domingo, 29 de agosto de 2010

Karatê Kid




Kung-fu muito kid


Quem foi garoto (a) nos anos 80 certamente tem em “Karatê Kid – A Hora da Verdade” uma de suas mais caras memórias cinematográficas. Eu mesmo perdi as contas de quantas vezes assisti ao longa e de quantas tentativas realizei procurando imitar o famoso golpe da garça. Protagonizado por Ralph Macchio e pelo saudoso Pat Morita, o filme mostrava um adolescente, Daniel, que mudava de cidade com sua mãe e lá tinha as tradicionais dificuldades de adaptação. Além disso, passa a ser a vítima preferida dos valentões da redondeza, apanhando diariamente de uns certos praticantes de karatê que usavam a arte marcial para o lado negro da força, até que um dia ele é salvo pelo Sr. Miyagi, um japonês sisudo que depois lhe ensina o karatê através de métodos bastante peculiares. Tudo acaba por culminar em um torneio em que Daniel-San enfrenta seus rivais das ruas.

Décadas depois, o popular e poderoso Will Smith tem a ideia de fazer um remake do clássico oitentista para servir de veículo para o seu filho, Jaden Smith. Dirigido por Harald Zwart (um diretor sem nada muito expressivo no currículo), o projeto gerou controvérsia desde o princípio por alterar a arte marcial praticada pelo protagonista: saiu o karatê, entrou o kung-fu, o que já torna o título meio estranho (não é à toa que o título foi alterado na China para “Kung-fu Kid”). Além dessa, outras alterações são marcantes. Dre Parker (o novo nome do protagonista, interpretado obviamente por Jaden) muda não apenas de cidade, mas de país, acompanhando sua mãe (Taraji P. Henson, indicada ao Oscar por “O Curioso Caso de Benjamin Button”) até a China. Ou seja, já sentimos aqui a força da globalização e da presença cultural da economia que mais cresce no mundo hoje (afinal, negócios são negócios...). Descobrimos, assim, que o bullying parece mesmo ser uma prática que transcende fronteiras, já que Dre passa a apanhar sistematicamente dos praticantes de kung-fu da sua escola. É aí que entra o Sr. Han (Jackie Chan, o astro oriental mais famoso da atualidade) para salvá-lo e ensiná-lo a se defender (substituindo o Miyagi de Morita).

Outra mudança, talvez a mais significativa delas, seja a idade do personagem central. Dre tem apenas 12 anos, ou seja, praticamente uma criança, enquanto que Daniel-San tinha lá os seus 16, 17 anos. Confesso que é bastante estranho ver crianças lutando como adultos, além das cenas explícitas de violência envolvendo as mesmas. Mais um exemplo da hipocrisia da sociedade americana, extremamente conservadora com relação a outros aspectos, mas que libera violência para todas as idades. É até esquisito, na cena em que o Sr. Han salva Dre de seus perseguidores, vê-lo lutando com rapazes que ainda estão mais para moleques... Além disso, muitos golpes e sequências se tornam até inverossímeis devido à pouca idade de seus participantes. Essa questão, inclusive, faz com que a faixa etária alvo do filme também seja mais reduzida, o que acaba se refletindo no seu aspecto mais pueril do que o original, além de caracterizações adequadas a tal público, como a do torneio final, que lembra muito games como “Street Fighter”.

Mas não se pode negar que o filme também tem seus acertos. Jaden Smith mostra que pode ter um belo futuro, não apenas por ser filho de quem é. Ele realmente se dedicou ao papel com muito empenho, como se percebe nas cenas de treinamento, e chega mesmo a surpreender em outras de cunho mais dramático. Jackie Chan também se apresenta bem, muito embora o seu Han não tenha o mesmo impacto do misterioso Miyagi de Morita. Por outro lado, ele já apresenta uma tridimensionalidade que Miyagi só iria desenvolver melhor no segundo episódio da série original. Vale ressaltar ainda que as cenas de luta foram bem coreografadas e a utilização de cenários turísticos chineses em diversas cenas é de encher os olhos. Contudo, como já vem sendo comentado por muitos na internet, o golpe da garça de Daniel possuía, deveras, uma força muito maior, pois que ele treinava o golpe ao longo de boa parte da narrativa, enquanto o golpe final de Dre, a despeito de plasticamente bonito, não oferece ao espectador a sensação de “recompensa” tão presente no original.

