Esta semana, vi uma lista de melhores filmes do século XXI em um site (não me agradou muito). Acabei lembrando que este filme, de repente, pode mesmo vir a figurar em listas do gênero. Também lembrei que, quando escrevi esta resenha, eu ainda não tinha criado o blog, razão pela qual posto agora.
Onde Os Fracos Não Têm Vez
"Três Homens em Conflito"
Ainda nos anos 60, o genial Sergio Leone nos brindou com um clássico do gênero cinematográfico criado por ele próprio, o famoso “western spaghetti”, apelido dado devido à sua origem italiana. “Três Homens em Conflito” (The Good, The Bad and The Ugly) nos apresentava três personagens em busca de um carregamento de ouro, mostrando, com estilo e bom-humor, a luta destes três homens para obter a almejada riqueza. Por trás disso, claro, Leone nos fornecia uma visão do processo de formação dos Estados Unidos da América, tema que seria ainda melhor desenvolvido posteriormente em sua obras-primas “Era Uma Vez no Oeste” e “Era Uma Vez na América”.
Algumas décadas depois, os irmãos Joel e Ethan Coen valem-se da mesma estrutura para desenvolver um longa que trata também da sociedade americana, mas não de seu passado ou de seu processo de formação. Trata, por seu turno, do processo de degradação desta sociedade, da perda dos valores mais essenciais, a qual parece conduzi-la a um lento definhar. Da mesma forma que Leone, os Coen nos mostram três homens em busca do mesmo objetivo: recuperar uma mala cheia de dólares advindos de tráfico ilícito de entorpecentes. Contudo, se no longa de Leone, os três personagens são levados basicamente pelo mesmo sentimento (cobiça), os homens de Coen parecem imbuídos, cada um, de razões próprias e bastante distintas.
Tudo começa quando Llewelyn Moss (interpretado por Josh Brolin), o típico texano que remonta aos tempos da conquista do Oeste, encontra, no local de uma carnificina entre traficantes de drogas, uma mala contendo uma pequena fortuna em dólares e passa a fugir dos seus perseguidores, entres eles Anton Chigurh, um maníaco homicida interpretado magistralmente por Javier Bardem (com um cabelo megafashion no melhor estilo “Beiçola”). Inicia-se, assim, um pega que lembra Papa-léguas entre os dois (aliás, o humor dos Irmãos Coen, embora atenuado, continua presente neste longa). À parte, o veterano xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones, em mais uma grande atuação) procura elucidar o caso, cuja carnificina lhe causa indagação e espanto.
Interessante notar que os Coen trouxeram, para este western moderno (o filme se passa em 1980), uma similaridade com o clássico de Leone: o três personagens possuem personalidades marcantes, tornando ainda mais importante o trabalho de atores. Todavia, se em “Três Homens em Conflito” esse elemento se torna um pouco mitigado devido ao motivo que imbui suas ações ser o mesmo (a ganância), aqui vemos três homens imbuídos de motivações bastante diferentes, assim como os mencionados irmãos diretores lhes atribuem personalidades ainda mais marcadas, buscando colocar em cada um os traços de uma América do passado, do presente e daquela que pode vir a ser.
Llewelyn, o cowboy que, podemos dizer, representa o americano médio, é um homem comum, ex-combatente do Vietnã, que leva sua vida simples e tranqüila com a esposa e, de repente, vê-se diante da tentação de enriquecer de forma fácil (ou pelo menos aparentemente fácil). É o homem comum que se deixa corromper, retrato da sociedade atual que, se está em parte corrompida, ainda apresenta alguns valores preservados. Já o xerife, homem de valores enraizados o qual, ao longo da caçada, acaba mais preocupado com a sorte de Llewelyn do que exatamente com a captura do dinheiro ou dos criminosos, representa um tempo que já não existe mais, onde os homens eram medidos antes de tudo por seu caráter e honradez. Valores estes hoje enterrados por aqueles que, como o psicótico Chigurh, são inteiramente amorais na busca de seus objetivos. Chigurh, em seu caminho, elimina, literalmente, todos que colocam a sua frente, utilizando-se de armas que, como realça o xerife em determinado ponto da projeção, são usadas para matar gado. Talvez, para o psicopata em questão, o prazer não esteja exatamente no objetivo a que se presta (o dinheiro), mas justamente nos meios dos quais se utiliza para buscá-lo. O dinheiro é o seu “MacGuffin” (expressão criada por Alfred Hitchcock para designar um elemento de roteiro que leva à ação do filme, mas que na realidade não tem grande importância para o que se quer de fato mostrar na tela). Aliás, no presente caso, Macguffin do próprio filme, pois que a mencionada corrida de “papa-léguas” é apenas o subterfúgio para que os Irmãos Coen nos mostrem um painel da degradação da América. Não há mais espaço para os velhos valores, encarnados pelo personagem de Tommy Lee Jones, idéia revelada já a partir do título original (No Country For Old Men), mal traduzido para o português (pra variar um pouco, né?). Não há mais lugar para os velhos homens.
