Os Saltimbancos Trapalhões
Trapalhadas com qualidade
Houve um tempo em que ser criança se resumia realmente a ser criança. Ao contrário dos pequenos de hoje, que já parecem nascer com uma certa dose de cinismo e acostumadas a um mundo extremamente acelerado, tal como as animações e games que costumam assistir e jogar, as crianças nascidas há algumas décadas pareciam se encantar com coisas mais simples e eram lindamente ingênuas, inocentes.
Era pensando nesse tipo de público que Renato Aragão, Dedé Santana, Antônio Carlos (Mussum) e Mauro Gonçalves (Zacarias) formaram uma trupe inesquecível chamada “Os Trapalhões”. O grupo possuía um programa dominical de enorme sucesso e, o mais interessante, seu humor ingênuo, físico, direto e, ao mesmo tempo, escrachado e politicamente incorreto, que em muito lembrava os palhaços de circo, era capaz de agradar não apenas aos pequenos de então, como também aos adultos, homens ou mulheres, idosos, integrantes de todas as classes sociais. O melhor momento do domingo era, sem dúvida, a hora de “Os Trapalhões” entrarem em cena. As risadas, daquelas bem abertas, estavam garantidas pelo menos durante uma hora (para em seguida nos depararmos com o deprimente “Fantástico”).
Da mesma forma que alcançava sucesso na tela da TV, o quarteto também obtinha enorme êxito na telona do cinema. Seus filmes eram sempre bilheteria certa, com milhões de espectadores a cada lançamento. Dentro da enorme filmografia da trupe, contudo, um longa em especial se destaca pela sua qualidade artística. Trata-se de “Os Saltimbancos Trapalhões”, lançado em 1981.
Baseado na peça “Os Saltimbancos” (encenada pela primeira vez em 1977, contando com artistas como Nara Leão e Miúcha), de Chico Buarque, Sergio Bardotti e Luiz Enríquez Bacalov (por sua vez uma adaptação do conto dos Irmãos Grimm “Os Músicos de Bremem”), o filme alcança uma maturidade nuca vista antes nos filmes do quarteto. Claro que isso se deve em boa parte ao texto diferenciado e às músicas de qualidade sempre superior de Chico Buarque, o qual não apenas cedeu a utilização das canções do espetáculo teatral como até mesmo compôs uma exclusiva para o longa, a famosa “Piruetas” (“uma pirueta/ duas piruetas/ bravo/ bravo!”). Mas não é só. A verdade é que o humor de Didi e companhia se encaixa à perfeição na temática circense da trama, fato que não acontece em outras produções da trupe (como em “Os Trapalhões na Guerra das Estrelas”, um mistura de carne com peixe que sempre foi muito estranha).
O roteiro trata de uma turma de zeladores de animais (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias) do circo Bartholo, ameaçado de extinção devido à escassez de público. Por obra do acaso, entretanto, o quarteto acaba se transformando na grande atração do circo, salvando-o do fim. Contudo, Barão (Paulo Fortes), o dono do empreendimento, tira proveito da situação auferindo lucros cada vez maiores às custas dos ingênuos empregados, o quais continuam com salário de miséria, alimentando-se apenas de macarrão. Ademais, o mágico Assis Satã (Eduardo Conde) não gosta de ser deixado em segundo plano e se coloca numa empreitada anti-saltimbancos ajudado por sua assistente (Mila Moreira). Por outro lado, Didi encontra apoio e uma paixão na figura de Karina (Lucinha Lins), filha do dono do circo.
Desde logo, destaca-se um subtexto social presente na trama (lembre-se: o texto em que se baseia o filme é de Chico Buarque), numa clara alusão à luta de classes, à exploração dos mais fracos pelos fortes, fato que logo gerou simpatia da esquerda, a qual até então torcia o nariz para o humor apolítico dos Trapalhões. A produção, tal como levada às telas, deixa entrever até mesmo o momento já de franca decadência do regime militar, com uma censura já moribunda, pois que em determinada cena os saltimbancos fazem um aberto protesto por saúde e educação (observem algumas pichações em um muro).
