terça-feira, 30 de novembro de 2010

Senna



Mito resgatado


Os documentários em longa-metragem, gênero cinematográfico que vem ganhando mais força nos últimos anos (principalmente com a popularidade de Michael Moore e suas peças contra o conservadorismo norte-americano), tradicionalmente desenvolvem sua narrativa, principalmente quando se trata de biografias, por meio de entrevistas com aqueles que conviveram (ou convivem) com o biografado, além da presença de um narrador (mesmo que em off). A primeira virtude de “Senna”, documentário sobre o lendário piloto brasileiro, um verdadeiro mito na nossa Terra Brasilis, é justamente fugir desta fórmula convencional.

O diretor Asif Kapadia conseguiu desenvolver uma bela narrativa, que perpassa toda a carreira de Ayrton Senna da Silva, com um ritmo quase ficcional, apenas através da edição de imagens dos arquivos (algumas delas inéditas) fornecidas por emissoras de TV (rede Globo entre elas) e a inserção de áudios de depoimentos e narrações de profissionais como Reginaldo Leme e Galvão Bueno (no tempo em que Galvão ainda era narrador e não o chato absoluto que é hoje). O painel que se mostra nos dá uma perspectiva não só das proezas do piloto, mas também da personalidade do Senna ser humano, com suas virtudes e falhas.

Kapadia vai buscar o início da carreira de Ayrton, ainda no kart, em sua primeira temporada na Europa, mostrando as dificuldades que se colocam principalmente para os latinos, tendo de viver longe da família e dos amigos. E assim vamos acompanhando sua ascensão até sua chegada à F1, por meio da modesta escuderia Toleman. A despeito das limitações do carro que tinha em mãos, Senna consegue um resultado excepcional no Grande Prêmio de Mônaco, debaixo de forte chuva, não alcançando a vitória devido ao encerramento prematuro da prova. Esta seria a primeira de muitas oportunidades em que Senna enfrentaria a politicagem dentro do esporte, que no longa se apresenta encarnada no presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), o truculento, autoritário e arrogante Jean-Marrie Ballestre. Neste ponto há um detalhe importante: Ballestre era francês, mesma nacionalidade do arqui-rival do piloto brasileiro, o “professor” Alain Prost. E aqui é interessante perceber que, quando da chegada de Senna à McLaren, apesar da competitividade acentuada e ambos os pilotos (ninguém se torna campeão em um esporte individual sem possuir uma forte dose de competitividade circulando nas veias), havia um clima de camaradagem entre eles, proporcionando um bom ambiente na equipe. Esse clima agradável, contudo, vai sendo substituído por um ambiente negro onde as vaidades são exacerbadas e é neste ponto que o documentário aponta para uma derrapada. Prost acaba sendo mostrado como o “vilão” da história, o “inimigo” a ser batido por Senna, e não como um desportista que também almejava as suas vitórias. Tal tendência é ainda mais realçada quando da abordagem da decisão do campeonato de 1989, quando Kapadia parece ter convicção de que o piloto francês foi o responsável pelo acidente que levaria à decisão da competição. Esta atitude meio que serviria para justificar o comportamento semelhante de Senna no ano seguinte, quando parece ter provocado a colisão que também determinou a decisão do título nesta oportunidade.

Há, ademais, um certo apelo à ideia de que Senna pressentiu a sua morte ocorrida no GP de Ímola de 1994, induzindo o espectador a acreditar nesta versão que parece ser acalentada pelos fãs. Na realidade, se trata de uma impressão de alguns que estavam próximos a ele, mas jamais saberemos se é verdade. Aliás, segundo depoimento do próprio piloto mostrado no longa, ele próprio imaginava estar ainda na metade da vida, o que contradiz essa ideia de pressentimentos funesto anunciados pelos comentários em off.

Em outra ponta, o longa é feliz em mostrar as razões que levaram Senna a se tornar um ídolo em nosso país. O Brasil vivia tempos amargos na economia, com a hiperinflação e o aumento exponencial da pobreza. Isso ainda se somava à frustração com os representantes eleitos, sendo que o primeiro presidente após a redemocratização acabou sofrendo o impeachment pelo Congresso Nacional. Como diz uma popular em certo momento, para os brasileiros Senna parecia ser “a única coisa que o Brasil tem de bom” (é bom recordar ainda que o futebol estava em um momento de vacas magras). Ademais, ele sempre demonstrou uma afinidade muito grande com a fé do povo brasileiro, colocando Deus constantemente no centro de seus depoimentos. Assim, vê-se com uma certa naturalidade a catarse coletiva provocada pela morte de Ayrton, o qual naquele momento significava um dos escassos orgulhos nacionais, um vencedor que jamais escondeu sua origem, carregando a bandeira brasileira nos momentos de júbilo.

