domingo, 24 de janeiro de 2010

Amor Sem Escalas


Não é uma comédia romântica


O grande objetivo de Jason Reitman, diretor deste “Amor Sem Escalas”, em sua carreira parece ser o de tratar temas sérios e pesados com leveza. O caso mais emblemático é “Juno”, longa-metragem de 2007 em que se mostrava uma adolescente às voltas com uma gravidez precoce, mas que decide não abortar, escolhendo o caminho mais difícil (mas também de muito maior integridade) de continuar a gravidez e entregar a criança para adoção. Um verdadeiro libelo anti-aborto construído de forma especial a tocar seu público-alvo: os adolescentes. Com humor e inteligência (além de uma grande interpretação de Ellen Page), Juno McGuffin tornou-se uma personagem memorável e o longa-metragem recebeu, com justiça, o Oscar de melhor roteiro original.

Aqui, Reitman busca tratar de outras temáticas difíceis com uma abordagem leve, bem-humorada, mas seu sucesso não é tão grande quanto no citado longa-metragem. A narrativa mostra Ryan Bingham, personagem de George Clooney, um profissional encarregado de comunicar demissões aos funcionários de diversas empresas. Um momento doloroso que os patrões se recusam a fazer e deixam a batata-quente para “especialistas”. Para tanto, Ryan desenvolve técnicas para tornar o momento o mais humano possível, sem, contudo, se envolver emocionalmente com as situações. Em decorrência de sua atividade, Ryan percorre todo o território americano e desenvolve o hobby de acumular milhas de viagem (seu objetivo é atingir 10 milhões de milhas, coisa que poucos alcançaram). Ele, ainda, ministra palestras onde afirma que, para obter sucesso, as pessoas devem se livrar de seus vínculos afetivos, pois que esses seriam “pesos” que cada um levaria permanentemente em seus ombros. Assim, por esta síntese, já fica claro que este é um daqueles longas de “transformação”, tipo do filme onde o protagonista passará por situações que mudarão sua forma de enxergar a vida. No caso, isso realmente acontece quando ele encontra duas mulheres. Uma delas, Alex (Vera Farmiga, bonita, mas em uma atuação sem brilho especial e que me fez questionar o motivo de suas recentes indicações a prêmios como coadjuvante por este trabalho) é como uma versão de feminina de Ryan, enquanto Natalie (Anna Kendrick, esta sim com um ótimo desempenho) é uma novata na função, cheia de novas ideias como a de realizar as demissões por videoconferência, trazendo desta forma um grande corte em gastos com viagens.

Claro que não existe problema em se fazer um filme sobre as mudanças na personalidade de um personagem. Grandes e memoráveis clássicos do cinema tratam destas transformações, como é o caso de “...E o Vento Levou” ou mesmo “A Felicidade Não Se Compra”. E nesta linha, Reitman realiza um bom trabalho. As mudanças por que passa Bingham não soam artificiais e a competente atuação de Clooney (que fará as mulheres se derreterem ainda mais que de costume) nos fazem acreditar que elas já estavam de fato latentes no personagem, esperando apenas que algo as despertasse. A sua atitude perante Natalie parece ser a de um irmão mais velho que está ensinando para a caçula o caminho das pedras, talvez procurando compensar a ausência na vida de suas irmãs, especialmente daquela que está para casar (e, em uma certa sequência, percebemos o quanto ele se sente culpado pos esse distanciamento). Em verdade, pode-se afirmar que Ryan tem, tal como aqueles que dispensa de seus empregos, um grande medo de ser “demitido” e por isso evita estabelecer relações afetivas fortes e constantes. Claro, isso traz como conseqüência uma inevitável solidão, a qual ele procura esconder de si mesmo (e ministrar palestras dizendo exatamente o contrário é uma boa forma de convencer a si mesmo).

Entretanto, alguns problemas surgem no roteiro (escrito pelo próprio Reitman em parceria com Sheldon Turner, em adaptação do livro de Walter Kim) ao tentar estabelecer nuances cômicas em alguns momentos, ou seja, a leveza salientada acima que Reitman busca imprimir em temas mais sérios. Alguns destes momentos surgem forçados, colocados ali apenas como forma de “jogar para a galera” e garantir algumas risadas fáceis (a piada sobre masturbação ainda no início do filme é um bom exemplo). O riso não soa orgânico como em “Juno”, personagem naturalmente talhada para ótimas situações cômicas. Ademais, o desenrolar da narrativa acaba por trazer algumas incongruências, principalmente para a personagem de Vera Farmiga (e prefiro não comentar mais sobre este aspecto, sob pena de revelar spoilers gigantes). Talvez tenha faltado a mão de uma Diablo Cody (roteirista de “Juno”) para que tais falhas da narrativa fossem supridas ou, ao menos, minoradas. De qualquer forma, me pareceu estranho o prêmio de melhor roteiro no Globo Ouro em detrimento de “Bastardos Inglórios” (pelo menos não irão bater de frente no Oscar, já que um é adaptado e o outro é original). Por outro lado, a direção de Reitman continua segura, com um ritmo ditado por uma edição competente, além de sempre criar belas cenas pontuadas por canções pop perfeitamente adequadas.

Alguns podem apontar que o filme seria datado por ter como um dos seus motores a crise econômica que resultou em demissões em massa, o que logo o tornaria “envelhecido” em pouco tempo. Discordo deste posicionamento. “Amor Sem Escalas” (título em português infeliz, pois traz logo a impressão de tratar-se de uma comédia romântica) é, antes de tudo, uma obra sobre a solidão e incomunicabilidade dos dias de hoje. E, embora não atinja o mesmo padrão de qualidade de seu longa anterior, Reitman ainda assim nos entrega um bom filme que talvez faça você refletir sobre como está enxergando a sua própria vida. Para aqueles dispostos a mudar.


Cotação: * * * * (quatro estrelas)
Nota: 9,0.
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