Vida longa e próspera!
É bom informar, já de antemão, que não sou e nunca fui lá muito adepto da série “Jornada nas Estrelas”, seja na TV, seja nos longas-metragens da tela grande. Sempre considerei esta jornada um tanto sem sal. Quando comparava os episódios de “Star Trek” aos de “Star Wars” (inevitavelmente), nunca deixava de perceber o quanto a criação de George Lucas era mais envolvente e cheia de ação Além disso, nunca deixei de ver aqueles “trekkers” fantasiados como os personagens como pessoas bobas e sem muito o que fazer da vida. O cúmulo do nerdialismo, na acepção pejorativa do termo, e olha que eu mesmo admito ter um lado nerd acentuado. Por outro lado, gosto bastante do personagem do Dr. Spock e de sua bela relação de amizade com o capitão Kirk, cujas caracterizações por Leonard Nimoy e William Shatner, respectivamente, tornaram-se ícones do gênero ficção científica.
Uma das informações que mais me chamaram a atenção sobre este novo “Star Trek” foi a de que o seu diretor, J.J. Abrams (criador das séries televisivas “Alias” e “Lost”), assumiu publicamente não ser um fã da série. Comecei, desta forma, a imaginar que o cineasta possivelmente teria uma visão parecida com a minha sobre esse material e que o mesmo, como ele próprio também declarou, não se manteria fiel a uma cartilha ditada quase que religiosamente pelos seguidores do tal “cânone” (meu Deus, isso é cultura pop, não é doutrina religiosa ou filosófica...). E Abrams parece ter compreendido que, sim, a série realmente precisava ser mais leve, envolvente e cheia de ação, muito embora sem deixar de lado a construção dos personagens e suas relações.
Foi com essa expectativa de uma nova visão, mais adequada ao público atual, que fui ao cinema e devo dizer que a primeira metade do longa foi um tanto decepcionante. Abrams parece ter confundido adequação aos novos tempos com uma descarga de clichês pops na tela. Com a premissa de recomeçar do zero a franquia, Abrams, juntamente com os roteiristas Alex Kurtzman e Roberto Orci, foram buscar a origem dos heróis da série. Até aí tudo bem. Uma ótima ideia. O problema é que o personagem do capitão James Kirk surge como o típico jovem irresponsável, inconsequente e metido a gostosão que, de cara, já sabemos que irá passar por um processo de “amadurecimento”. Nada mais previsível e característico do cinemão pipoca. Já o de Spock é mostrado como um garoto vítima de “bullying” na sua escola em Vulcano, sofrendo preconceito por ser “mestiço” (filho de um vulcano com uma humana). Nada mais típico também, principalmente depois da série X-Men, com seus mutantes perseguidos. É verdade que a contraposição mostrada entre a infância e juventude de ambos é um recurso interessante, mas também não é mentira que já estamos cansados de duplas cinematográficas que começam como antipáticos um ao outro até se tornarem bons amigos (clichê recorrente no subgênero das duplas policiais). Os diálogos sofríveis também estão presentes nesta primeira metade de filme. Contudo, o jovem Spock, bem mais que o jovem Kirk, salva o filme da mesmice (além da presença da bela Zoe Saldana, como a tenente Uhura, claro...).
Eu já estava para começar a realmente me aborrecer, quando surge Leonard Nimoy em cena, voltando ao velho papel que lhe rendeu a fama. A partir deste momento, o roteiro dá uma bela guinada, trazendo-nos algumas surpresas e até fazendo o até então pouco carismático personagem de Kirk adquirir novos ares. Claro que vem aquela coisa do “amadurecimento”, já falada acima, mas a trama passa a fluir de forma menos previsível do que antes, mostrando elementos inteligentes, que inclusive abrem grandes possibilidades para o futuro da série. Até o humor, um tanto pobre no início, cheio de piadas batidas, passa a funcionar melhor na segunda metade da projeção. Por outro lado, algumas machadadas roteirísticas ainda são sentidas (como o fato de Kirk assumir o comando da Enterprise em certo momento, sendo que havia outros lá bem mais experientes que ele para assumir tal função).