No fim, a sensação é aquela que acompanha 90% dos remakes, qual seja, a ausência de necessidade, mesmo que seja sob a justificativa de atualizar a obra para um novo público. É certo que o filme entretém, prende a atenção (apesar de ser um pouco longo) e está indo bem nas bilheterias, mas é desnecessário. Além disso, ver crianças trocando sopapos nunca é algo positivo, mesmo que os garotos de hoje vivam nestes embates por meio dos videogames. Entretanto, não nego: se ainda tivesse meus 12 anos (“quem me dera voltar a tê-los”), possivelmente sairia da sala de cinema empolgado... ;=)


Cotação:

Nota: 7,0

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Quero Ver Novamente # 5

Recentemente, "O Império Contra-ataca" foi escolhido, em uma pesquisa britânica, como a melhor sequência da história do cinema. Vasculhando o Youtube, encontrei esta pérola de cena, na dublagem original em português (muito melhor do que a atual), cena esta reprisada na minha mente de garoto quase ao infinito. Confiram abaixo, mais uma vez, a mais do que clássica revelação da série, certamente um dos grandes momentos da 7ª arte!


domingo, 22 de agosto de 2010

Para Ver Em Um Dia de Chuva



Tudo Que O Céu Permite
(All That Heaven Allows)



Hipocrisia atemporal


É sempre interessante constatar como alguns filmes, apesar de produzidos há algumas décadas, não envelhecem. A despeito de alguns elementos que aparecem datados, suas temáticas centrais permanecem firmes e atuais, talvez como um perfeito registro de que a humanidade tem mesmo enorme dificuldade em superar certas limitações. É o caso de “Tudo Que O Céu Permite”, longa-metragem de 1956 dirigido por Douglas Sirk e por muitos considerado seu melhor trabalho.

Egresso do teatro, Sirk (cujo nome verdadeiro era Detlef Sierk) fez parte da onda de artistas europeus que emigraram para os EUA durante a Segunda Guerra Mundial (tal como Fritz Lang, ficando apenas em um outro exemplo mais famoso), fugindo do nazismo, pois que sua esposa era judia. Dono de uma veia emotiva forte, sua obra foi por muito tempo considerada excessivamente melodramática, feita para o público feminino mais sensível se acabar em lágrimas. Apenas em meados da década de 70, ela começou a passar por uma revisão e pela percepção de que estava recheada de crítica social, talvez com o melodrama sendo usado apenas para fazer do filme um produto mais vendável.

“Tudo Que O Céu Permite” parece se inserir perfeitamente nesta afirmação. A trama mostra Cary Scott, uma simpática e bonita viúva de classe média alta, interpretada por Jane Wyman (a qual já trabalhara com Sirk anteriormente), com dois filhos já em idade universitária que costumam visitá-la nos fins de semana. Ned (William Reynolds), o mais velho, parece um esboço do que seria mais tarde conhecido como um “yuppie”, enquanto Kay (Gloria Talbott), a filha mais adolescente, tem uma aura de intelectual afeita às teorias psicanalíticas de Freud, inclusive incentivando a mãe a casar-se novamente. Apesar de cortejada por homens “bem estabelecidos” socialmente, Cary acaba se apaixonando por seu jardineiro, Ron Kirby (Rock Hudson), 15 anos mais jovem.

É aí que sobe o tom crítico às hipocrisias do “american way of life”, tão presentes nestes meios tipicamente ianques. Cary sofre o preconceito e maledicência de uma comunidade que não aceita uma mulher casar-se com um homem de classe social inferior e, de quebra, ainda bem mais jovem. Até mesmo seus filhos se colocam contra o matrimônio tão logo descobrem quem é o pretendente, havendo um enfoque especial na filha adepta de teorias elaboradas sobre o comportamento humano, mas que acaba apresentando grande dificuldade em colocá-las em prática.

