domingo, 3 de janeiro de 2010

Lula - O Filho do Brasil


Dona Lindu, uma brasileira


Ao observarmos o pôster promocional de “Lula – O Filho do Brasil” é possível perceber que a figura de Glória Pires, a qual interpreta Dona Lindu, mãe do atual presidente da República, domina a imagem, estando em maior destaque que o ator Ruy Ricardo, que interpreta, na fase adulta, o ex-retirante que alcançou o posto de mandatário máximo da Nação. Talvez inadvertidamente, o referido pôster acaba representando o resultado do longa-metragem dirigido por Fábio Barreto (atualmente hospitalizado após um grave acidente de carro). Parece que estamos a observar na tela não a história de Lula, mas a de sua genitora e de como esta, através de sua “teimosia”, conseguiu manter uma família mesmo diante das situações mais adversas e de como sua personalidade moldou a face do Lula que conhecemos hoje.

Talvez esta seja uma opção dos realizadores para afastar a acusação de que o longa, estreando em ano eleitoral, possua um caráter “eleitoreiro”. Como vocês que leem este texto devem saber, há meses a polêmica sobre este projeto foi instaurada pela oposição, tendo como alto-falante uma mídia ligada aos seus interesses, mas predominantemente destituída de bom-senso (chegando até ser capa de famosos periódicos semanais, numa espécie de publicidade involuntária). Realizado com financiamento inteiramente privado (alardeado logo no início da projeção, para evitar que o público venha a pensar de forma diferente), o roteiro não adentra na vida política de Lula, sequer mencionando a fundação do PT e apenas colocando em legendas a sua chegada à presidência. Esta atitude, por outro lado, levou muitos dos petistas e simpatizantes de esquerda a criticar o filme. Afinal, como poderia um longa-metragem sobre Lula não mencionar nada a respeito do partido que o próprio criou? Como dito acima, talvez isso seja o resultado da ideia dos realizadores de, no fundo, não contarem a história do presidente, mas de sua genitora. E a verdade é que a imagem e o carisma do presidente (com cerca de 80% de popularidade, segundo as últimas pesquisas) estão já há algum tempo desatreladas do partido que fundou. Aliás, ligar a imagem de Lula ao PT, neste momento, poderia até trazer um efeito anti-eleitoreiro, tendo em vista a imagem queimada do Partido dos Trabalhadores pós-escândalo do mensalão.

Assim, se você está na expectativa de assistir a um panorama completo da saga de um retirante nordestino até sua vitória máxima, devo dizer quê sairá frustrado(a) da sala de cinema. Mas, todavia, o maior demérito do longa de Fábio Barreto não se constitui nas referidas omissões, mas na forma um tanto canhestra com que desenvolve a narrativa. Com um roteiro baseado no livro homônimo, escrito por Denise Paraná (a partir de sua tese de doutorado), os altos e baixos da narrativa são tamanhos que provocam um distanciamento do espectador, algo que se torna um tanto estranho se pensarmos no conteúdo com potencial altamente emocional que é inerente a uma história como essa. Se compararmos a outro exemplo cinematográfico bastante próximo, está muito aquém da ligação estabelecida com o público por “2 Filhos de Francisco”, o qual se tornou um dos filmes de maior bilheteria no país desde a retomada e que também alcançou sucesso entre os críticos.

Tal distanciamento se deve bastante ao caráter episódico que domina o desenvolvimento do roteiro (adaptado pela própria Denise ao lado do diretor, além de Daniel Tendler e Fernando Bonassi). Passa-se rapidamente pela vida na família Silva no interior de Pernambuco, na seca que flagela, mas que o longa está longe de mostrar sua real dimensão, limitando-se ao lugar-comum de imagens de gado morto e vegetação ressecada. Com a mudança para Santos, o caráter ameno das vicissitudes dos protagonistas continua, aqui se resumindo a mostrar a estupidez e alcoolismo de Aristides, pai de Lula, mas maquiando a situação de miséria em que viviam. Até mesmo a sequência da inundação que leva a família a perder tudo e que foi uma das mais caras deste projeto que custou ao todo R$ 16 milhões (o mais caro filme brasileiro até hoje produzido), é mostrada de forma repentina e sem muito impacto, possuindo, ademais, uma curta duração. Além disso, há uma descuido da produção com relação à ambientação e mesmo trilhas utilizadas em certos momentos da projeção. Ouvir um certo sucesso de Tim Maia em um baile ainda nos anos 60 é imperdoável, um anacronismo que vai chamar a atenção de muitos dos presentes. Além disso, alguns vão lembrar de alguns fatos omitidos, como a primeira filha, nascida de seu relacionamento com Miriam Cordeiro, tendo deixado esta com 6 meses de gravidez, fatos estes que os realizadores procuraram evitar para diminuir o “peso” do longa.

Contudo, nem tudo é fracasso no longa. O relacionamento de Lula com suas duas esposas é sempre bem desenvolvido (afinal, é necessário agradar o público acostumado com novelas). Um dos melhores momentos, inclusive (e este é um dos poucos que realmente surgem comoventes), mostra o falecimento de sua primeira mulher, Jennifer (Cleo Pires), durante o parto, quando o bebê também morreu. Outro momento muito bem dirigido e recriado é o famoso discurso de Lula no estádio da Vila Euclides, onde cerca de 100.000 metalúrgicos presentes repassavam uns aos outros suas palavras, para que todos ouvissem, devido à ausência de sistema de som. Aliás, algumas das cenas de discurso só não são melhores devido à limitação do ator Ruy Ricardo, fraco na caracterização do líder, chegando a mudar a voz do personagem no decorrer da projeção. A princípio com uma interpretação mais natural, de repente ele começa a imitar a voz de Lula, com sua língua presa peculiar, trazendo um resultado muito mais cômico do que realista. Porém, Glória Pires, como de costume, realiza mais uma interpretação competente, o que reforça ainda mais a afirmação de que este acaba sendo um filme sobre Dona Lindu. Não é à toa que o filme termina com sua morte e a afirmação de que Lula, no seu discurso de posse, prestou os maiores agradecimentos à sua mãe. Ou será que Fábio Barreto pretendeu realizar um estudo sobre o complexo de Édipo ao narrar a história desta família Silva? Ou, ainda, mostrar a história de uma família brasileira, como afirmou em algumas entrevistas? Pode ser qualquer uma das hipóteses. A menos provável é a de que ele quis realizar uma obra sobre Lula.

Obs. Afirmar que um filme vai influenciar em uma eleição no Brasil é um tanto ingênuo. Esse filme deve ser visto, numa boa perspectiva, por cerca de 5 milhões de pessoas, boa parte delas já simpatizantes do presidente e, mesmo que outras tantas não o sejam, trata-se de uma parcela do eleitorado menos sujeito a influências (muito embora uma boa parcela se deixe influenciar por publicações duvidosas). É bom lembrar que o Brasil conta com cerca de 130 milhões de eleitores. Como diz uma certa canção da Legião Urbana, há pessoas que “falam demais por não ter nada a dizer”.

Cotação: * * ½ (duas estrelas e meia)
Nota: 6,5
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