Coen para as massas
Em 2007, os irmãos Joel e Ethan Coen realizaram uma obra peculiar, uma espécie de western moderno intitulado “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, um filme soberbo que pintou em cores vivas a decadência dos valores da sociedade norte-americana, valores nobres substituídos unicamente pela ganância, pela busca implacável da riqueza a qualquer custo, gerando uma amoralidade vista de modo cada vez mais natural. Inegavelmente pessimista, trata-se de um olhar desalentado sobre uma sociedade que parece fadada ao declínio e degradação. Esta é uma temática, vale dizer, muito cara ao trabalho dos inseparáveis irmãos, como já se podia perceber no seu emblemático “Fargo”, longa de 1996 vencedor do Oscar de melhor roteiro original e atriz (Frances McDormand).
Eis que agora surgem os autores com este “Bravura Indômita”, uma releitura do clássico protagonizado pelo imortal John Wayne e que lhe rendeu o único Oscar da carreira. Talvez o termo “releitura” seja mais preciso, pois que os irmãos recusam o termo comum de “remake”, pois que alegam estar realizando uma nova adaptação, mais fiel ao material do livro de Charles Portis e não uma mera refilmagem do longa predecessor. Contudo, à parte as inevitáveis comparações com o filme de 1969 (até porque mexer com um personagem imortalizado por John Wayne é sempre algo temerário), o mais interessante é contextualizar a nova produção na própria obra dos renomados diretores-roteiristas.
O primeiro ponto relevante a ser mencionado é o caráter comercial deste novo trabalho. Sem dúvida, trata-se do filme mais apto dos Coen a agradar ao grande público. Não à toa, ele se tornou um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, o mais rentável produto da dupla até hoje. Observando os nomes presentes nos créditos, percebe-se que Steven Spielberg é o produtor executivo do longa, o que provavelmente influenciou no seu resultado palatável. Há uma carga emocional mais forte do que se costuma verificar na filmografia dos diretores, cujos exemplares normalmente têm pouco ou nenhum apelo emocional, como no acima referido “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, dono de uma aridez que espanta espectadores com certa freqüência. Não se pode refutar que isso, de certa forma, atribuiu uma aura mais humana aos personagens da trama, vez que, quase invariavelmente, estes são muito caricaturizados nos roteiros desenvolvidos pelos irmãos. Por outro lado, concessões são sempre concessões, e é perceptível que alguns dos traços estilísticos dos autores foram aqui suavizados, entre eles o humor negro característico da dupla que, se não está ausente, se mostra bastante minorado aqui. O único elemento comum aos longas anteriores que transparece de maneira incisiva é a violência, e mesmo assim de forma menos impactante do que em outros exemplares da filmografia Coen.
No mais, a trama se desenvolve da mesma forma que a obra de 1969. Mattie Ross (a novata Hailee Steinfeld), uma garota que teve o pai assassinado, busca vingança. Para caçar o responsável, o criminoso Chaney (Josh Brolin), ela contrata o policial federal Reuben “Rooster” Cogburn (o papel de John Wayne na primeira versão e aqui interpretado por Jeff Bridges),o qual possui métodos pouco ortodoxos e conduta questionável. A eles se junta o ranger La Bouef (Matt Damon), que já estava anteriormente no encalço do facínora. Entre os três se desenvolve aquela tradicional relação de antipatia que acaba se tornando amizade, além de uma disputa sublimada entre os homens da lei pela atenção da menina. Todavia, não se pode negar que o elenco nos oferece um bom desempenho. Steinfeld é mesmo boa atriz e pode ter muito futuro caso escolha os trabalhos certos. Matt Damon está ótimo como La Bouef, sendo até estranho que tenha sido excluído das indicações ao prêmio da Academia como ator coadjuvante. E Jeff Bridges (que já havia trabalhado com os irmãos em “O Grande Lebowski”), na ingrata missão de reformular um personagem encarnado por um dos grandes astros de Hollywood, se sai inegavelmente bem, preservando o tapa-olho, mas sabendo construir uma nova identidade para Cogburn (ele está indicado ao prêmio de melhor ator, mas não deve levar).Outro elemento bem trabalhado foi a trilha sonora, de Carter Burwell, que consegue imprimir emoção no momentos certos, mesmo diante da fotografia escura (em contraposição à ensolarada da versão pioneira) adotada pelos diretores (como em geral acontece em seus filmes).