De qualquer forma, cabe perguntar: a degradação da América de fato ocorreu ou sua deterioração reside na sua própria gênese? Afinal, Leone já mostrava, em seu já citado clássico, que a cobiça e falta de escrúpulos está na origem da sociedade americana. A famosa “conquista do Oeste” foi extremamente brutal e as marcas desse tempo residem até hoje em vários aspectos dessa sociedade. Assim, será possível falar em degradação, ou apenas reafirmação dos valores que motivaram sua formação? Bom, o que apenas consigo afirmar é que o cenário caótico traçado pelos Coen não apenas se restringe à terra do Tio Sam. O mundo inteiro não é mais um bom lugar para se viver.
Independente da resposta a essa indagação, o que cabe aqui afirmar é que o Oscar, de forma flagrante, está se tornando uma premiação realmente de arte e não de mercado. Ao entregar a estatueta careca para esta obra dos Coen, vemos que algo de fato está mudando na Academia, já que o mesmo está longe, bem longe, der ser um filme comercial. Não possui nem mesmo trilha sonora, sua fotografia remonta aos filmes do final dos 70/início dos 80 e seu final abrupto(inteiramente fiel ao livro que lhe deu origem) deve descontentar 90% da platéia presente. Sendo sincero: como 90% dos que vão a salas é de gente medíocre incapaz de desejar algo que não seja um imbecil final feliz, esses mesmos serão incapazes de entender o desfecho deste filme que talvez seja o melhor dos irmãos diretores (sempre difíceis, por sinal). E desculpem o meu mau-humor. É que paciência tem limite. Mas já pedi a Deus nesta Páscoa a graça de adquirir paciência, pois dá vontade de chamar o Chigurh em certas ocasiões...Às vezes, sonho com o dia em que todos valorizem filmes assim. Mas aí acordo!
Palmas para a Academia. Vaias para o tal “grande público”.
Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.
Onde Os Fracos Não Têm Vez
"Três Homens em Conflito"
Ainda nos anos 60, o genial Sergio Leone nos brindou com um clássico do gênero cinematográfico criado por ele próprio, o famoso “western spaghetti”, apelido dado devido à sua origem italiana. “Três Homens em Conflito” (The Good, The Bad and The Ugly) nos apresentava três personagens em busca de um carregamento de ouro, mostrando, com estilo e bom-humor, a luta destes três homens para obter a almejada riqueza. Por trás disso, claro, Leone nos fornecia uma visão do processo de formação dos Estados Unidos da América, tema que seria ainda melhor desenvolvido posteriormente em sua obras-primas “Era Uma Vez no Oeste” e “Era Uma Vez na América”.
Algumas décadas depois, os irmãos Joel e Ethan Coen valem-se da mesma estrutura para desenvolver um longa que trata também da sociedade americana, mas não de seu passado ou de seu processo de formação. Trata, por seu turno, do processo de degradação desta sociedade, da perda dos valores mais essenciais, a qual parece conduzi-la a um lento definhar. Da mesma forma que Leone, os Coen nos mostram três homens em busca do mesmo objetivo: recuperar uma mala cheia de dólares advindos de tráfico ilícito de entorpecentes. Contudo, se no longa de Leone, os três personagens são levados basicamente pelo mesmo sentimento (cobiça), os homens de Coen parecem imbuídos, cada um, de razões próprias e bastante distintas.
Tudo começa quando Llewelyn Moss (interpretado por Josh Brolin), o típico texano que remonta aos tempos da conquista do Oeste, encontra, no local de uma carnificina entre traficantes de drogas, uma mala contendo uma pequena fortuna em dólares e passa a fugir dos seus perseguidores, entres eles Anton Chigurh, um maníaco homicida interpretado magistralmente por Javier Bardem (com um cabelo megafashion no melhor estilo “Beiçola”). Inicia-se, assim, um pega que lembra Papa-léguas entre os dois (aliás, o humor dos Irmãos Coen, embora atenuado, continua presente neste longa). À parte, o veterano xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones, em mais uma grande atuação) procura elucidar o caso, cuja carnificina lhe causa indagação e espanto.
