sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Se Meu Apartamento Falasse


Wilder não envelhece

Billy Wilder é um dos mais geniais diretores de todos os tempos. Sim, vamos utilizar o verbo no presente, pois, apesar de falecido em 2002, Wilder mostra-se eterno a cada a nova visita à sua obra. E é interessante como ele conseguiu registros memoráveis em quase todos os gêneros cinematográficos, seja no drama (“Crepúsculo dos Deuses”), em películas de guerra (“Inferno nº 17”, onde repetiu com William Holden a feliz parceria do citado “Crepúsculo”) ou na comédia maluca, como em “Quanto Mais Quente Melhor”, um filme realmente lendário, em que o trio Jack Lemmon, Tony Curtis e Marilyn Monroe protagoniza algumas das cenas mais hilárias da história do cinema.

O maior talento de Wilder foi a sua perspicácia social revelada através da mais fina ironia. Talvez por ser um “estrangeiro” (de origem austríaca, chegou aos EUA fugindo do nazismo na Europa), o diretor, produtor e roteirista, via como ninguém a hipocrisia reinante na moralista sociedade norte-americana e, com uma ousadia muitas vezes espantosa até para os padrões atuais, dava um tapa na cara da platéia sem que esta se desse conta do golpe que lhe estava sendo desferido. Muitas vezes até fazendo-a rir, como no mencionado “Quanto Mais Quente Melhor” ou ainda em “O pecado Mora ao Lado” (lembram do filme em que a saia de Marilyn sobe? É esse mesmo!). E também neste “Se Meu Apartamento Falasse” (feliz título brasileiro para “The Apartment”), sem dúvida um dos mais ácidos de sua obra, ao mesmo tempo em que demonstra ainda acreditar no caráter de um ser humano.

Talvez este seja também seu filme mais equilibrado, dosando bem elementos de comédia, drama e romance, além do já citado viés anti-moralista do diretor, que sempre sofreu com a censura reinante em Hollywood. O roteiro, de autoria do próprio Wilder em parceria com Izzy Diamond (e que teria sido baseado em um escândalo envolvendo estrelas de Hollywood à época), mostra a vida de C. C.Baxter (interpretado pelo genial JackLemmon), um funcionário que trabalha no 19º andar de uma importante seguradora em Nova York. Ele seria apenas mais um dos muitos empregados não fosse um fato curioso: o seu apartamento, que se situa a algumas quadras dali, é usado por seus superiores para encontros com amantes. Em troca deste favor, Baxter conta com a ajuda dos chefes para galgar postos mais altos nos escalões da empresa. Oportunidade ainda maior surge quando o sr. Sheldrake (Fred MacMurray), o presidente da seguradora, toma conhecimento dos seus “favores” e pede a ele a chave do apartamento para um encontro amoroso. Mal sabe Baxter que a amante do todo-poderoso é a srta. Fran Kubelik (Shirley MacLaine, ótima), ascensorista pela qual sempre teve interesse romântico.

Vê-se, de antemão, que os personagens estão longe de serem unidimensionais, como acontece de forma tão freqüente no cinema "made in USA". Baxter, mesmo não sendo um mau caráter, usa de formas não muito elogiáveis para ascender profissionalmente, assim como a personagem da srta. Kubelik passa uma impressão de respeitabilidade para todos na firma, muito embora seja a amante de um homem casado. Aliás, Wilder sempre explorou a dubiedade de caráter em seus personagens, bastando lembrar o exemplo clássico do personagem de William Holden em “Crepúsculo dos Deuses”. O diretor chegou até mesmo a ser convidado a palestrar na então Alemanha Oriental por mostrar em sua obra que na sociedade capitalista todos acabam “se vendendo”.

Obviamente, Wilder não deixa o longa padecer de diálogos afiados. Sua pena está criativa como nunca, e várias falas marcantes pontuam a projeção. Memorável o diálogo em que Baxter afirma: “Você ouviu o que eu disse, srta. Kubelik? Eu simplesmente te adoro” e ela simplesmente responde “Cale a boca e dê as cartas”. As emoções dos personagens, por sinal, são, em geral, mostradas de forma contida, sem grandes arroubos. E mesmo as situações de comédia são tênues quando comparadas ao filme imediatamente anterior de Wilder, “Quanto Mais Quente Melhor”. Se neste Wilder joga para o espectador as situações mais hilariantes, fazendo-o gargalhar do início ao fim da projeção, em “Se Meu Apartamento Falasse” o riso é contido, dentro de situações que poderiam ser perfeitamente vivenciadas pelos assistentes da platéia. Talvez até mesmo Wilder não quisesse passar a ser visto como um autor escrachado, o que o fez contrapor o tom deste ao do anterior. Wilder também não deixa de utilizar elementos cênicos a seu favor, como a raquete de tênis que Baxter utiliza como escorredor de macarrão (assim como em “O pecado Mora Ao Lado” as escadas acabam tendo uma verdadeira “atuação”). Aliás, existem até vários elementos de comunicação perceptíveis entre os dois filmes, como o fato dos personagens de Lemmon e Tom Ewell (em “O Pecado...”) residirem em apartamentos e encontrarem-se solteiros (mesmo que o último apenas “momentaneamente”).

Dono de 5 Oscars (filme, diretor, roteiro original, edição e direção de arte), “Se Meu Apartamento Falasse” é mesmo um filme para ser visto e lembrado. Uma obra que será atual mesmo daqui a 100 ou 200 anos. Acima, comentei que Wilder se saía bem nos mais diversos gêneros. Em qual deles este poderia ser classificado? Provavelmente como “comédia romântica”. Todavia, sua qualidade nem de longe lembra a pobreza de conteúdo que domina esse gênero nos anos 2000. Cameron Diaz pode ser bonitinha (e gostosa!), mas o cinema tem que ter algo além da beleza de seus intérpretes. Wilder, mesmo trabalhando com belas atrizes, sabia disso. Em qual comédia romântica que hoje passa nos cinemas poderíamos ver um diálogo como este: “o espelho... está quebrado''. -''Eu sei. É assim que eu gosto. Assim também me vejo como me sinto''? E o cineasta acabou cumprindo a promessa que fez ao funcionário da embaixada americana que lhe concedeu o visto em 1934 para que permanecesse em Hollywood: “fazer bons filmes”.

Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0
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