domingo, 4 de janeiro de 2009

Filmes Para Ver Antes de Morrer


No meu último post, coloquei "Apenas Uma Vez" entre os melhores do ano. Ainda neste mês de janeiro, o DVD estará disponível para venda, com distribuição da Europa. Aproveitando o ensejo, segue abaixo a resenha que escrevi quando de sua exibição nos cinemas.

Apenas Uma Vez
(Once)


Cinema + Música = Emoção


Este é mais um dos exemplos de que, para se fazer um bom filme, não é necessário um grande orçamento, com mais de 100 milhões de dólares à disposição, toneladas de efeitos especiais, elenco recheado de astros milionários, locações em várias partes do mundo etc. etc. etc. Para se fazer uma expressiva obra cinematográfica, já dizia o lendário diretor brasileiro Glauber Rocha, são necessárias, apenas, “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. E é bem dentro desse estilo “cinema novo” que o diretor John Carney nos entrega uma pequena obra-prima.

“Apenas Uma Vez” (Once) é um filme irlandês, de baixo orçamento, encenado por atores não profissionais, produzido ainda em 2006, mas que acabou sendo exibido nos EUA no ano passado e descoberto pelos críticos norte-americanos (via Sundance Festival, onde recebeu o prêmio World Audience Award). Catapultado pelas críticas positivas, o longa acabou tendo um relativo sucesso de público e, principalmente, teve uma de suas canções, “Falling Slowly”, indicada para o Oscar de melhor canção. Ou melhor: a música foi a vencedora do prêmio deste ano, sendo interpretada na cerimônia de premiação pelo casal de protagonistas do filme, Glenn Hansard e Marketa Irglova, os quais também são os compositores da mesma. Mas, se o sucesso veio, não foi por acaso.

O filme trata da vida de pessoas comuns, como eu e você, dessas com quem podemos esbarrar na rua por acaso, a qualquer momento. Os personagens centrais sequer possuem nomes, deixando claro que as situações vivenciadas pelos mesmos poderiam também ser experimentadas pelo espectador que está ali na sala escura. E é preciso que se diga: todos nós já experimentamos algo parecido com o que é mostrado na tela. O rapaz, interpretado por Hansard, trabalha ajudando na loja de consertos de aspiradores de seu pai, com quem também mora em um pequeno apartamento em Dublin, a capital irlandesa. Nas horas vagas, procura ganhar uns trocados mostrando seus dotes musicais nas ruas e é através da música que o rapaz externa e procura extirpar a dor de ter sido abandonado por sua ex-mulher. Um belo dia (ou melhor, noite!), uma de suas canções chama a atenção de uma transeunte. A moça, personagem de Irglova, é uma imigrante da República Tcheca que vende flores para sustentar a mãe e sua filha, Ivonka (um dos poucos personagens do filme a ter nome). Ela também tem um amor mal-resolvido, o pai de sua filha, que continua morando em Praga. A imigrante também tem acentuado dom musical e é a partir desse interesse comum que um belo sentimento começa a surgir entre os dois.

A moça incentiva o rapaz a levar a sério seus talentos artísticos e tentar, de fato, uma carreira como cantor e compositor. Momento crucial neste sentido é a linda cena em que ele e ela desenvolvem uma de suas canções no interior de uma loja de instrumentos. Surge a cumplicidade, afinidade e, principalmente, o nascimento de um objetivo em comum. E nada pode unir mais duas pessoas do que isso. Assim, ambos começam a desenvolver o projeto do disco e somos presenteados com várias seqüências musicais, onde as canções também nos transmitem as reflexões e emoções dos personagens.

O diretor John Carney, que foi integrante da banda The Frames, da qual Hansard também fazia parte (era o líder), utiliza diversos subterfúgios para que nossa proximidade com os personagens seja ainda maior. A fotografia estilo “câmera na mão”, por exemplo, nos dá a impressão, em vários momentos, de que estamos vendo um daqueles vídeos caseiros de família. No momento em que eles gravam o disco no pequeno estúdio que alugam, as imagens nos remetem imediatamente àquelas tomadas comuns em “making-offs” das produções dos álbuns, por sinal outro mérito da película, que coloca o espectador no “clima” da gravação de um disco (idéia interessante tanto para quem é “do ramo”, quanto para quem não é, este tendo a oportunidade de sentir um pouquinho da atmosfera). Excelente também a proposta de utilizar músicos de verdade como atores (os quais, por sinal, já declararam não terem interesse em seguir na carreira cinematográfica), principalmente sendo os próprios compositores da trilha. As interpretações que dão às canções são, portanto, as mais sinceras e viscerais possíveis.

Mas o melhor em “Apenas Uma Vez” é a sensibilidade com que a narrativa nos mostra o crescente sentimento do casal. Longe dos chavões das tolas comédias românticas que tomam conta das salas de cinema atualmente, com suas simplificações e melodramas baratos, além de arroubos pseudo-românticos que mais parecem comerciais de “Impulse”, o roteiro entrega um amor contido, silencioso, apenas subentendido, daqueles que em que não é necessário externar, apenas sentir e compartilhar. Sem arroubos, sem “mistificação”, como diria o poeta. O amor se apresenta através da música que une os dois.

Ao sair da sessão, provavelmente você se lembrará de um verdadeiro e, ao mesmo tempo, suave amor, mas por isso mesmo inesquecível. Afinal, todos nós temos um “filme” na memória onde os nossos antigos amores são reprisados com muita saudade...

Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.

Nota: Há uma pergunta bastante importante no filme, feita pelo rapaz à moça, que ela responde em tcheco e não traduz. Mistério cativante!


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