Mas se o roteiro deixa um pouco a desejar, é bom lembrar que nunca houve um episódio da série com produção tão caprichada. Por motivos óbvios, as toneladas de efeitos especiais de hoje proporcionam uma sensação de “realidade” extremamente eficiente, principalmente com relação à nave USS Enterprise, nunca antes tão bem mostrada na tela. E as atuações também se mostram como destaques. Chris Pine, como Kirk, corresponde às expectativas (muito embora não seja lá muito difícil interpretar um jovem arrogante e irresponsável), honrando William Shatner, assim como Karl Urban, como o Dr. Leonard McCoy, também se mostra à altura de seu predecessor. Por sinal, até Eric Bana consegue fazer algo decente como o vilão Nero, mesmo que eu tenha detestado esse nome (não atinham algo mais criativo?). Mas quem rouba mesmo a cena é Zachary Quinto como o jovem Spock. O rapaz é um promissor talento e é impressionante como ele conseguiu nos passar a sensação de ser mesmo uma versão mais jovem do personagem eternizado por Nimoy. Interessante como os momentos em que ele não consegue domar suas emoções soam tão naturais como aqueles em que ele demonstra o lado racional e contido típicos de um vulcano. Aliás, as cenas em que ele externa sua raiva, em contraposição ao seu lado racional, nos fazem lembrar da dualidade também vivida por um certo mutante de garras que está com filme em cartaz.
Chegando ao fim, suspirei aliviado. A impressão negativa dos primeiros atos do filme restou em segundo plano. Abrams soube mesmo rejuvenescer a série e, mesmo não sendo fiel aos dogmas professados pelos seguidores de Star Trek, provavelmente não os irritará muito, além de possibilitar o surgimento de novos fãs (o filme pode mesmo ser acompanhado por quem nunca assistiu a um longa sequer da franquia). Há o que melhorar, mas a retomada é promissora. É possível que eu mesmo passe a me interessar mais, agora, pelo universo criado por Gene Roddenberry, procurando explorar algum lugar do universo onde ninguém jamais esteve. Vida longa e próspera para a nova Star Trek!
Obs. Senti falta da trilha sonora original e memorável de Jerry Goldsmith, o que me fez reduzir mais um pouco a nota final.
Cotação: * * * ½ (três estrelas e meia)
Nota: 8,0.
É bom informar, já de antemão, que não sou e nunca fui lá muito adepto da série “Jornada nas Estrelas”, seja na TV, seja nos longas-metragens da tela grande. Sempre considerei esta jornada um tanto sem sal. Quando comparava os episódios de “Star Trek” aos de “Star Wars” (inevitavelmente), nunca deixava de perceber o quanto a criação de George Lucas era mais envolvente e cheia de ação Além disso, nunca deixei de ver aqueles “trekkers” fantasiados como os personagens como pessoas bobas e sem muito o que fazer da vida. O cúmulo do nerdialismo, na acepção pejorativa do termo, e olha que eu mesmo admito ter um lado nerd acentuado. Por outro lado, gosto bastante do personagem do Dr. Spock e de sua bela relação de amizade com o capitão Kirk, cujas caracterizações por Leonard Nimoy e William Shatner, respectivamente, tornaram-se ícones do gênero ficção científica.
Uma das informações que mais me chamaram a atenção sobre este novo “Star Trek” foi a de que o seu diretor, J.J. Abrams (criador das séries televisivas “Alias” e “Lost”), assumiu publicamente não ser um fã da série. Comecei, desta forma, a imaginar que o cineasta possivelmente teria uma visão parecida com a minha sobre esse material e que o mesmo, como ele próprio também declarou, não se manteria fiel a uma cartilha ditada quase que religiosamente pelos seguidores do tal “cânone” (meu Deus, isso é cultura pop, não é doutrina religiosa ou filosófica...). E Abrams parece ter compreendido que, sim, a série realmente precisava ser mais leve, envolvente e cheia de ação, muito embora sem deixar de lado a construção dos personagens e suas relações.