Para quem acompanha o automobilismo, também é ótimo ver a “era de ouro” da F1 resgatada na telona. Uma época de pilotos vibrantes, que buscavam antes de tudo a vitória, e não meros empregados de firma que cumprem ordens toscas para deixarem colegas ultrapassar, desrespeitando os espectadores, o próprio esporte e a si mesmos (vide os exemplos de Barrichello e Massa). Um tempo em que as escuderias respeitavam a competitividade e não realizavam manobras de equipe para beneficiar piloto A ou B. Bons tempos aqueles em que a F1 era capaz de produzir ídolos em escala global, como Senna, que, mesmo com seus defeitos, muito humanos, fez jus ao status de referência mundial no esporte (não apenas no automobilismo). Eu mesmo nunca nutri muita admiração pela pessoa de Senna (talvez devido a uma certa antipatia gerada pelo excesso de bajulação de Galvão Bueno), mas jamais vi um piloto tão talentoso quanto ele, capaz de proezas únicas, nunca repetidas por Schummachers ou Alonsos que estão por aí. E este documentário, apesar das imperfeições acima apontadas, rende uma bela e merecida homenagem a um desportista que se tornou mitológico.


Cotação:

Nota: 9,0

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Eu Quero Esse Pôster #11


Descobri este poster sensacional de "Os Pássaros", um dos grandes filmes do velho Hitch!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tudo Pode Dar Certo



Rir de si mesmo é o melhor remédio


Muitos afirmam que Woody Allen há muitos anos faz o mesmo filme. Mas há também quem diga que todo diretor sempre faz o mesmo filme. Há uma parcela de verdade nas duas assertivas, mas também existe muita veracidade ao afirmarmos que é sempre um prazer assistir a mais um rebento da prolífica carreira do diretor nova-iorquino. É ótimo ver como os temas que mexem com sua cabeça (e de muitas outras mundo afora) “neurótica” são repetidos ao longo dos anos, mas nunca soam cansativos. Mostra-se pertinente, inclusive, destacar que Allen sabe abordar suas fixações de maneira bastante eficaz até mesmo em gêneros distintos. Em “Match Point” (2005), por exemplo, um longa de suspense mesclado com sensualidade, ele destaca o papel determinante que o acaso (ou a “sorte” como denominam alguns) pode ter em nossas vidas, mostrando que estas últimas fogem sobremaneira ao nosso controle. E agora, neste recente “Tudo Pode Dar Certo”, obra que se insere dentro do seu estilo mais característico, Allen lança novamente esta ideia para o público.

Quando falo “obra dentro do seu estilo característico” quero sintetizar aqueles filmes cheios de humor onde os relacionamentos são debatidos, suas neuras são exorcizadas com a presença de um personagem que serve de alter-ego e cujas ações se passam em Nova York. Todos esses ingredientes estão presentes neste “Tudo Pode Dar Certo”, cujo roteiro (escrito pelo próprio Allen ainda em 1977, o que talvez explique o retorno ao estilo que o consagrou) narra o cotidiano de Boris (papel de Larry David), um físico que, segundo diz, quase ganhou o prêmio Nobel, perdendo por “questões políticas”. De temperamento difícil, misantropo e ególatra, Boris vive sozinho desde que se separou de sua primeira esposa, ocasião em que tentou o suicídio (sem sucesso, obviamente). Ele tem sua rotina alterada quando conhece Melody (Evan Rachel Wood), uma bela e ingênua jovem vinda do interior que passa a morar com o velho mal-humorado.

