O futebol é uma das grandes paixões do brasileiro, disso ninguém duvida. Mas também é notável a incapacidade do cinema nacional em filmar este esporte, ou mesmo de desenvolver roteiros decentes com a temática do futebol. “Linha de Passe”, o mais recente trabalho de Walter Salles, em parceria com Daniela Thomas (a mesma dupla de “Terra Estrangeira” e “O Primeiro Dia”) na direção, talvez seja um dos raros casos de filme que envereda pela seara do esporte bretão com sucesso, mesmo que neste caso o futebol represente um elemento da trama e não o seu mote central.
O futebol, quem acompanha sabe, é uma grande metáfora da vida. Em nenhum outro esporte o imponderável se faz tão presente. Não é à toa que as “zebras” aconteçam de forma tão freqüente neste jogo que, até por isso, acaba se transformando no mais emocionante de todos. Quantas vezes você já não viu seu time perder mesmo sendo muito superior em campo ao adversário? Assim é o futebol, assim é a vida.
Tomando essas características emprestadas para sua obra, o roteiro, o qual foi escrito pela própria Daniela Thomas em parceria com Bráulio Mantovani (o mesmo de “Última Parada 174” e “Cidade de Deus”) e George Moura, nos apresenta à família de Cleuza (Sandra Corveloni, que recebeu o prêmio de melhor atriz no festival de Cannes 2008), mãe de quatro filhos, todos de pais diferentes. Dario (Vinícius de Oliveira) pretende ser jogador de futebol. O problema é que ele atingiu a idade limite para a “peneira” nos clubes, 18 anos, o que reduz muito suas chances de ser aproveitado. Dênis (João Baldasserini) é motoboy, pai ausente e apresenta uma tendência para a criminalidade. Dinho (José Geraldo Rodrigues) é evangélico, mas parece já ter tido problemas de delinqüência no passado e, finalmente, Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), o mais novo dos quatro com seus 9 ou 10 anos de idade, passa os dias entre a escola e longas viagens de ônibus. Ele sabe que seu pai é motorista e busca encontrá-lo em um desses passeios. Vale acrescentar que Creuza está grávida de um quinto filho, cujo pai também não se sabe onde está. Dentro da dura realidade da periferia onde vivem, os personagens parecem estar o tempo inteiro “na marca do pênalti”. As dificuldades que enfrentam parecem intransponíveis e as decisões, os caminhos a serem seguidos, parecem surgir a cada novo fotograma. Decisões difíceis, diga-se de passagem. O peso de suas vidas ultrapassa a tela e atinge o espectador. Cabe destacar ainda a volta de Salles a um velho tema seu, a ausência paterna, que já havia sido explorado em “Central do Brasil” (óbvio que o fato de nenhum dos rapazes ter crescido com seus respectivos pais é gratuito).
Para retratar essa realidade asfixiante, a dupla de diretores optou por uma fotografia dessaturada (de Mauro Pinheiro Jr.), aliás, algo até comum nos filmes de Salles (como em “Central do Brasil”), contando ainda com aquele mesmo “cheiro” do neo-realismo italiano que permeia toda sua obra. Uma fotografia que transmite uma sensação de tristeza ainda mais acentuada pela trilha de Gustavo Santaolalla (que já havia trabalhado com Salles em “Diários de Motocicleta”). Todavia, o que mais se destaca em “Linha de Passe” é mesmo o elenco. Impressionante como todos parecem perfeitos em seus papéis, encarnando seus personagens com uma naturalidade tão grande que nos fazem por vezes esquecer que estamos vendo atores representando. Realmente gratificante perceber que os críticos, público e júri de Cannes perceberam isso e agraciaram o filme com o prêmio de melhor atriz. Kaíque, por exemplo, dá um banho no inconstante Michel Gomes, que interpretou Sandro do Nascimento em “Ùltima Parada 174”. Vale dizer, não apenas no quesito interpretação “Linha de Passe” se mostra superior ao longa de Bruno Barreto. É notável como a simplicidade do primeiro contrasta com a hiperdramatização do segundo, como seu teor melodramático formulado para levar o espectador às lágrimas.
Mas, acima, eu falava da relação deste longa em resenha com o futebol. Pois bem, ela se torna ainda mais clara em uma determinada seqüência, quando Dario está para cobrar uma penalidade. Se em uma partida um pênalti pode decidir o seu destino, na vida um dado momento, uma escolha, um passo dado pode alterar completamente o seu rumo. O imponderável estará sempre presente.