Interpretado com muita competência tanto por Wyman quanto por Hudson (bom lembrar a origem teatral de Sirk, o que logicamente lhe dava uma ótima direção de atores), o casal de protagonistas fisga o público, que passa a torcer pelo amor entre os dois. Contudo, não de pode negar que há um certo tom de novela das 6 na trama, cujas cenas finais chegam mesmo a descambar para o kitsch. Claro que o culpado pela banalização de determinadas soluções não está no longa, mas em toda a profusão de telenovelas que este tipo de projeto inspirou ao longo dos anos. Mas não se pode negar que tais circunstâncias acabam deixando o filme datado em alguns aspectos. Tais aspectos datados, vale destacar, não se limitam a pontos do roteiro. O deslumbre com o Technicolor, por exemplo, transborda em algumas imagens e cenários, especialmente concebidos para agradar a um público que ainda se impressionava com o uso de cores vivas na tela (algumas cenas parecem remeter a paisagens dignas de quadros impressionistas). Por outro lado, não se pode negar que Sirk foi feliz em contrapor o meio rural onde vive Ron, representando os verdadeiros desejos de Cary, ao meio urbano representativo dos artificialismos que a oprimem.

Inspirando vários diretores posteriores, como o alemão Reiner Werner Fassbinder, este longa encontrou ecos até mesmo em obras já do século XXI, como “Longe do Paraíso”, de Todd Haynes, ou até mesmo “Foi Apenas Um Sonho”, de Sam Mendes, muito embora este último possua uma visão menos otimista (inclusive “Na Natureza Selvagem”, de Sean Penn, traz alguns traços que remetem, mesmo que de forma tênue, a este clássico). E é exatamente pela sua essência atemporal que ele merece ser visto. Os 89 minutos de sua exibição (filme bastante enxuto, portanto) já são suficientes para percebermos que, no fundo, a sociedade pouco mudou ao longo destas décadas.


Cotação:

Nota: 9,0

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Michael Douglas pode perder a voz


Esta semana, tivemos a notícia de que Michael Douglas, de 65 anos, está acometido de um câncer na garganta. Infelizmente, hoje tivemos uma notícia ainda mais preocupante: o ator corre o risco de perder a voz. É o que afirmou o jornal britânico "Daily Mail" nesta quarta-feira, 18/08. Segundo a publicação, o tumor encontra-se em estágio avançado.

O tabloide relata que Michael vai iniciar o tratamento de quimioterapia e radioterapia já na semana que vem. As sessões devem durar cerca de oito semanas e têm como principal objetivo evitar uma cirurgia em sua laringe. A internação, ainda segundo o jornal, será em um hospital de Nova York.

Caso não surta efeito, a alternativa pode ser uma laringectomia. O método pode deixar o ator com a voz bastante alterada, ou mesmo perdê-la. Caso o tratamento seja bem sucedido, as chances de sobrevivência de Michael são de 60% para os próximos 5 anos. Ou seja, as chances de insucesso são elevadas o que deixa todo o público cinéfilo bastante preocupado.

domingo, 15 de agosto de 2010

O Segredo dos Seus Olhos



Razão e sensibilidade


Este ano, com a vitória do cinema argentino no Oscar, recebendo o prêmio de melhor filme estrangeiro, levantou-se a questão na Terra Brasilis sobre a competência dos hermanos em realizar obras e cinematográficas em contraposição à nossa incapacidade genética para tanto. Sem querer adentrar no mérito desta discussão (até porque ela acaba revelando pouca memória com relação aos nossos méritos), é importante lembrar que um dos motivos para atacar a produção brasileira seria sua obsessão com alguns temas, os repetidos pobreza-favela-violência, seca-miséria-Nordeste ou ainda ditadura-violência-memória. Se há parcela de verdade nesta afirmação, ela esconde, por outro lado, o quanto os argentinos também são apegados a certas temáticas. A ditadura militar é um osso que definitivamente eles não largam e “O Segredo dos Seus Olhos”, o tal vencedor do careca dourado este ano, é mais um da extensa lista de filmes portenhos dedicados ao assunto.

Dirigido por Juan José Campanella e protagonizado por Ricardo Darín (a mesma dupla de “O Filho da Noiva”), o filme, em essência, trata da possibilidade de punição aos responsáveis pelos horrores do regime militar, jamais esquecidos pelo povo hermano, possibilidade esta aprovada pela Suprema Corte argentina e que vai em sentido contrário à recente decisão do nosso Supremo Tribunal Federal vedando tal objetivo (alguém já disse que a nossa elite é a pior do mundo, o que parece mesmo ser verdade). A diferença das escolas argentina e brasileira de cinema reside, antes de tudo, na forma de abordagem, uma vez que nossos amigos parecem ter o bom senso de não transformar seus longas em panfletos, preferindo formas metafóricas para atingir o mesmo objetivo.