Óbvio que as situações apresentadas se tornam um prato cheio para Allen, pois que o próprio viveu situação semelhante na vida real (como sempre, há uma parcela autobiográfica em seus longas). Talvez por isso, seu texto esteja particularmente inspirado, com diálogos e situações que irão com certeza levar o espectador ao riso, afinal possivelmente o maior talento de Allen seja justamente o de rir de si mesmo. E de nos fazer rirmos de nós mesmos. O personagem de Boris cria uma casca de dureza e indiferença para esconder sua fragilidade, como tantos de nós costumamos fazer em nossos relacionamentos. Afinal, muitas das nossas manifestações de egoísmo e vaidade decorrem de nossas carências, normalmente mal-resolvidas durante boa parte da vida (ou toda ela). Por outro lado, fica nítido que Allen procura mais uma vez dar destaque à força do acaso no rumo de nossos destinos, algo que é difícil admitir porque freqüentemente é confortável acreditarmos que temos completo domínio sobre os caminhos que seguimos. A própria Melody surge na vida de Boris como resultado do acaso e, para alguém habituado a lidar com a exatidão da ciência nada pode ser mais angustiante do que sentir a força do imponderável. Ademais, estão presentes ainda na narrativa outros velhos temas de Allen como sua hipocondria, suas velhas brigas com Deus (ele sempre me passa a sensação de querer ser ateu, mas não consegue), além da liberação de amarras culturais.

No plano formal, uma solução muito interessante para a condução da trama é o diálogo direto do personagem de Boris com a plateia (a chamada “quebra da quarta parede”). Embora não seja totalmente original, o recurso funciona muito bem sem soar gratuito, causando no espectador aquela sensação ao mesmo tempo estranha e divertida de estar participando do filme. A mais, temos novamente uma ótima direção de atores, uma da marcas do cineasta, muito embora algumas atuações, principalmente a do protagonista, deixe a desejar em alguns momentos, pois que Larry David não encontra o tom certo para o seu Boris, que às vezes se apresenta excessivamente seco (algo que nunca acontece quando o próprio Allen vai para a frente das câmeras). Já Evan Rachel Wood se sai muito bem com sua Melody, o que não surpreende, já que ela é mesmo talentosa (basta lembrar de sua atuação em “O Lutador”). Também apresentado bons desempenhos estão Patricia Clarkson e Ed Begley Jr., que fazem os pais de Melody e possuem relevância no desenrolar da trama.

De qualquer forma, o que mais interessa é vermos que este senhor de 74 anos não dá mostras de cansaço. Pelo contrário! Sua vitalidade ainda é capaz de nos presentear com longas-metragens que, se por um lado repetem velhos temas, por outro conseguem trazer inteligência para o âmbito de um cinema que anda por demais infantilizado. É muito mais prazeiroso ir ao cinema e saborear uma comédia que nos leva a refletir sobre nossas próprias “neuras” do que engolir uma das muitas “comédias românticas” com começo-meio-e-fim manjados e irreais que costumam ocupar muitas salas no circuito comercial. Assim, torço para que Woody Allen continue nos fazendo rir de nós mesmos a cada novo trabalho.


Cotação:

Nota: 8,5

domingo, 14 de novembro de 2010

Para Ver em Um Dia de Chuva



Um Dia de Cão
(Dog Day Afternoon)


Tensão e crítica social com Sidney Lumet

Se você quer imaginar um diretor que deveria ser mais reconhecido do que de fato o é, este diretor sem dúvida é Sidney Lumet. Este cineasta é o responsável por filmaços inesquecíveis desde sua estreia, em 1957, com “12 Homens e Uma Sentença”, um trhiller que se passa inteiramente dentro de uma sala onde 12 jurados estão confinados para decidir o destino de um acusado em certo julgamento. E o que parece impossível acontece. Mesmo com esta limitação de espaço, Lumet consegue manter o ritmo do início ao fim, unindo um roteiro com diálogos afiados a uma edição primorosa (e também contando com ótimos atores, como o astro Henry Fonda).