Interessante notar que os Coen trouxeram, para este western moderno (o filme se passa em 1980), uma similaridade com o clássico de Leone: o três personagens possuem personalidades marcantes, tornando ainda mais importante o trabalho de atores. Todavia, se em “Três Homens em Conflito” esse elemento se torna um pouco mitigado devido ao motivo que imbui suas ações ser o mesmo (a ganância), aqui vemos três homens imbuídos de motivações bastante diferentes, assim como os mencionados irmãos diretores lhes atribuem personalidades ainda mais marcadas, buscando colocar em cada um os traços de uma América do passado, do presente e daquela que pode vir a ser.
Llewelyn, o cowboy que, podemos dizer, representa o americano médio, é um homem comum, ex-combatente do Vietnã, que leva sua vida simples e tranqüila com a esposa e, de repente, vê-se diante da tentação de enriquecer de forma fácil (ou pelo menos aparentemente fácil). É o homem comum que se deixa corromper, retrato da sociedade atual que, se está em parte corrompida, ainda apresenta alguns valores preservados. Já o xerife, homem de valores enraizados o qual, ao longo da caçada, acaba mais preocupado com a sorte de Llewelyn do que exatamente com a captura do dinheiro ou dos criminosos, representa um tempo que já não existe mais, onde os homens eram medidos antes de tudo por seu caráter e honradez. Valores estes hoje enterrados por aqueles que, como o psicótico Chigurh, são inteiramente amorais na busca de seus objetivos. Chigurh, em seu caminho, elimina, literalmente, todos que colocam a sua frente, utilizando-se de armas que, como realça o xerife em determinado ponto da projeção, são usadas para matar gado. Talvez, para o psicopata em questão, o prazer não esteja exatamente no objetivo a que se presta (o dinheiro), mas justamente nos meios dos quais se utiliza para buscá-lo. O dinheiro é o seu “MacGuffin” (expressão criada por Alfred Hitchcock para designar um elemento de roteiro que leva à ação do filme, mas que na realidade não tem grande importância para o que se quer de fato mostrar na tela). Aliás, no presente caso, Macguffin do próprio filme, pois que a mencionada corrida de “papa-léguas” é apenas o subterfúgio para que os Irmãos Coen nos mostrem um painel da degradação da América. Não há mais espaço para os velhos valores, encarnados pelo personagem de Tommy Lee Jones, idéia revelada já a partir do título original (No Country For Old Men), mal traduzido para o português (pra variar um pouco, né?). Não há mais lugar para os velhos homens.
De qualquer forma, cabe perguntar: a degradação da América de fato ocorreu ou sua deterioração reside na sua própria gênese? Afinal, Leone já mostrava, em seu já citado clássico, que a cobiça e falta de escrúpulos está na origem da sociedade americana. A famosa “conquista do Oeste” foi extremamente brutal e as marcas desse tempo residem até hoje em vários aspectos dessa sociedade. Assim, será possível falar em degradação, ou apenas reafirmação dos valores que motivaram sua formação? Bom, o que apenas consigo afirmar é que o cenário caótico traçado pelos Coen não apenas se restringe à terra do Tio Sam. O mundo inteiro não é mais um bom lugar para se viver.
Independente da resposta a essa indagação, o que cabe aqui afirmar é que o Oscar, de forma flagrante, está se tornando uma premiação realmente de arte e não de mercado. Ao entregar a estatueta careca para esta obra dos Coen, vemos que algo de fato está mudando na Academia, já que o mesmo está longe, bem longe, der ser um filme comercial. Não possui nem mesmo trilha sonora, sua fotografia remonta aos filmes do final dos 70/início dos 80 e seu final abrupto(inteiramente fiel ao livro que lhe deu origem) deve descontentar 90% da platéia presente. Sendo sincero: como 90% dos que vão a salas é de gente medíocre incapaz de desejar algo que não seja um imbecil final feliz, esses mesmos serão incapazes de entender o desfecho deste filme que talvez seja o melhor dos irmãos diretores (sempre difíceis, por sinal). E desculpem o meu mau-humor. É que paciência tem limite. Mas já pedi a Deus nesta Páscoa a graça de adquirir paciência, pois dá vontade de chamar o Chigurh em certas ocasiões...Às vezes, sonho com o dia em que todos valorizem filmes assim. Mas aí acordo!
Palmas para a Academia. Vaias para o tal “grande público”.
Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.
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