Creio que é dispensável realizar um apanhado da importância de Martin Scorsese para o cinema. Ele é um dos grandes gênios ainda em atividade no cinema norte-americano atual, provavelmente sendo igualado apenas por Clint Eastwood e Steven Spielberg (alguns poderiam citar Francis Ford Copolla, mas a verdade é que este há muito tempo não realiza uma grande obra). Scorsese é como um vinho de qualidade: o tempo passa e só refina as suas nuances. Não concordo com aqueles que afirmam que Scorsese teve a sua melhor fase nos idos dos anos 70 e 80. É verdade que “Taxi Driver” e “Touro Indomável” são obras-primas viscerais e essenciais. Entretanto, são filmes que não dialogam com o grande público, requerendo um paladar mais apurado para que sejam devidamente apreciados. Talvez uma das características adquiridas por Scorsese, nos tempos em que se dedicou a ganhar um Oscar, tenha sido justamente uma maior facilidade de atingir as massas. E não acredito que isto trouxe malefícios à sua carreira. Pelo contrário. Realizar filmes autorais admirados por milhões deve ser o sonho de ouro de qualquer cineasta.
Este “A Ilha do Medo” é um perfeito exemplar do que se pode chamar de um filme autoral com apelo popular. Estão lá presentes vários dos motes que marcaram a trajetória do diretor: a solidão do indivíduo diante de uma realidade inóspita; as dúvidas sobre sua própria sanidade; as suas convicções que desafiam as convenções postas. Todos os personagens de Scorsese, antes de tudo, são grandes solitários. Basta lembrar de alguns de seus longas mais conhecidos para constatar essa assertiva (seja nos já citados “Taxi Driver” e “Touro Indomável”, seja nos longas mais recentes com Di Caprio, como “O Aviador” e “Os Infiltrados”). E solidão é um dos elementos identificadores de Teddy Daniels (Leonardo Di Caprio, cada vez melhor), policial federal que, procurando solucionar um crime, acaba indo à ilha Shutter, na qual se localiza um sanatório para doentes mentais criminosos. Acompanhado do parceiro policial Chuck Aule (Mark Ruffallo, sempre eficiente), ele também está buscando explicações para fatos que envolvem sua vida pessoal, especialmente a morte de sua esposa, Dolores (Michelle Williams). Teddy mergulha então num emaranhado de estranhos acontecimentos que vão levá-lo a dúvidas sobre a veracidade do que está acontecendo. Será tudo verdade ou obra de sua mente, que parece, em várias ocasiões, vacilante?
Engenhosamente, o roteiro, baseado no livro de Dennis Lehane e adaptado por Laeta Kalogridis, mergulha o espectador também nessa dúvida. Há várias passagens na projeção em que não sabemos se estão ou não acontecendo realmente na trama. E essa dúvida, bem como a tensão constante do filme, são realçadas com a direção magistral de Scorsese, o qual, desde o princípio, já estabelece o clima desejado através de uma trilha sonora sinistra e marcante. Este início, por sinal, remete bastante ao princípio de “O Iluminado”, de Kubrick, e as referências são uma constante no trabalho. É sabido que Scorsese é um dos mais profundos conhecedores do cinema mundial e que suas obras sempre possuem vários elementos pesquisados com afinco na história da 7ª arte. E, além das auto-referências, é possível encontrar ecos do cinema noir neste “Ilha do Medo”, com especiais momentos de Jacques Tourneur. Interessante notar, ademais, como cada sequência, cada quadro, parece ter sido milimetricamente pensado para gerar alguma reação no espectador e nunca neguei que a força do cinema imagético causa especial impressão em mim. Várias são aquelas cenas que remetem a pesadelos, mesmo quando o personagem de Teddy não está sonhando. A atmosfera lúgubre é complementada por uma fotografia adequada e a edição sempre precisa de Thelma Schoomaker, a velha colaboradora de Scorsese.
Por outro lado, se em seus últimos trabalhos o diretor havia se dedicado a traçar as linhas de formação de sua nação, os Estados Unidos, aqui sua grande preocupação parece ser as angústias e tormentos de um homem, muito embora também esteja latente a insinuação de que tais angústias podem ser fruto de um sistema (comparações com campos de concentração acabam se tornando claras). O personagem de Teddy empreende uma busca para saber se os fatos que redundam em suas desventuras na ilha do título são fruto de sua imaginação, consequência de seus atos ou uma elaboração daqueles que detêm o poder na ilha. Tal busca/investigação, que é o cerne da trama, é mais interessante do que as possíveis conclusões.