A verdade é que a sensação de já ter visto aquela narrativa em algum lugar incomoda um pouco. Fazer remakes, principalmente de um clássico, sempre é um risco, pois o sabor de comida requentada pode se fazer sentir em muitos espectadores. Eu fui um deles. De qualquer forma, é indubitável que os Irmãos Coen conseguiram imprimir, mesmo que de forma atenuada, devido ao caráter mais comercial do projeto (como salientado mais acima), uma sensível dose de sua personalidade e estilo. Entretanto, resta um ponto que talvez demonstre que os mesmos tenham recuperado a fé nas pessoas: este novo “True Grit” revela um perceptível otimismo, contrastando com o pessimismo cáustico de “Onde Os Fracos Não Têm Vez”. Os Coen parecem agora dizer que ainda há luz no fim do túnel para uma sociedade degradada. Tomara que estejam certos.
Cotação:
Nota: 8,5
Em 2007, os irmãos Joel e Ethan Coen realizaram uma obra peculiar, uma espécie de western moderno intitulado “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, um filme soberbo que pintou em cores vivas a decadência dos valores da sociedade norte-americana, valores nobres substituídos unicamente pela ganância, pela busca implacável da riqueza a qualquer custo, gerando uma amoralidade vista de modo cada vez mais natural. Inegavelmente pessimista, trata-se de um olhar desalentado sobre uma sociedade que parece fadada ao declínio e degradação. Esta é uma temática, vale dizer, muito cara ao trabalho dos inseparáveis irmãos, como já se podia perceber no seu emblemático “Fargo”, longa de 1996 vencedor do Oscar de melhor roteiro original e atriz (Frances McDormand).
Eis que agora surgem os autores com este “Bravura Indômita”, uma releitura do clássico protagonizado pelo imortal John Wayne e que lhe rendeu o único Oscar da carreira. Talvez o termo “releitura” seja mais preciso, pois que os irmãos recusam o termo comum de “remake”, pois que alegam estar realizando uma nova adaptação, mais fiel ao material do livro de Charles Portis e não uma mera refilmagem do longa predecessor. Contudo, à parte as inevitáveis comparações com o filme de 1969 (até porque mexer com um personagem imortalizado por John Wayne é sempre algo temerário), o mais interessante é contextualizar a nova produção na própria obra dos renomados diretores-roteiristas.
O primeiro ponto relevante a ser mencionado é o caráter comercial deste novo trabalho. Sem dúvida, trata-se do filme mais apto dos Coen a agradar ao grande público. Não à toa, ele se tornou um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, o mais rentável produto da dupla até hoje. Observando os nomes presentes nos créditos, percebe-se que Steven Spielberg é o produtor executivo do longa, o que provavelmente influenciou no seu resultado palatável. Há uma carga emocional mais forte do que se costuma verificar na filmografia dos diretores, cujos exemplares normalmente têm pouco ou nenhum apelo emocional, como no acima referido “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, dono de uma aridez que espanta espectadores com certa freqüência. Não se pode refutar que isso, de certa forma, atribuiu uma aura mais humana aos personagens da trama, vez que, quase invariavelmente, estes são muito caricaturizados nos roteiros desenvolvidos pelos irmãos. Por outro lado, concessões são sempre concessões, e é perceptível que alguns dos traços estilísticos dos autores foram aqui suavizados, entre eles o humor negro característico da dupla que, se não está ausente, se mostra bastante minorado aqui. O único elemento comum aos longas anteriores que transparece de maneira incisiva é a violência, e mesmo assim de forma menos impactante do que em outros exemplares da filmografia Coen.
