Neste Mundo e No Outro” demonstra boa parte do talento de Powell & Pressburger (os quais estão entre os cineastas preferidos de Martin Scorsese, por exemplo), autores inovadores que ajudaram muito o cinema britânico a alcançar um lugar de destaque na produção mundial, já que até então este não possuía o apelo popular de Hollywood e nem tinha reconhecido o apuro artístico do cinema europeu continental (mormente o francês e o alemão). O longa foi bem-sucedido nas bilheterias e pavimentou caminho para sucessos ainda maiores que viriam em seguida, como “Os Sapatinhos Vermelhos” (The Red Shoes, 1948) e “Narciso Negro” (Black Narcissus, 1947). Mesmo não constituindo uma obra-prima como estes, “A Matter Of Life And Death” é uma película que merece ser conhecida pelos cinéfilos de hoje, tanto por ser uma fantasia peculiar, como por seus aspectos imagéticos inventivos e atemporais. O Led Zeppelin que o diga.


Cotação:

Nota: 8,5


(1) O filme ganhou esse título nos EUA por pressão dos executivos norte-americanos. Eles achavam que a palavra “death” do título original faria o filme naufragar nas bilheterias por lá.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Termômetros do Oscar


Esta semana, tivemos a divulgação dos indicados de dois prêmios que são importantíssimos termômetros para o Oscar. O Sindicato do Produtores de Hollywood (Producers Guild Of America) divulgou sua lista e, quase inevitavelmente, serão estes os indicados ao Oscar de melhor filme, documentário e animação. Embora seja possível, dificilmente haverá alguma alteração. Veja a lista abaixo. Os vencedores serão anunciados dia 21 deste mês.

Melhor filme

The Artist
Missão Madrinha de Casamento (hein????)
Os Descendentes
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
Histórias Cruzadas
Hugo
Tudo pelo Poder
Meia-Noite em Paris
Moneyball - O Homem que Mudou o Jogo
Cavalo de Guerra


Melhor longa animado

As Aventuras de Tintim
Carros 2
Kung Fu Panda 2
Gato de Botas
Rango

Melhor documentário

Beats, Rhymes & Life: The Travels of A Tribe Called Quest
Bill Cunningham New York
Project Nim
Senna (Que legal o "Senna" aqui!)
The Union


E também tivemos a lista de indicados para os prêmios de melhor roteiro (original e adaptado) pelo Sindicato dos Roteiristas (Writers Guild). Neste caso, talvez o termômetro não seja tão bom, pois há diferenças nos critérios do Sindicato e da Academia de Hollywood. Mas não deixa de ser um indicador importante. Observe que na categoria de roteiro original, há uma predominância de comédia (tomara que dê Woody Allen!). Veja a lista.

Melhor Roteiro Original

50% (de Will Reiser)
Missão Madrinha de Casamento (de Annie Mumolo e Kristen Wiig)
Meia Noite em Paris (de Woody Allen)
Ganhar ou Ganhar: A Vida é um Jogo (de Tom McCarthy e Joe Tiboni)
Jovens Adultos (de Diablo Cody)

Melhor Roteiro Adaptado

Os Descendentes (de Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash)
Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (de Steven Zaillian)
Histórias Cruzadas (de Tate Taylor)
A Invenção de Hugo Cabret (de John Logan)
O Homem que Mudou o Jogo (de Steven Zaillian e Aaron Sorkin).



Por último, gostaria de deixar registrada uma revolta da minha parte. Quem acompanha o blog há tempos, sabe do meu inconformismo com os exibidores de Natal, sempre propensos a deixar o lixo comercial tomar conta das salas. Pois bem, esta semana eles se superaram. "Cavalo de Guerra", um dos possíveis indicados ao Oscar, não terá sua estreia em Natal neste fim de semana. Às vezes, até dá para entender que um filme como "A Árvore da Vida" não tenha sido exibido por cá, mas o que dizer de um filme Steven Spielberg, o diretor mais famoso do mundo? Enquanto isso, "Alvin e Os Esquilos 3" está lá com suas salas reservadíssimas. Literalmente, essa foi dose pra cavalo...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Filmes Para Ver Antes de Morrer




Johnny Guitar
(Idem, 1954)


O Oeste das mulheres


Não se engane com o título deste longa-metragem de 1954 dirigido por Nicholas Ray, hoje um dos mais cultuados cineastas da Hollywood dos anos 50. O filme não tem como personagem central o pistoleiro-violonista interpretado por Sterling Hayden que chega a um lugarejo esquecido por Deus em que nem mesmo existe ainda uma estação de trem. O centro da narrativa encontra-se em Vienna (a estrela Joan Crawford), ex-namorada de Johnny e agora dona de um misto de saloon e cassino quase entregue às moscas, tendo a esperança de ver os negócios melhorarem com a possível chegada da ferrovia. Para se manter estabelecida na localidade, contudo, ela tem de enfrentar a oposição de Emma Small (Mercedes McCambridge), uma fazendeira manda-chuva cheia de ódio e ressentimento porque o homem que ama, Dancin' Kid (Scott Brady), não retribui seu sentimento e é, em verdade, apaixonado por Vienna. Enquanto esta é admirada e desejada pelos homens da cidade, Emma sente-se a rejeitada e nutre desejos de vingança. Vienna então contrata o antigo amor, Johnny “Guitar” Logan, para ajudá-la a enfrentar os obstáculos que surgirão para continuar com seu empreendimento.