Lumet parece mesmo se dar muito bem com microcosmos estabelecidos em pequenos ambientes onde a tensão reina e os personagens parecem ser levados a confrontar os seus limites. Este também é o mote explorado por ele no intenso “Um Dia de Cão”, o qual também se insere entre seus filmes “nova-iorquinos” (afinal, não são apenas Woody Allen e Martin Scorsese que usam continuamente Nova York para retratarem seus dramas). Baseado numa reportagem publicada pela revista “Life” (muito embora o roteiro, escrito por Frank Pierson, tenha levado o prêmio de melhor roteiro original da Academia de Hollywood) sobre um assalto a banco realizado por um certo John Wojtowicz, o longa metragem de 1975 se passa quase que inteiramente dentro de uma agência bancária, onde assaltantes e reféns são cercados pela polícia ao longo de um dia quente de verão. Os assaltantes, totalmente inexperientes no “ramo”, chamam-se Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale, ator talentosíssimo que faleceu aos 42 anos, vítima de câncer). Sonny é um ex-combatente do Vietnã e ex-bancário, sendo que sua motivação para o crime é bastante peculiar: conseguir dinheiro para que seu namorado Leon (Chris Sarandon) realize uma operação de mudança de sexo.

Pode-se afirmar, antes de tudo, que “Um Dia de Cão” é um dos típicos produtos do que se convencionou chamar como “Nova Hollywood”, movimento surgido na segunda metade dos anos 60 e que foi responsável pela projeção da figura do diretor no cinema americano em contraposição ao studio system, o qual teve seu auge até o fim dos anos 50. Contraditoriamente, foi essa nova forma de enxergar a maneira de se fazer cinema que tirou os estúdios da bancarrota (“O Poderoso Chefão”, por exemplo, salvou a Paramount da falência). Devido ao seu perfil autoral (adotando o pensamento difundido pela Nouvelle Vague francesa), estes jovens diretores inseriam em seus filmes temas polêmicos e visões heterodoxas sobre os mesmos, algo que, até então, era realizado de forma mais tênue devido à ingerência dos produtores no resultado final. Outro fator que também contribuiu foi o abrandamento das normas de classificação etária nos EUA, com o fim do código de normas que as produções eram obrigadas a seguir.

A temática abordada pelo longa de Lumet só poderia mesmo surgir e ser bem aceita em um ambiente de contestação do establishment, onde falsos pudores foram jogados pela janela, substituídos por um retrato mais fiel da sociedade. Sociedade esta atônita com o horror da guerra do Vietnã e com a corrupção na política, representada de forma lapidar com o escândalo de Watergate. A cinematografia dos anos 70 tornou-se, desta forma, a mais contestadora da história do cinema americano, expondo a sujeira escondida debaixo do tapete do moralismo ianque. Com um público ávido por enfrentar as situações postas, a história de Sonny acabou se tornando um sucesso de bilheteria. Afinal, Sonny era um desempregado que, num ato de amor e desespero, resolve fugir às regras sociais para realizar o sonho daquele que amava. Uma inadequação do indivíduo ao meio ainda mais potencializada por sua homossexualidade, poucas vezes mostrada de forma tão aberta até então.

O inconformismo e a crítica para com o status quo vigente são ainda representados pela menção ao massacre de Attica, uma prisão onde poucos anos antes havia acontecido um massacre de detentos promovido pela polícia de Nova York (uma espécie de “Carandiru” local), muito embora este seja um aspecto que torna o longa datado e, principalmente, causa estranheza àqueles que não conhecem o evento mencionado.

Outro aspecto importante levantado por Lumet na projeção é a espetacularização realizada pela mídia e o surgimento das celebridades instantâneas. É nítido que vários dos personagens, seja os reféns, seja a população que acompanha de perto os acontecimentos, se satisfazem com a ideia de se tornarem conhecidos a partir de então. “Vou aparecer na TV” ou “sou um astro”, são falas que sublinham a narrativa e, de certa forma, antecipam os dias atuais onde a previsão dos 15 minutos de fama feita por Andy Warhol parece cada vez mais factível.


Toda esta abordagem densa e crítica, entretanto, é conduzida por Lumet de forma extremamente envolvente. Com uma edição brilhante (indicada ao Oscar), o ritmo do longa jamais cai e a sensação de tensão acompanha cada fotograma exibido. O clima tenso, por outro lado, não teria sucesso não fosse a contribuição extraordinária do elenco. Pacino (que cogitou abandonar o projeto antes começarem as filmagens) está brilhante na pele do protagonista, repetindo aqui a parceria de sucesso com Lumet iniciada dois anos antes em “Serpico” (outro dos filmes nova-iorquinos do diretor). Com uma atuação visceral, o ator transformou Sonny em um personagem inesquecível, tendo recebido elogios do próprio John Wojtowicz. Cazale também leva brilhantismo ao seu desequilibrado Sal, personagem dos mais instigantes (memorável a cena em Sonny lhe pergunta para que país ele gostaria de fugir e o mesmo responde “Wyoming”). Ademais, buscando maior realismo, Lumet determinou que todo o elenco deveria utilizar roupas próprias nas gravações, substituindo as tradicionais roupas de estúdio. Aliando esses detalhes a uma improvisação nas falas dos atores, o resultado se mostra bastante naturalista, algo ainda mais necessário em história que se baseia em fatos reais.