Aqui, o roteiro (escrito por Campanella e Eduardo Sacheri, baseado no livro deste último), mostra o policial Benjamín Espósito (Darín) buscando elucidar o assassinato bárbaro de uma bela mulher, depois de ser estuprada. Para tanto, ele tem a ajuda de seu amigo alcoólatra Pablo Sandoval (Guillermo Francella), além da bela promotora de justiça Irene (Soledad Villamil), pela qual nutre um amor nunca revelado. A investigação do crime acaba se transformando em verdadeira obsessão, principalmente depois que Espósito se aproxima do viúvo (Pablo Rago), um homem que nutria um amor invejável pela esposa e que agora vê sua vida transformada em um imenso vazio. Ou seja, o roteiro substitui o crime político pelo crime comum, mas o questionamento realizado é o da necessidade de se punir crimes impunes. E, claro, sempre é muito inteligente falar de política sem aparentemente fazê-lo, mesmo que o público argentino seja bem mais politizado que o brasileiro (provavelmente o mais despolitizado do planeta Terra). Nesse intuito, a inclusão do subtexto amoroso é muito feliz. As cenas que envolvem Espósito e Irene são marcantes, donas de uma sensibilidade de fazer inveja a muito filme romântico por aí. E se em minha crítica sobre “A Origem” mencionei que o filme investe excessivamente em nosso lado lógico-racional, fazendo com que as cenas mais emocionais acabem perdendo força, Campanella sabe perfeitamente equilibrar as duas vertentes, levando o espectador à reflexão ao mesmo tempo em que pode fazê-lo até mesmo chorar.

Além de uma direção de arte primorosa, o longa é belissimamente fotografado. Mesmo que muitas das cenas se passem em ambientes burocráticos, há um plano-sequência em um estádio de futebol que atesta a nossa incapacidade de filmar com presteza o esporte que é uma das grandes paixões do nosso povo. Memorável, consegue traduzir em imagens toda a paixão argentina em poucos minutos e de forma extremamente elegante. Por sinal, e falando em paixão, o filme nos coloca diante da ideia de que jamais podemos fugir de nossas paixões, premissa inteligente, verdadeira e que é muito bem utilizada pela narrativa. A sua conclusão, ademais, evoca este mote, inserindo-o no contexto político de forma impecável, talvez apontando que o povo argentino, tal como não pode fugir de sua paixão futebolística, tão pouco poderá fugir do desejo e necessidade de que os fantasmas de seu passado sejam expurgados, da mesma forma que um homem não pode fugir do amor que sente por uma mulher. Campanella parece afirmar que o Estado precisa fazer o seu papel para que finalmente o povo argentino possa enterrar seus mortos e seguir em frente. Uma sofisticada alegoria que realmente nos faz concluir que o Oscar ficou em boas mãos. E que talvez o grande problema do cinema brasileiro não seja sua obsessão com certos temas, mas a forma como os mostra para o espectador. Afinal, inteligência e sensibilidade, ingredientes que transbordam neste “O Segredo dos Seus Olhos”, sempre serão bem-vindas.


Cotação:

Nota: 10,0

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Eu quero esse pôster # 9


A série "Eu Quero Esse Poster" teve uma edição recente, mas este poster de "A Origem" , criado pelo norte-amerivano Trent Walton, é tão interessante que me entusiasmou.

domingo, 8 de agosto de 2010

A Origem

Novos Tempos em Hollywood


Há alguns meses, levantei o questionamento de que “Avatar” seria uma verdadeira revolução na sétima arte, como foi alardeado quando do seu lançamento. Na época, respondi que só o tempo diria. Bem, o tempo passou e, cada vez mais, percebemos que o filme de James Cameron não operou “revolução” nenhuma. Apesar de seus efeitos visuais e sua novidadeira tecnologia 3D, o filme dos elfos azuis, com seu roteiro destituído de originalidade e inteligência, mostra-se cada vez mais banal e esquecível (acredito que hoje que não atribuiria a nota 9, a qual atribuí então). Não é uma mera novidade tecnológica que fará um filme tornar-se bom ou não. Fosse assim, “O Cantor de Jazz”, primeiro longa-metragem falado, poderia entrar no top 10 de todos os tempos. Uma verdadeira revolução se empreende antes de tudo com ideias, e não com fogos de artifício.

