quarta-feira, 24 de junho de 2009

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Por algum motivo que desconheço, a nova animação da Pixar, "Up - Altas Aventuras", só terá sua estreia no Brasil em setembro. Enquanto a gente espera, posto aqui a resenha que escrevi para "Ratatouille", um dos melhores filmes (senão o melhor) do famoso estúdio, à época do seu lançamento no circuito nacional.


Ratatouille


Uma delícia!

Os estúdios Pixar surgiram na década de 90 com Toy Story, filme responsável por apresentar ao mundo uma nova forma de animação, qual seja, a animação digital, a qual traria um novo patamar de qualidade para o gênero, com nuances e detalhes dos personagens nunca antes vistos, texturas cada vez mais próximas ao real e, de quebra, uma maior agilidade na produção dos longas, reduzindo em muito o tempo para se fazer uma animação. Além disso, trazia novos ares não só na forma, mas também no conteúdo: o roteiro mesclava bom-humor com uma bela história de amizade, mas sem nunca soar moralista e didático como as animações da Disney (que co-produziu Toy Story). Outra sacada: espalhar referências a outros filmes, além de elementos mais “adultos”, fazendo com que não só os pequenos, mas também os pais que necessariamente os acompanham para as salas, também se sentissem entretidos com a estória narrada (esse último aspecto seria, mais tarde, levado até as últimas conseqüências pela Dreamworks com seu “Shrek”).

Normalmente em parceria com os estúdios Disney, a Pixar foi se firmando com força no cenário cinematográfico, alcançando bilheterias cada vez mais retumbantes. “Vida de Inseto”, “Monstros S/A”, “Procurando Nemo” e “Os Incríveis” são alguns exemplos de sucesso da Pixar. Porém, ultimamente, as cabeças pensantes da equipe pareciam dar sinais de cansaço. “Carros”, filme que acabou sendo indicado ao Oscar de animação, apresentava um roteiro já previsível e com algumas lições de moral clichês, óbvias, no melhor estilo “Amigo Urso”, da Disney (mas que mesmo assim foi um sucesso de público).

Pois bem, quando já se via sinais de decadência, eis que Brad Bird (o mesmo diretor do ótimo “Os Incríveis”) e Bob Petterson (roteirista de “Procurando Nemo”) dirigem e nos apresentam uma trama inusitada: um ratinho (logo um rato!) chamado Rémy sonha em se tornar um grande “cheff de cuisine” e tem como ídolo Auguste Gusteau, um dos mais renomados cozinheiros da meca da culinária mundial. Além disso, em sua fantasia, misturam temas bastante adultos como preconceito social, o papel da crítica em relação à atividade que discute, a industrialização indiscriminada de nossa alimentação, entre outros. E o resultado desta sopa, com tantos sabores variados, é... delicioso!!!!

Antes de tudo, convém fazermos alguns esclarecimentos sobre o meio gastronômico francês, uma espécie de obsessão nacional semelhante a que temos pelo futebol. Um caso é bastante ilustrativo: em 2003, Bernard Loiseau, chef e proprietário do restaurant Côte d’Or, no vilarejo de Saulieu, Borgonha, deu cabo da própria vida com um tiro na cebeça, deixando esposa e filhos. Suicidou-se no auge da carreira, quando já era considerado por muitos como o maior chef francês depois de Paul Bocuse (este uma espécie de Pelé da gastronomia!). Motivo: corria um boato de que seu restaurante perderia uma estrela no Guia Michellin, espécie de bíblia que orienta os apreciadores da boa cozinha. No fim das contas, não houve a perda da estrela ...Portanto, não vejam como “coisa de animação” o fato de Gusteau, o ídolo do ratinho Rémy, ter morrido após seu restaurante ter perdido uma estrela devido a uma avaliação negativa do crítico Anton Ego (voz de Peter O’Toole no original). Ego, o mais renomado crítico gastronômico de Paris, tinha uma severa antipatia por Gusteau devido ao lema deste de que “todo mundo pode cozinhar”. Aliás, é sabido que os realizadores passaram meses freqüentando a alta cozinha francesa, para que o resultado fosse o mais fidedigno possível.