Acima, mencionei como as músicas de Chico contribuem para a qualidade do longa. Pois bem, a verdade é que elas também dão ensejo a belos números musicais. J.B. Tanko, diretor croata radicado no Brasil após o fim da segunda guerra, e que trabalhou com os Trapalhões em outras dez oportunidades, mostrou-se muito feliz na concepção destas seqüências que não deixam a desejar nem quando comparadas aos musicais de Hollywood. Como assistir a “Saltimbancos Trapalhões” depois não sair cantarolando “História de Uma Gata” ou “Hollywood”? O número musical desta última (que já foi até regravada pelos Los Hermanos), por sinal, teve cenas filmadas nos EUA, mais precisamente nos estúdios da Universal, assim como algumas outras seqüências oníricas de Didi, as quais oferecem momentos impagáveis - a brincadeira com as legendas durante o duelo com o caubói é mesmo ótima, e só poderia ser concebida por um povo acostumado a ler legendas (bem diferente do público americano). Também interessante notar a eterna influência de Chaplin em Renato Aragão, sempre emprestando um tom de melancolia aos seus personagens (principalmente no final).
O sucesso da produção, que alcançou mais de 5 milhões de espectadores nos cinemas (até hoje uma das 15 maiores bilheterias do cinema nacional) foi tão grande que acabou sendo exportada para outros países como Uruguai, Argentina e Espanha.
Uma pena que hoje esta autêntica pérola do cinema nacional talvez não surta o efeito desejado sobre as crianças (como dito anteriormente, os pequenos de hoje parecem já nascer um tanto adultos), mas isso não diminui em nada a sua qualidade. Aliás, mesmo que a meninada de hoje sinta-se entediada em alguns momentos, em outros tantos será impossível deixar de rir. E vocês, adultos que estão lendo esta resenha, talvez soltem risadas ainda maiores...
Cotação e nota: Ô da poltrona, pra que isso, cacildis??!! ;=)
Obs. O DVD lançado pela Europa, embora graficamente caprichado, deixa a desejar na qualidade do som e imagem, vez que não houve processo de restauração dos mesmos, e os extras se resumem a uma versão em MP4. De qualquer forma, vale à pena ter na sua coleção.
Era pensando nesse tipo de público que Renato Aragão, Dedé Santana, Antônio Carlos (Mussum) e Mauro Gonçalves (Zacarias) formaram uma trupe inesquecível chamada “Os Trapalhões”. O grupo possuía um programa dominical de enorme sucesso e, o mais interessante, seu humor ingênuo, físico, direto e, ao mesmo tempo, escrachado e politicamente incorreto, que em muito lembrava os palhaços de circo, era capaz de agradar não apenas aos pequenos de então, como também aos adultos, homens ou mulheres, idosos, integrantes de todas as classes sociais. O melhor momento do domingo era, sem dúvida, a hora de “Os Trapalhões” entrarem em cena. As risadas, daquelas bem abertas, estavam garantidas pelo menos durante uma hora (para em seguida nos depararmos com o deprimente “Fantástico”).
Da mesma forma que alcançava sucesso na tela da TV, o quarteto também obtinha enorme êxito na telona do cinema. Seus filmes eram sempre bilheteria certa, com milhões de espectadores a cada lançamento. Dentro da enorme filmografia da trupe, contudo, um longa em especial se destaca pela sua qualidade artística. Trata-se de “Os Saltimbancos Trapalhões”, lançado em 1981.
Baseado na peça “Os Saltimbancos” (encenada pela primeira vez em 1977, contando com artistas como Nara Leão e Miúcha), de Chico Buarque, Sergio Bardotti e Luiz Enríquez Bacalov (por sua vez uma adaptação do conto dos Irmãos Grimm “Os Músicos de Bremem”), o filme alcança uma maturidade nuca vista antes nos filmes do quarteto. Claro que isso se deve em boa parte ao texto diferenciado e às músicas de qualidade sempre superior de Chico Buarque, o qual não apenas cedeu a utilização das canções do espetáculo teatral como até mesmo compôs uma exclusiva para o longa, a famosa “Piruetas” (“uma pirueta/ duas piruetas/ bravo/ bravo!”). Mas não é só. A verdade é que o humor de Didi e companhia se encaixa à perfeição na temática circense da trama, fato que não acontece em outras produções da trupe (como em “Os Trapalhões na Guerra das Estrelas”, um mistura de carne com peixe que sempre foi muito estranha).