Talvez a grande “revolução”, se é que podemos definir desta forma, levada a cabo em Hollywood nos últimos anos venha sendo empreendida por Christopher Nolan, um diretor que transforma enredos aparentemente banais em algo mais complexo. Foi assim com a desconstrução realizada em “Amnésia”, provando a tese de Jean-Luc Godard de que um filme precisa ter “começo, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem”. Fosse narrado na ordem cronológica, o longa cairia na banalidade. Bastou alterar esse elemento, a cronologia narrativa, para a trama assumir novos contornos (embora o longa seja criticado por muitos por, segundo eles, resumir-se a uma experiência meramente formalista). Algum tempo depois, Nolan nos presenteou com “O Cavaleiro da Trevas”, mostrando que um filme de super-herói poderia ir muito além de uma mera encenação de mocinhos contra vilões, e isso conseguindo agradar plenamente aos fãs do Morcego, já que permaneceu bastante fiel ao material que lhe deu origem. O diretor colocou explícita a tese de que heróis e vilões em muito se assemelham, em diversos momentos diferindo apenas na maneira de reagir diante das circunstâncias. Batman e Coringa (que falta faz Heath Ledger) são duas faces da mesma moeda, faces estas encarnadas até mesmo por um mesmo personagem no longa, o Duas-Caras, ótima representação deste conflito em uma figura cinematográfica.

E, agora, eis que surge novamente Nolan com este seu “A Origem”, consolidando-se definitivamente como um diretor-autor. Interessante notar como aqui ele parece querer realizar uma nova “desconstrução”. Mas não uma desconstrução na ordem dos acontecimentos mostrados, como no mencionado “Amnésia”. O que se pretende aqui é operar uma revisão da veracidade do que é visto na tela. Afinal, sabe-se que o cinema procura vender como verdade aquilo que fotografa. Daí ser necessário realizar o que se costuma chamar de “suspensão da descrença”, ou seja, fazer com que o espectador, por mais inverossímeis que sejam os fatos filmados, acredite que os mesmos possam realmente acontecer, pelo menos durante os minutos da exibição (o que nem sempre é fácil). “A Origem” trabalha justamente na contramão desta ideia. Sabe-se, desde o início, que as circunstâncias exibidas não são reais porque se passam em sonhos. Paradoxalmente, contudo, continuamos a temer pelo destino dos personagens.

A trama do longa, entretanto, não é exatamente original. Nela, Don Cobb (Leonardo DiCaprio) é o líder de um grupo que realiza “extrações”, ou seja, retiram informações importantes da mente de uma pessoa enquanto ela está sonhando, penetrando em seu inconsciente através de um sistema de compartilhamento de sonhos. É então que o empresário Saito (Ken Watanabe) o contrata para realizar não uma extração, mas a inserção de uma ideia na mente de um rival empresarial (Cillian Murphy, um contínuo colaborador de Nolan). É perceptível, assim, que alguns elementos são mesmo similares a “Matrix” e ao referido “Avatar”, como o conceito de viver em uma outra realidade a partir de conexões com aparelhos específicos. Além disso, o longa não deixa de fugir de alguns esquemas dos filmes de “assalto”, apresentando a quadrilha e as características de seus integrantes. Até mesmo a concepção de uma existência paralela dentro dos sonhos já havia em “A Hora do Pesadelo”. Pode-se afirmar, ademais, que ninguém filmou sonhos com mais propriedade do que Federico Fellini em seu clássico absoluto “8 ½”, ou ainda Akira Kurosawa, com seu soberbo “Sonhos”. Mas não se pode negar a ousadia de Nolan em realizar uma obra que praticamente se passa inteira em ambientes oníricos dentro do esquema blockbuster de Hollywood. E qualquer ousadia dentro do sistema do cinema comercial se torna ainda mais relevante. O próprio DiCaprio chegou a declarar, em entrevistas, que o elenco muitas vezes também não tinha noção do que estavam filmando, de como determinada cena iria se encaixar no todo, o que se só demonstra o quanto Nolan queria mesmo fugir do esquemão hollywoodiano de realizações.