Vê-se, já de antemão, que esta é uma obra bastante passional, em que as ações dos personagens são norteadas por amores e ciúmes, uma espécie de western-romance-tragédia singular e talvez nunca repetido na história da Sétima Arte. Não por acaso, era um dos filmes preferidos de François Truffaut e Ray foi um dos cineastas mais amados pelos nomes da Nouvelle Vague. E não impunemente. Afinal, uma das medidas do talento e da genialidade de um artista é a capacidade que tem a sua obra de manter-se atual mesmo depois de décadas de sua confecção. No caso, “Johnny Guitar” não somente se manteve atual como também esteve mesmo à frente do seu tempo, apresentando um modelo de comportamento feminino que só iria se tornar mais comum umas três décadas depois. Tanto Vienna quanto Emma são mulheres fortes e independentes ao redor das quais giram os tipos masculinos da narrativa, os quais parecem estar ali apenas para servi-las. A diferença entre as duas está no bom coração da primeira. Ou seja, o filme não envelheceu absolutamente nada. Pelo contrário, é até mais verossímil hoje do que quando do seu lançamento. Por outro lado, além desse seu lado “feminista”, digamos assim, há um subtexto político anti-Macarthismo presente na trama, mormente por meio do personagem de Turkey (Ben Cooper) que é obrigado à delação diante de uma verdadeira caça às bruxas promovida por Emma e asseclas. Situação similar foi vivida realmente pelo ator Hayden diante do malfadado comitê de atividades anti-americanas que aterrorizava artistas e intelectuais à época.


Outro aspecto marcante da película são os seus diálogos (aliás, uma constante nas obras de Ray), que atingem os personagens e os espetadores de maneira bem mais certeira que os tiros dos rifles e revólveres. Várias são as frases antológicas do longa, como a de que “um homem precisa apenas de um bom cigarro e um copo de café” ou “depois do incêndio costumam restar somente as cinzas” (proferida por Vienna ao se reportar ao seu antigo amor por Johnny). Escrito por Philip Yordan baseado no romance de Roy Chanslor - e com a participação não creditada de Ben Maddow, que fazia parte da lista negra do FBI (reforçando a perspectiva de crítica à perseguição dos comunistas) - o roteiro realmente é ímpar e capaz de levar os espectadores a passar horas apenas apreciando o brilhante jogo de palavras (como hoje muitos costumam fazer com os filmes de Quentin Tarantino). É claro que para o texto fluir de maneira eficiente é necessário um elenco competente e é isso que se vê na tela. Nem parece que ocorreram tantos atritos nos bastidores da filmagens, uma vez que Crawford e McCambridge também não se davam bem na vida real e tal circunstância fez com que elas se evitassem ao máximo nas gravações. Pensando bem, talvez seja até por essa antipatia mútua que tenha resultado uma rivalidade tão verossímil na projeção, com as duas atrizes entregando ótimas interpretações.


Outra vertente em que Ray subverte o gênero é na utilização das cores. Normalmente, o Western privilegia as paisagens como foco da fotografia, destacando a imensidão da natureza frente à insignificância dos homens como forma de acentuar ainda mais a coragem e persistência destes (John Ford foi um mestre nesse quesito). Aqui, entretanto, Ray, usando da tecnologia denominada Trucolor (que dava mais destaque ao colorido na captação das imagens), privilegiou as cores dos figurinos, geralmente fortes e contrastantes, os quais, em boa medida, traduzem os sentimentos dos personagens. Memorável a cena em que Emma e seu grupo, todos trajando preto, invadem o saloon como abutres procurando uma presa e encontram Vienna com um vestido inteiramente branco em contraste com a parede rochosa e vermelha ao fundo. Uma cena de acabamento barroco belíssima e memorável. Além disso, Ray privilegia aqui os cenários interiores, com longas sequências se passando em ambientes fechados – logo nos primeiros momentos, inclusive, temos uma bastante extensa (mas jamais cansativa) em que somos apresentados a todos os personagens e tomamos pé das situações, em um verdadeiro show de concisão e clareza de roteiro e edição.

Realizado com orçamento limitado pelos estúdios Republic (que iriam à falência 4 anos depois), “Johnny Guitar” revela-se um dos faroestes mais atípicos já filmados, tanto na forma como no conteúdo, estando bastante à frente do seu tempo, como já salientado, o que inevitavelmente já o coloca entre os melhores representantes do gênero. Seu resultado é tão belo quanto sua canção tema, composta por Victor Young e Peggy Lee (esta também intérprete), música que põe a cereja no bolo desta obra impecável do fantástico Nicholas Ray, um diretor que hoje costuma ser muito lembrado por seu trabalho em“Juventude Transviada” (Rebel Without a Cause, 1955). Eu, particularmente, considero este western não tão famoso até superior ao drama protagonizado pelo mítico James Dean, longa que hoje me parece um pouco datado. “Johnny Guitar”, inversamente, com suas mulheres fortes e homens apaixonados, parece ter sido feito ontem.


Cotação e nota: Obra-prima.