Alguém já disse que a formulação de uma pergunta é mais importante do que sua resposta e a verdade é que, diante das muitas perguntas com as quais se pode sair da sessão, somente uma merece realmente ser respondida: “Ilha do Medo” é um ótimo filme, trazendo um Scorsese em sua melhor forma, um suspense que via além do mero susto para trazer questões pertinentes. Creio que você não permanecerá indiferente a essa bela experiência.
Cotação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0
Este “A Ilha do Medo” é um perfeito exemplar do que se pode chamar de um filme autoral com apelo popular. Estão lá presentes vários dos motes que marcaram a trajetória do diretor: a solidão do indivíduo diante de uma realidade inóspita; as dúvidas sobre sua própria sanidade; as suas convicções que desafiam as convenções postas. Todos os personagens de Scorsese, antes de tudo, são grandes solitários. Basta lembrar de alguns de seus longas mais conhecidos para constatar essa assertiva (seja nos já citados “Taxi Driver” e “Touro Indomável”, seja nos longas mais recentes com Di Caprio, como “O Aviador” e “Os Infiltrados”). E solidão é um dos elementos identificadores de Teddy Daniels (Leonardo Di Caprio, cada vez melhor), policial federal que, procurando solucionar um crime, acaba indo à ilha Shutter, na qual se localiza um sanatório para doentes mentais criminosos. Acompanhado do parceiro policial Chuck Aule (Mark Ruffallo, sempre eficiente), ele também está buscando explicações para fatos que envolvem sua vida pessoal, especialmente a morte de sua esposa, Dolores (Michelle Williams). Teddy mergulha então num emaranhado de estranhos acontecimentos que vão levá-lo a dúvidas sobre a veracidade do que está acontecendo. Será tudo verdade ou obra de sua mente, que parece, em várias ocasiões, vacilante?
Engenhosamente, o roteiro, baseado no livro de Dennis Lehane e adaptado por Laeta Kalogridis, mergulha o espectador também nessa dúvida. Há várias passagens na projeção em que não sabemos se estão ou não acontecendo realmente na trama. E essa dúvida, bem como a tensão constante do filme, são realçadas com a direção magistral de Scorsese, o qual, desde o princípio, já estabelece o clima desejado através de uma trilha sonora sinistra e marcante. Este início, por sinal, remete bastante ao princípio de “O Iluminado”, de Kubrick, e as referências são uma constante no trabalho. É sabido que Scorsese é um dos mais profundos conhecedores do cinema mundial e que suas obras sempre possuem vários elementos pesquisados com afinco na história da 7ª arte. E, além das auto-referências, é possível encontrar ecos do cinema noir neste “Ilha do Medo”, com especiais momentos de Jacques Tourneur. Interessante notar, ademais, como cada sequência, cada quadro, parece ter sido milimetricamente pensado para gerar alguma reação no espectador e nunca neguei que a força do cinema imagético causa especial impressão em mim. Várias são aquelas cenas que remetem a pesadelos, mesmo quando o personagem de Teddy não está sonhando. A atmosfera lúgubre é complementada por uma fotografia adequada e a edição sempre precisa de Thelma Schoomaker, a velha colaboradora de Scorsese.
Por outro lado, se em seus últimos trabalhos o diretor havia se dedicado a traçar as linhas de formação de sua nação, os Estados Unidos, aqui sua grande preocupação parece ser as angústias e tormentos de um homem, muito embora também esteja latente a insinuação de que tais angústias podem ser fruto de um sistema (comparações com campos de concentração acabam se tornando claras). O personagem de Teddy empreende uma busca para saber se os fatos que redundam em suas desventuras na ilha do título são fruto de sua imaginação, consequência de seus atos ou uma elaboração daqueles que detêm o poder na ilha. Tal busca/investigação, que é o cerne da trama, é mais interessante do que as possíveis conclusões.
Alguém já disse que a formulação de uma pergunta é mais importante do que sua resposta e a verdade é que, diante das muitas perguntas com as quais se pode sair da sessão, somente uma merece realmente ser respondida: “Ilha do Medo” é um ótimo filme, trazendo um Scorsese em sua melhor forma, um suspense que via além do mero susto para trazer questões pertinentes. Creio que você não permanecerá indiferente a essa bela experiência.
Cotação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0
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