Por outro lado, um dos aspectos mais interessantes e originais de “Inception” (“Inserção”, título original que destoa bastante do abstrato “A Origem”) está na sua concepção visual. Em outras ocasiões, já mencionei que cinema é imagem e a força imagética deste longa é mesmo estonteante. Algumas sequências estão destinadas a fazer parte da história do cinema e nem vou me deter muito neste aspecto para não correr o risco de estragar qualquer surpresa para aqueles que ainda não viram o filme. Força imagética esta muito bem amparada pelo elenco, bastante homogêneo na competência de atuação. DiCaprio, por sinal, apresenta um personagem dotado de muitas semelhanças com aquele que interpretou no recente e ótimo “Ilha do Medo”, perseguido por traumas do passado, relativos à morte de sua esposa (aqui interpretada pela bela e talentosíssima Marion Cotillard). Ainda temos o prazer de ver Ellen Page, com sua arquiteta Ariadne, fugir do seu estigma de “Juno”. Em contrapartida, a trilha do tarimbado Hans Zimmer, a despeito de inspirada e bem orquestrada, se faz tão onipresente que acaba por não diferenciar os momentos mais ou menos importantes. Parece que estamos sempre no clímax da projeção. Aliás, se outro defeito podemos por no longa é que, devido ao fato de ser muito racional, o lado emocional acaba por demais amortecido, fazendo com que algumas cenas que deveriam despertar emoções mais intensas acabam não funcionando tão bem.

Mas a grande jogada de Nolan é mesmo o seu final em aberto, coisa rara não apenas no cinema atual, mas no próprio cinema americano, sempre afeito a conclusões mastigadinhas para o público. E é isso, exatamente, que fará de “A Origem” um filme que não será facilmente esquecido. A conclusão joga o espectador para diversas possibilidades e até mesmo para a hipótese, já debatida na internet, de que a pretensão do diretor era fazer um filme dentro de um filme (o que lhe traria ainda mais semelhanças com o “8 ½” de Fellini). E é aqui que retomo a ideia de “revolução”, ao menos dentro do esquema do cinema comercial. Com suas obras, Cristopher Nolan está fazendo as massas pensarem e pensar é algo a que o público do cinema-pipoca não está acostumado. Não há nada mais salutar do que fazer as pessoas saírem da sala debatendo sobre o real significado do que viram, algo que certamente acontece com todos os que conferiram “A Origem”. Se essa tendência passar a ser adotada por outros cineastas e produtores de Hollywood, podemos estar diante de um novo tempo no cinema. Tomara que esta expectativa se confirme.


Cotação:

Nota: 9,5

sábado, 7 de agosto de 2010

Eu quero esse pôster # 8


É interessante com o poster de "Crash" é bem melhor do que o filme...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Suso Cechi D'Amico: 1914 - 2010


Só agora fiquei sabendo da notícia de que a roteirista italiana Suso Cechi D'Amico (também conhecida como Giovanna Chechi), colaboradora favorita do gênio Luchino Visconti e uma das mentes basilares do neo-realismo, faleceu neste último sábado, 31 de julho, em Roma, aos 96 anos.

Nascida na capital italiana em 21 de julho de 1914 e filha do escritor Emilio Cecchi, colaborou ao longo de sua carreira em mais de cem filmes com os cineastas mais importantes do cinema da italiano (e, por consequência, do cinema mundial), como Roberto Rosselini, Vittorio de Sica e Federico Fellini.

Seu currículo é nada menos que impressionante, fazendo parte dele, por exemplo, "Roma, Cidade aberta", "Irmão Sol, Irmã Lua" (de Franco Zeffirelli) e "Ladrões de Bicicleta". Mas foi mesmo com Visconti sua maior parceria, participando de quase toda a obra do famoso diretor, como em "Rocco e Seus Irmãos " e "O Leopardo"!!! Preciso dizer mais alguma coisa?

domingo, 1 de agosto de 2010

Salt



Quem é Salt? É Angelina Jolie!


Ao longo da história do cinema, um dos elementos da arte/indústria sempre se mostrou essencial: a figura da estrela/astro, capaz de levar muitos espectadores para as salas de exibição. Tal fator, inclusive, foi criado pelo próprio público, que passava a exigir determinados atores para os papeis, seja por competência ou pela beleza (ou, em alguns casos, ambos juntos). Na realidade, essa cultura das estrelas nunca foi agradável para produtores ou diretores, já que para contar com elas estes têm de pagar cachês altíssimos ou aturar seus egos freqüentemente inflados e personalidades infantis.

