quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Não é sobre cinema



O blog é sobre cinema, mas acho que todos vão entender porque vou abrir uma exceção para falar de História (assim, com H maiúsculo).


Mãos Dadas

Recordando os meus tempos de pré-escola, acabei por lembrar de um colega que sempre tinha em muita conta. Era um garoto muito legal e simpático, com quem eu sempre jogava as peladas do recreio e com quem eu compartilhava o nome: Fábio. Ele me chamava de “Fábio Henrique” e eu o chamava de “Fábio Silva”, assim como o restante da turma, para não ocorrer confusão.

Entretanto, as atitudes de algumas pessoas me deixavam confuso. Fora da minha turma da escola e da minha casa, era comum ouvir de dizer que negros eram pessoas “inferiores”, que “cheiravam a macaco” ou que quando alguém fazia algo de errado isso era “coisa de nêgo”. Isso para mim não fazia o menor sentido. Eu sempre lembrava que o Fábio Silva era negro, mas era um menino legal, até mais legal do que garotos brancos como eu, e que de “inferior” e “macaco” ele não tinha nada. Os anos passaram, eu mudei de colégio e nunca mais vi Fábio Silva. De qualquer forma, as lembranças daquelas tardes em que jogava bola com meu amigo “de cor” nunca se apagaram.

Tempos mais tarde, com forte influência de uma família de orientação política de esquerda (meu avô materno é um ex-deputado estadual cassado e preso durante o regime militar), eu havia me tornado um adolescente politizado que, ademais, adorava ler livros de História, fosse geral ou do Brasil. Foi nessa época que comecei a ter mais contato com as idéias de um certo Martin Luther King Jr., um líder negro norte-americano que durante o fim dos anos 50 até 1968, ano em que foi assassinado, lutou pelos direitos civis dos afro-descendentes em sua terra, os Estados Unidos da América. “Eu tenho um sonho, o sonho de que um dia os homens possam ser julgados não pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter” era uma das frases mais inspiradoras que um jovem como eu poderia ler e ouvir e que poderia ser aplicada às mais diversas formas de discriminação, seja de raça, etnia, sexo, classe social... O pastor acabou se tornando uma das minhas grandes referências, ao lado de nomes como Ernesto “Che” Guevara, Gandhi, os Beatles (sou fã da banda não apenas por suas lindas canções, mas porque eles também mudaram o mundo) e o homem Jesus de Nazaré (à parte as religiões, uma dos grandes revolucionários da História, sem dúvida).

Mais alguns anos se passaram, eu já estava me tornando um homem e começando a ficar descrente de que minha geração pudesse ver mudanças significativas não apenas na sociedade brasileira como na internacional, no mundo enfim (jovens são assim mesmo, imediatistas e apressados). Todavia, em 2002 algo de diferente aconteceu no Brasil. Um certo torneiro mecânico que durante anos havia tentado se eleger sem sucesso, acabou se tornando mandatário máximo da nação. A eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência da República me fez acreditar que era possível transformar a realidade dentro de um sistema democrático, sem necessariamente nos valermos de “processos revolucionários” para tanto. Mesmo que Lula não tenha atendido a todas as expectativas do povo brasileiro, o que seria humanamente impossível é bom dizer, o só fato de ver um operário num lugar que até então era cativo das classes abastadas já representou uma enorme mudança, uma transformação que, como dito acima, eu já não acreditava mais ver. “É, as coisas podem mudar, sim...”, passei a refletir.

Contudo, se o Brasil parecia respirar novos ares, o plano internacional se mostrava nefasto. Os EUA, a grande potência econômica e militar do globo terrestre, tinha em seu governo George W. Bush, um representante de tudo que a política norte-americana tem de pior, um retrógrado belicoso cujas atitudes lembram a de um xerife nos tempos do velho Oeste. Suas ações estapafúrdias, principalmente no Iraque, fizeram o mundo esquecer do 11 de setembro e se colocar contra o poderio ianque. A luz poderia vir nas eleições de 2004, onde todos esperavam que os americanos retirassem seu líder belicoso do poder. Qual não é a surpresa quando eles reelegem George Bush: “o problema está mesmo nesse povo estúpido”, pensei. Mais quatro anos se passaram, e, como cereja do bolo, o governo irresponsável do texano ainda mergulhou o mundo em uma crise econômica que não era vista desde 1929.

Mas eis que surge um certo Barack Obama, senador pelo estado de Illinois que, com seu carisma e discurso renovador, prometia novos parâmetros na política do Tio Sam. E duas características suas chamam a atenção: seu nome de origem islâmica (é bom lembrar os grandes desentendimentos entre americanos e islâmicos nas últimas décadas) e um outro talvez ainda mais significativo: a cor de sua pele. Barack Obama é negro (mesmo que não muito escuro, uma vez que filho de mãe branca). E logo me veio à memória o sonho de Luther King: “será que finalmente veremos um homem ser julgado pelo seu caráter e não pela cor de sua pele?”. Ao longo das prévias do Partido Democrata, em que Obama enfrentou uma dura batalha contra uma concorrente que também representaria uma grande mudança (seria a primeira mulher a ser eleita presidente dos EUA), sempre fiquei desconfiado se seria realmente possível um candidato negro ser eleito presidente ou até mesmo passar pelas ditas prévias. Há alguns meses soubemos que ele obteve a indicação do partido. Uma barreira já havia sido transposta.

E hoje acordo com a notícia de que Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos. Na TV, pude acompanhar a festa nas ruas de Chicago (capital do Estado de Illinois) e por todo o território ianque. O que mais me chamou a atenção foi o fato de ver brancos e negros lado a lado, vibrando e sorrindo por terem ajudado a eleger aquele mestiço de nome “estrangeiro”. Além disso, a imagem de Obama e sua família ao lado do vice Joe Biden e sua respectiva esposa, ambos brancos e louros, todos de mãos dadas, é símbolo de um país transformado ou, porque não dizer, um mundo transformado, tão grande é a influência americana perante as outras nações. Sim, neste 05 de novembro senti que algo de diferente aconteceu. Se, há alguns anos, o Brasil parecia adentrar em um novo tempo, hoje o mundo inteiro parece respirar uma nova era. Talvez Barack Obama não faça um grande governo, é verdade, traga decepções (certamente as trará, pois ninguém é um messias), ponha os pés pelas mãos. Mas só o fato de ver um negro eleito presidente naquele país, onde há apenas 40 anos o famoso líder negro era assassinado por dizer que brancos e negros eram iguais, já é suficiente para fazer surgir um sorriso, mesmo que pequeno, no rosto de todos aqueles que um dia imaginaram um planeta um pouco mais justo.

Creio que realmente eu estava equivocado anos atrás. Sim, as coisas mudam... Podem demorar a acontecer, talvez não aconteçam na velocidade que esperamos (afinal, nosso tempo de vida é tão breve, não é mesmo?). Mas... mudam!

Acho que Fábio Silva, aquele meu amigo dos tempos da pré-escola, das peladas no recreio, também deve estar sorrindo neste momento...

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