O roteiro trata de uma turma de zeladores de animais (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias) do circo Bartholo, ameaçado de extinção devido à escassez de público. Por obra do acaso, entretanto, o quarteto acaba se transformando na grande atração do circo, salvando-o do fim. Contudo, Barão (Paulo Fortes), o dono do empreendimento, tira proveito da situação auferindo lucros cada vez maiores às custas dos ingênuos empregados, o quais continuam com salário de miséria, alimentando-se apenas de macarrão. Ademais, o mágico Assis Satã (Eduardo Conde) não gosta de ser deixado em segundo plano e se coloca numa empreitada anti-saltimbancos ajudado por sua assistente (Mila Moreira). Por outro lado, Didi encontra apoio e uma paixão na figura de Karina (Lucinha Lins), filha do dono do circo.
Desde logo, destaca-se um subtexto social presente na trama (lembre-se: o texto em que se baseia o filme é de Chico Buarque), numa clara alusão à luta de classes, à exploração dos mais fracos pelos fortes, fato que logo gerou simpatia da esquerda, a qual até então torcia o nariz para o humor apolítico dos Trapalhões. A produção, tal como levada às telas, deixa entrever até mesmo o momento já de franca decadência do regime militar, com uma censura já moribunda, pois que em determinada cena os saltimbancos fazem um aberto protesto por saúde e educação (observem algumas pichações em um muro).
Acima, mencionei como as músicas de Chico contribuem para a qualidade do longa. Pois bem, a verdade é que elas também dão ensejo a belos números musicais. J.B. Tanko, diretor croata radicado no Brasil após o fim da segunda guerra, e que trabalhou com os Trapalhões em outras dez oportunidades, mostrou-se muito feliz na concepção destas seqüências que não deixam a desejar nem quando comparadas aos musicais de Hollywood. Como assistir a “Saltimbancos Trapalhões” depois não sair cantarolando “História de Uma Gata” ou “Hollywood”? O número musical desta última (que já foi até regravada pelos Los Hermanos), por sinal, teve cenas filmadas nos EUA, mais precisamente nos estúdios da Universal, assim como algumas outras seqüências oníricas de Didi, as quais oferecem momentos impagáveis - a brincadeira com as legendas durante o duelo com o caubói é mesmo ótima, e só poderia ser concebida por um povo acostumado a ler legendas (bem diferente do público americano). Também interessante notar a eterna influência de Chaplin em Renato Aragão, sempre emprestando um tom de melancolia aos seus personagens (principalmente no final).
O sucesso da produção, que alcançou mais de 5 milhões de espectadores nos cinemas (até hoje uma das 15 maiores bilheterias do cinema nacional) foi tão grande que acabou sendo exportada para outros países como Uruguai, Argentina e Espanha.
Uma pena que hoje esta autêntica pérola do cinema nacional talvez não surta o efeito desejado sobre as crianças (como dito anteriormente, os pequenos de hoje parecem já nascer um tanto adultos), mas isso não diminui em nada a sua qualidade. Aliás, mesmo que a meninada de hoje sinta-se entediada em alguns momentos, em outros tantos será impossível deixar de rir. E vocês, adultos que estão lendo esta resenha, talvez soltem risadas ainda maiores...
Cotação e nota: Ô da poltrona, pra que isso, cacildis??!! ;=)
Obs. O DVD lançado pela Europa, embora graficamente caprichado, deixa a desejar na qualidade do som e imagem, vez que não houve processo de restauração dos mesmos, e os extras se resumem a uma versão em MP4. De qualquer forma, vale à pena ter na sua coleção.
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