Talvez devido à superexposição que as celebridades desfrutam hoje em dia contribua para um certo declínio desta cultura. Afinal, várias delas estão presentes em vários meios, seja por meio da TV, jornais, revistas, internet etc. Muitas vezes já estamos tão fartos de suas imagens que não nos animamos a ir vê-las na sala escura. E isso pode trazer até um lado positivo, já que a exigência por tramas inteligentes acaba por suplantar a presença de astros como fator de bilheteria. Ademais, este excesso de exposição também projeta para o grande público certos aspectos negativos da personalidade dos artistas que antes eram mais facilmente escondidos, o que acaba por gerar antipatia em muitos (como no caso atual de Mel Gibson).

Angelina parece ser uma das poucas estrelas que escaparam desta sina. Conseguiu fazer as plateias esquecerem sua derrapada ao “roubar” Brad Pitt de sua ex-esposa, Jeniffer Aniston (aquela desculpa de que o casamento já ia muito mal nunca colou muito), com suas ações humanitárias (copiadas várias outras celebridades) e a vida de mãe dedicada. Tanto isso é verdade que este novo lançamento com o seu nome, “Salt”, em cartaz desde sexta-feira no Brasil, foi bem nas bilheterias americanas, ao contrário de “Encontro Explosivo”, com Tom Cruise, astro que, pelas constantes micagens públicas, parece mesmo ter entrado em desgraça com o público dos EUA (a arrecadação do filme foi bem abaixo do esperado por lá). Interessante que são produções que se situam dentro de um mesmo padrão de ação quase ininterrupta, podendo-se ainda levantar mais a bola do filme Cruise-Diaz pela presença neste de um bom-humor agradável.

Curiosamente, a personagem interpretada por Jolie no longa, Evelyn Salt, havia sido concebido primeiramente para Cruise, que acabou desistindo para assumir “Encontro Explosivo”. Mudou-se apenas o gênero e o roteiro já estava pronto. Ela é uma agente da CIA que acaba sendo acusada de na realidade ser uma espiã russa com a incumbência de assassinar o presidente da Rússia e, assim, acabar gerando uma guerra nuclear. Como resta claro, há clichês na premissa, mas também é verdade que todos os filmes de espiões têm alguns clichês em sua estrutura básica, quase sempre demonstrando aquela peculiar visão dos ianques sobre o resto-do-mundo (ou seja, dominado por potenciais inimigos desumanos). Há muito da saga de Jason Bourne tanto na premissa quanto no estilo (além de outros elementos que lembram “Sob o Domínio do Mal” - clássico de John Frankenheimer). Contudo, toda as histórias já foram contadas,o que difere é a maneira de contá-las. E a forma com que a trama de “Salt” é contada, se não é das melhores, ou mesmo inovadora, também não está entre as piores.

O diretor Phillip Noyce conduz bem o longa, jamais deixando o ritmo cair. Aliás, o filme funciona no sistema corrida de 100m, ou seja, em um fôlego só, rápido e sem pausas para a respiração. Oscila apenas na qualidade das sequências de ação, algumas boas e outras realizadas naquele estilo “Transformers”, onde ninguém sabe exatamente o que está acontecendo. A trilha sonora, apesar de invasiva em alguns momentos, também funciona muito bem, ajudando a criar o clima de constante tensão. O roteiro, ademais, se mostra até mais inteligente do que eu imaginava. Todavia, o longa cairia na banalidade não fosse, de fato, a presença de Angelina Jolie, uma das poucas atrizes a serem aceitas pelo público como protagonista de filmes de ação (além dela, só lembro de Sigourney Weaver, que já está ficando velha para essas correrias). Com sua presença, o longa se torna menos esquecível e se coloca com potencial até para eventuais continuações (e sua conclusão realmente dá margens para tal, o que também se torna um pequeno defeito). Sabe-se que Jolie realiza, inclusive, algo que costuma se valorizado pelos espectadores, que é a dispensa de dublês na maioria das cenas.

Portanto, não há como negar que, apesar de seus tropeços púbicos, o que as torna cada vez mais “humanas”, as estrelas ainda possuem muita relevância dentro do cinema, podendo ser capazes de tornar interessante um projeto que, em outras circunstâncias, não iria além do trivial. Basta lembrá-las para não fazerem muitas bobagens por aí...


Cotação:

Nota: 7,5