Muitos talvez venham a se queixar que o término de “Linha de Passe” é excessivamente aberto, pois que deixa indefinidos os destinos dos personagens. Na realidade, creio que não haveria melhor opção. Seus personagens se tornam ainda mais reais ao possuírem futuros ainda a serem escritos, assim como os nossos.
Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5.
O futebol, quem acompanha sabe, é uma grande metáfora da vida. Em nenhum outro esporte o imponderável se faz tão presente. Não é à toa que as “zebras” aconteçam de forma tão freqüente neste jogo que, até por isso, acaba se transformando no mais emocionante de todos. Quantas vezes você já não viu seu time perder mesmo sendo muito superior em campo ao adversário? Assim é o futebol, assim é a vida.
Tomando essas características emprestadas para sua obra, o roteiro, o qual foi escrito pela própria Daniela Thomas em parceria com Bráulio Mantovani (o mesmo de “Última Parada 174” e “Cidade de Deus”) e George Moura, nos apresenta à família de Cleuza (Sandra Corveloni, que recebeu o prêmio de melhor atriz no festival de Cannes 2008), mãe de quatro filhos, todos de pais diferentes. Dario (Vinícius de Oliveira) pretende ser jogador de futebol. O problema é que ele atingiu a idade limite para a “peneira” nos clubes, 18 anos, o que reduz muito suas chances de ser aproveitado. Dênis (João Baldasserini) é motoboy, pai ausente e apresenta uma tendência para a criminalidade. Dinho (José Geraldo Rodrigues) é evangélico, mas parece já ter tido problemas de delinqüência no passado e, finalmente, Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), o mais novo dos quatro com seus 9 ou 10 anos de idade, passa os dias entre a escola e longas viagens de ônibus. Ele sabe que seu pai é motorista e busca encontrá-lo em um desses passeios. Vale acrescentar que Creuza está grávida de um quinto filho, cujo pai também não se sabe onde está. Dentro da dura realidade da periferia onde vivem, os personagens parecem estar o tempo inteiro “na marca do pênalti”. As dificuldades que enfrentam parecem intransponíveis e as decisões, os caminhos a serem seguidos, parecem surgir a cada novo fotograma. Decisões difíceis, diga-se de passagem. O peso de suas vidas ultrapassa a tela e atinge o espectador. Cabe destacar ainda a volta de Salles a um velho tema seu, a ausência paterna, que já havia sido explorado em “Central do Brasil” (óbvio que o fato de nenhum dos rapazes ter crescido com seus respectivos pais é gratuito).
Para retratar essa realidade asfixiante, a dupla de diretores optou por uma fotografia dessaturada (de Mauro Pinheiro Jr.), aliás, algo até comum nos filmes de Salles (como em “Central do Brasil”), contando ainda com aquele mesmo “cheiro” do neo-realismo italiano que permeia toda sua obra. Uma fotografia que transmite uma sensação de tristeza ainda mais acentuada pela trilha de Gustavo Santaolalla (que já havia trabalhado com Salles em “Diários de Motocicleta”). Todavia, o que mais se destaca em “Linha de Passe” é mesmo o elenco. Impressionante como todos parecem perfeitos em seus papéis, encarnando seus personagens com uma naturalidade tão grande que nos fazem por vezes esquecer que estamos vendo atores representando. Realmente gratificante perceber que os críticos, público e júri de Cannes perceberam isso e agraciaram o filme com o prêmio de melhor atriz. Kaíque, por exemplo, dá um banho no inconstante Michel Gomes, que interpretou Sandro do Nascimento em “Ùltima Parada 174”. Vale dizer, não apenas no quesito interpretação “Linha de Passe” se mostra superior ao longa de Bruno Barreto. É notável como a simplicidade do primeiro contrasta com a hiperdramatização do segundo, como seu teor melodramático formulado para levar o espectador às lágrimas.
Mas, acima, eu falava da relação deste longa em resenha com o futebol. Pois bem, ela se torna ainda mais clara em uma determinada seqüência, quando Dario está para cobrar uma penalidade. Se em uma partida um pênalti pode decidir o seu destino, na vida um dado momento, uma escolha, um passo dado pode alterar completamente o seu rumo. O imponderável estará sempre presente.
Muitos talvez venham a se queixar que o término de “Linha de Passe” é excessivamente aberto, pois que deixa indefinidos os destinos dos personagens. Na realidade, creio que não haveria melhor opção. Seus personagens se tornam ainda mais reais ao possuírem futuros ainda a serem escritos, assim como os nossos.
Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5.
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