Foi com essa expectativa de uma nova visão, mais adequada ao público atual, que fui ao cinema e devo dizer que a primeira metade do longa foi um tanto decepcionante. Abrams parece ter confundido adequação aos novos tempos com uma descarga de clichês pops na tela. Com a premissa de recomeçar do zero a franquia, Abrams, juntamente com os roteiristas Alex Kurtzman e Roberto Orci, foram buscar a origem dos heróis da série. Até aí tudo bem. Uma ótima ideia. O problema é que o personagem do capitão James Kirk surge como o típico jovem irresponsável, inconsequente e metido a gostosão que, de cara, já sabemos que irá passar por um processo de “amadurecimento”. Nada mais previsível e característico do cinemão pipoca. Já o de Spock é mostrado como um garoto vítima de “bullying” na sua escola em Vulcano, sofrendo preconceito por ser “mestiço” (filho de um vulcano com uma humana). Nada mais típico também, principalmente depois da série X-Men, com seus mutantes perseguidos. É verdade que a contraposição mostrada entre a infância e juventude de ambos é um recurso interessante, mas também não é mentira que já estamos cansados de duplas cinematográficas que começam como antipáticos um ao outro até se tornarem bons amigos (clichê recorrente no subgênero das duplas policiais). Os diálogos sofríveis também estão presentes nesta primeira metade de filme. Contudo, o jovem Spock, bem mais que o jovem Kirk, salva o filme da mesmice (além da presença da bela Zoe Saldana, como a tenente Uhura, claro...).
Eu já estava para começar a realmente me aborrecer, quando surge Leonard Nimoy em cena, voltando ao velho papel que lhe rendeu a fama. A partir deste momento, o roteiro dá uma bela guinada, trazendo-nos algumas surpresas e até fazendo o até então pouco carismático personagem de Kirk adquirir novos ares. Claro que vem aquela coisa do “amadurecimento”, já falada acima, mas a trama passa a fluir de forma menos previsível do que antes, mostrando elementos inteligentes, que inclusive abrem grandes possibilidades para o futuro da série. Até o humor, um tanto pobre no início, cheio de piadas batidas, passa a funcionar melhor na segunda metade da projeção. Por outro lado, algumas machadadas roteirísticas ainda são sentidas (como o fato de Kirk assumir o comando da Enterprise em certo momento, sendo que havia outros lá bem mais experientes que ele para assumir tal função).
Mas se o roteiro deixa um pouco a desejar, é bom lembrar que nunca houve um episódio da série com produção tão caprichada. Por motivos óbvios, as toneladas de efeitos especiais de hoje proporcionam uma sensação de “realidade” extremamente eficiente, principalmente com relação à nave USS Enterprise, nunca antes tão bem mostrada na tela. E as atuações também se mostram como destaques. Chris Pine, como Kirk, corresponde às expectativas (muito embora não seja lá muito difícil interpretar um jovem arrogante e irresponsável), honrando William Shatner, assim como Karl Urban, como o Dr. Leonard McCoy, também se mostra à altura de seu predecessor. Por sinal, até Eric Bana consegue fazer algo decente como o vilão Nero, mesmo que eu tenha detestado esse nome (não atinham algo mais criativo?). Mas quem rouba mesmo a cena é Zachary Quinto como o jovem Spock. O rapaz é um promissor talento e é impressionante como ele conseguiu nos passar a sensação de ser mesmo uma versão mais jovem do personagem eternizado por Nimoy. Interessante como os momentos em que ele não consegue domar suas emoções soam tão naturais como aqueles em que ele demonstra o lado racional e contido típicos de um vulcano. Aliás, as cenas em que ele externa sua raiva, em contraposição ao seu lado racional, nos fazem lembrar da dualidade também vivida por um certo mutante de garras que está com filme em cartaz.
Chegando ao fim, suspirei aliviado. A impressão negativa dos primeiros atos do filme restou em segundo plano. Abrams soube mesmo rejuvenescer a série e, mesmo não sendo fiel aos dogmas professados pelos seguidores de Star Trek, provavelmente não os irritará muito, além de possibilitar o surgimento de novos fãs (o filme pode mesmo ser acompanhado por quem nunca assistiu a um longa sequer da franquia). Há o que melhorar, mas a retomada é promissora. É possível que eu mesmo passe a me interessar mais, agora, pelo universo criado por Gene Roddenberry, procurando explorar algum lugar do universo onde ninguém jamais esteve. Vida longa e próspera para a nova Star Trek!
Obs. Senti falta da trilha sonora original e memorável de Jerry Goldsmith, o que me fez reduzir mais um pouco a nota final.
Cotação: * * * ½ (três estrelas e meia)
Nota: 8,0.
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