E é pouco depois da morte do famoso chef que Rémy, devido a uma série de eventos que acabam por separá-lo de sua família, acaba chegando casualmente ao restaurant de seu mentor intelectual, onde um jovem atrapalhado aprendiz de cozinheiro chamado Linguini acaba de conseguir um emprego, fazendo a limpeza da cozinha. O chef agora é Skinner (Ian Holm no original), homem de caráter duvidoso, que está jogando a reputação do Gusteau’s no lixo ao colocar o famoso nome do antigo proprietário como marca de fast-food. Mas a união entre o talento de Rémy e a forma humana de Linguini pode vir a salvar a reputação desta importante referência parisiense.

Só por esse breve resumo do roteiro, podemos constatar que os autores não procuraram apenas realizar uma diversão para crianças, ou mesmo colocar apenas algumas referências mais adultas para agradar o público mais velho. A trama é realmente consistente e, embora também seja uma obra que deve agradar bastante aos pequenos, jamais resvala na infantilidade. Seus personagens são bem construídos, o texto flui com enorme leveza, sem nunca perder o bom-humor (dei várias gargalhadas durante a projeção), mas também sem nunca se distanciar de uma boa abordagem dos temas escolhidos, como o preconceito sofrido por Rémy pelo fato de ser um rato, nos remetendo imediatamente aos preconceitos que fazem parte de nosso dia-a-dia, como de classe social, cor da pele ou origem étnica. Interessante, vale destacar, a forma como os ratos parentes de Rémy muitas vezes nos são mostrados. Em várias cenas, quando mostrados à distância e na penumbra, eles nos parecem ameaçadores mas, tão logo se aproximam da câmara, vemos o quanto são amáveis e simpáticos. E faço a pergunta: quantas vezes não nos enganamos com aqueles com quem cruzamos no dia-a-dia. Quantas vezes não fazemos julgamentos equivocados sobre alguém, apenas por sua origem social, cor da pele etc.?

Ademais, vemos a divisão de Rémy entre o seu trabalho e a sua família, a competição existente entre os cozinheiros do restaurante (que logo podemos associar a vários ambientes de trabalho competitivos), uma severa crítica ao sistema fast-food que vem tomando conta do mundo, em detrimento de uma boa refeição, além de uma reflexão interessantíssima sobre o papel da crítica, seja no meio gastronômico, musical, cinematográfico ou afins. E, claro, a como a trama se passa em Paris, não poderia faltar um romance, já que a Cidade Luz é também o sonho romântico do inconsciente coletivo mundial.

No que diz respeito aos aspectos técnicos, o que parecia impossível aconteceu: a Pixar conseguiu se superar e a animação impressiona pela beleza, atenção aos detalhes, força das cores, vivacidade das expressões. Irretocável em todas as suas nuances. Ah, e a dublagem em português é excelente!

Bem, o que mais escrever? Não costumo taxar de obra-prima um filme que acabou de ser lançado, pois o tempo muitas vezes é implacável e acaba nos fazendo perceber que determinada obra não era lá essas coisas e vice-versa (uma obra pela qual não demos muita bola, acaba se revelando muito melhor com os passar dos anos). Mas a verdade é que não consegui enxergar defeitos em “Ratatouille” (a pronúncia correta é ratatúie) e, sendo assim, não posso chegar a outra conclusão: é mesmo uma obra-prima da animação.

Portanto, se você quer emoção, reflexão e, ao mesmo tempo, dar umas boas risadas...Voilá!!! Não deixe de ir ao cinema acompanhar a ascensão deste peculiar cozinheiro! E bom apetite para todos! Apreciem sem moderação e sem medo engordar!

Classificação: ***** (cinco estrelas).
Nota: 10,0

Obs: Cheguem sem atraso na sala de exibição para não perderem o curta “Quase Abduzido”. Divertidíssimo!!!
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4 comentários:

Fernando Silva disse...

Ratatouille é legal, mas não consigo achar nada de muito extraordinário nos filmes de animação.

Fábio Henrique Carmo disse...

Na realidade, Ratatouille é mais um filme para adultos que para crianças. Já soube de vários pequenos que se aborreceram ao ver o filme, provavelmente por não entenderem.

Fernando Silva disse...

Porra, tá me chamando de criança?

Todos esses filmes de animação como Ratatouille e Kung Fu Panda são legais, mas é tudo muito repetitivo, com lição de moral e final feliz muito previsíveis.

O que eu mais gostei foi Os Incríveis.

Fábio Henrique Carmo disse...

Hahahhaahhaahahahaaha! Não, não...

Eu não vejo problemas em finais felizes, o problema é como se chega a esse final.

Mas a minha animação preferida não é da Pixar. É "A Viagem de Chihiro" do Myasaki.