No mais, a trama se desenvolve da mesma forma que a obra de 1969. Mattie Ross (a novata Hailee Steinfeld), uma garota que teve o pai assassinado, busca vingança. Para caçar o responsável, o criminoso Chaney (Josh Brolin), ela contrata o policial federal Reuben “Rooster” Cogburn (o papel de John Wayne na primeira versão e aqui interpretado por Jeff Bridges),o qual possui métodos pouco ortodoxos e conduta questionável. A eles se junta o ranger La Bouef (Matt Damon), que já estava anteriormente no encalço do facínora. Entre os três se desenvolve aquela tradicional relação de antipatia que acaba se tornando amizade, além de uma disputa sublimada entre os homens da lei pela atenção da menina. Todavia, não se pode negar que o elenco nos oferece um bom desempenho. Steinfeld é mesmo boa atriz e pode ter muito futuro caso escolha os trabalhos certos. Matt Damon está ótimo como La Bouef, sendo até estranho que tenha sido excluído das indicações ao prêmio da Academia como ator coadjuvante. E Jeff Bridges (que já havia trabalhado com os irmãos em “O Grande Lebowski”), na ingrata missão de reformular um personagem encarnado por um dos grandes astros de Hollywood, se sai inegavelmente bem, preservando o tapa-olho, mas sabendo construir uma nova identidade para Cogburn (ele está indicado ao prêmio de melhor ator, mas não deve levar).Outro elemento bem trabalhado foi a trilha sonora, de Carter Burwell, que consegue imprimir emoção no momentos certos, mesmo diante da fotografia escura (em contraposição à ensolarada da versão pioneira) adotada pelos diretores (como em geral acontece em seus filmes).
A verdade é que a sensação de já ter visto aquela narrativa em algum lugar incomoda um pouco. Fazer remakes, principalmente de um clássico, sempre é um risco, pois o sabor de comida requentada pode se fazer sentir em muitos espectadores. Eu fui um deles. De qualquer forma, é indubitável que os Irmãos Coen conseguiram imprimir, mesmo que de forma atenuada, devido ao caráter mais comercial do projeto (como salientado mais acima), uma sensível dose de sua personalidade e estilo. Entretanto, resta um ponto que talvez demonstre que os mesmos tenham recuperado a fé nas pessoas: este novo “True Grit” revela um perceptível otimismo, contrastando com o pessimismo cáustico de “Onde Os Fracos Não Têm Vez”. Os Coen parecem agora dizer que ainda há luz no fim do túnel para uma sociedade degradada. Tomara que estejam certos.
Cotação:
Nota: 8,5
3 comentários:
Interessante esse filme, eu confesso que deixei pra ver no telão – mas, não esperava que fosse gostar tanto. Sim, gostei bastante! Engraçado que eu achava que iria me emocionar com 'Inverno da Alma' e foi este que assumiu uma força maior.
Na verdade, grande parte, ao meu ver, do fascínio que esse filme exala é por conta da inspirada atuação de Hailee Steinfeld. Um absurdo a Academia indicá-la como coadjuvante, visto que seu personagem tem função de Atriz principal, sabemos disso. Mas, enfim, ela que merece o Oscar, e não Melissa Leo. Mas, duvido que seja vencedora…de qualquer forma, vai ser mais indicada, tem tudo pra crescer. A menina nos hipnotiza em cena.
Acho que Jeff Bridges está soberbo e muito melhor que Colin Firth por “O Discurso do Rei” (ok, não desmereço nenhum dos concorrentes, pois a categoria está forte esse ano), mas sejamos sincero: seu papel aqui é mais denso e complexo que o do “Coração Louco”, hein? Mas, não será premiado não. Ainda assim, é uma personificação marcante! E concordo, ele está melhor que John Wayne do 'original'. Na realidade, eu nem gosto do filme original. E nem vejo esse como um remake, mas é.
Josh Brolin, mesmo que em tão pouco tempo em cena, consegue mostrar que é um ator mais maduro. Gostei de Damon também, mas o filme é de Hailee e Brigdes!
Ótimo texto!
Abraço
Achei demais esse filme! Não esperava tanto, mas no fim acabou que valeu suuper a pena gastar meus bonus da Inteligweb pra ir ver! Adorei!
A verdade é que acabei percebendo que a média dos filmes oscarizáveis deste ano é bem boa, ao contrário do que postei aqui no blog meses atrás. Parece que deixaram o melhor da fornada para o fim do ano. Mas, na minha opinião, o melhor filme do ano é Toy Story 3. Obra-prima!
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