“Dog Day Afternoon”, com seu senso de urgência, mostra-se, desta maneira, como um filme bastante contemporâneo, apto a agradar o público impaciente dos dias atuais (mesmo considerando alguns elementos datados, como mencionado mais acima). Por outro lado, revela um olhar contundente acerca da moral e valores do meio social estadunidense, capaz de levar à reflexão o espectador mais exigente, longe da infantilidade que parece dominar as salas de cinema nos dias de hoje. Além disso, é, antes de tudo, um belo exemplo das capacidades técnicas e artísticas de Sidney Lumet, um diretor que, decididamente, merece ser mais conhecido e, principalmente, reconhecido por seus pares e amantes do cinema.

Cotação:

Nota:9,5

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Quero Ver Novamente #8

A morte de Dino De Laurentiis se tornou fato noticiado até no Jornal Nacional desta última quinta-feira, 11/11/2010. À parte seu envolvimento com a máfia italiana, Laurentiis produziu grandes obras-primas da 7ª arte e também algumas bombas... Mas vamos lembrar dele por filmes como "A Estrada da Vida", dirigido pelo gênio Federico Fellini. Uma obra pungente com interpretações soberbas de Anthony Quinn e Giulietta Masina (esposa de Fellini). Confira abaixo algumas cenas com a bela trilha do mestre Nino Rota!


sábado, 6 de novembro de 2010

Filmes Para Ver Antes de Morrer



O Homem que Matou o Facínora
(The Man Who Shot Liberty Valance)



Os fatos e as lendas



Em certa oportunidade, Jean-Luc Godard, ainda um crítico da revista Cahiérs du Cinema, foi levado às lágrimas em uma sala de cinema. Ele estava sensibilizado pela forte interpretação de John Wayne e a tragédia vivida pelo personagem deste em “Rastros de Ódio”, um dos mais importantes e amargos westerns de todos os tempos, dirigido por ninguém menos que John Ford, um dos grandes gênios da história do cinema.

Muitos afirmam que o Oeste mítico foi criado por Ford com seus personagens durões e sua bela fotografia das imponentes regiões desérticas norte-americanas, principalmente do Monument Valley. Esta é uma verdade apenas parcial. Não se pode negar que Ford, auxiliado pela presença de John Wayne, seu parceiro em muitos filmes, transmitiu a milhões de espectadores a ideia consagrada da formação da sociedade americana. Contudo, apesar de se valer de mitos e arquétipos, Ford os utiliza não como uma elegia à América, mas principalmente como uma maneira de dissecá-la, mostrando o outro lado, muito menos louvável, desta mesma sociedade. O citado “Rastros de Ódio”, por exemplo, mostra que a formação dos EUA está calcada no racismo, o qual foi responsável pela dizimação indígena e, posteriormente, a segregação dos negros nos estados sulistas.

Já em “O Homem Que Matou o Facínora”, Ford vai ainda mais longe neste processo de desmistificação. Em um olhar mais atento, parece querer afirmar que toda a construção da nação estadunidense, tal como a conhecemos, na realidade pode ser uma grande farsa criada para que não enxerguemos uma realidade não muito bonita ou meritória. Afinal, é mais fácil respeitar a História quando ela nos revela lances de heroísmo e retidão, ingredientes que podem transformá-la em uma autêntica lenda. Mas a História é, antes de tudo, construída por seres humanos, demasiadamente humanos, com circunstâncias humanas que fogem em muito de situações míticas.

O longa-metragem de 1962 (com roteiro escrito por James Warner Bella e Willis Goldbeck, a partir de uma obra de Dorothy M. Johnson) se inicia com a chegada do senador Ransom Stoddard (personagem de James Stewart, um dos melhores e mais carismáticos atores hollywoodianos) à cidade de Shinbone, acompanhado de sua esposa Hallie (Vera Miles), após muitos anos sem retornar, para o funeral de um cidadão local, um certo Tom Doniphon (John Wayne, fazendo sua caracterização típica), homem praticamente desconhecido pelas novas gerações do vilarejo. Instado por jornalistas e o prefeito locais, Stoddard passa a narrar os motivos de sua deferência ao falecido, na realidade o verdadeiro responsável pela eliminação de um bandido que assolava a região anos antes (o Liberty Valance do título original, interpretado por Lee Marvin), feito que acabou sendo atribuído ao agora senador devido às circunstâncias de como ocorreu. Na verdade, Stoddard, à época, era um recém formado em Direito, um homem vindo dos meios mais civilizados do Leste. Um estranho no ninho diante da lei do mais forte que imperava na região selvagem para a qual migrou. Entretanto, vai, aos poucos, descobrindo que as leis são insuficientes para garantir a sobrevivência naquele meio inóspito. Trava-se, desta maneira, de forma alegórica, um embate entre a civilização e o meio selvagem, entre o homem “esclarecido” e o homem “rude” (representado tanto por Liberty Valance quanto por Tom Doniphon). Tal antagonismo é ainda personificado pela personagem de Hallie, que se vê dividida entre o gentil e educado Ransom e o vigoroso e viril Doniphon.


A resolução levada ao conhecimento do público pelos meios comunicação (bastante criticados por Ford no longa) parece sugerir uma conciliação destes dois opostos. O homem civilizado representado por Stoddard usa de métodos embrutecidos quando necessário, no caso para defender sua própria vida. Uma síntese da ideia corriqueira que os próprios norte-americanos fazem de si mesmos: pessoas civilizadas que recorrem à violência quando não resta outra alternativa (pensamento usado para justificar até mesmo a bomba em Hiroshima). No entanto, trata-se de uma grande ilusão vendida através dos séculos. Na trama, Stoddard jamais venceria Valance com suas próprias forças. Apesar de sua coragem, Liberty é morto por Doniphon, com um tiro às escondidas. E, mesmo depois de saber a verdade, Stoddard aceita os louros da fama. Enfim: o senador simboliza uma América que exclui a verdade quando lhe é conveniente. A frase emblemática do longa sintetiza o conceito de forma perfeita: “quando a lenda se torna fato, publique-se a lenda”.

Ou seja, Ford dá um tapa cruel no rosto da sociedade ianque, desconstruindo os mitos e realizando uma auto-crítica como poucas vezes se observa no cenário de Hollywood. Não é à toa que seu estilo clássico, mas ao mesmo tempo incisivo, se tornou referência para várias gerações de cineastas, desde o referido Godard da Nouvelle Vague até nomes como Clint Eastwood (que considero o seu mais talentoso e fiel discípulo direto). Eis um gênio que merece ser mais conhecido pelas novas gerações. No caso dele, sua genialidade é muito mais fato do que lenda.


Cotação:

Nota: 10,0

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"Tropa de Elite 2" já ultrapassa 7 milhões de espectadores


Pela quarta semana consecutiva, "Tropa de Elite 2" seguiu no topo da bilheteria brasileira. No meio da semana passada, o filme se tornou o longa-metragem brasileiro mais visto desde a Retomada. E no fim de semana de 29 a 31 de outubro, somou mais R$ 7,3 milhões (687 mil espectadores) à sua bilheteria, resultando em um total de R$ 69 milhões arrecadados até agora.

Com isso, o filme caminha para se tornar o mais visto no Brasil este ano, superando produções hollywoodianas como "Toy Story 3" e "Alice no País das Maravilhas". A última vez em que isso aconteceu foi em 2005, com "2 Filhos de Francisco". E mais: a segunda parte da luta de Nascimento contra o crime organizado já se tornou o segundo longa nacional mais visto em todos os tempos, ultrapassando “A Dama do Lotação”, que em 1978 vendeu 6,5 milhões de ingressos e era desde então o segundo maior público da história do cinema nacional. Agora, a expectativa é para saber se “Tropa 2” tem bala para ultrapassar “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, que fez 10,7 milhões de espectadores em 1976. O filme da Tropa já tem mais de 7,5 milhões de ingressos vendidos. Façam suas apostas!