Quem me conhece de perto, sabe que outra das minhas grandes paixões é a música. Pensando nisso, resolvi criar mais uma coluna no blog, a "cinemúsica", onde serão abordados filmes que tenham como sua principal matéria-prima a música ou músicos famosos, uma forma de unir essas duas artes fantásticas neste espaço virtual. Como "faixa de abertura", segue uma resenha de "Johnny & June", cinebiografia do famoso músico country Jonnhy Cash. Leia ao som de uma bela canção.
Johnny & June
(Walk The Line)
“Because you’re mine, I walk the line”
O gênero cinematográfico que se pode denominar de “biográfico” é um tanto quanto perigoso. Eu diria que costuma gerar filmes incompletos em suas pretensões, principalmente no caso das cinebiografias hollywoodianas, as quais sempre tendem a amenizar os aspectos mais polêmicos de seus biografados. “Johnny & June”, que aborda a vida do astro country Johnny Cash, honra essa tradição, no que ela tem de bom e de ruim.
Johnny Cash não é um nome famoso para a maior parte do público brasileiro. Seu gênero, o country, é tipicamente americano, o que fez dele um sucesso eminentemente local, à semelhança de Garth Brooks. Todavia, talvez seja errado definir Cash apenas como um cantor country, uma vez que seu estilo influenciou muito os primeiros roqueiros, como Elvis e Jerry Lee Lewis (como é sabido, o rock foi gerado a partir de uma mistureba de blues, country e folk), não sendo errôneo afirmar que ele foi um dos precursores do country-rock (tendência posteriormente abraçada por mestres como Neil Young). E, sem dúvida, sua voz cavernosa, extremamente marcante, faz com que qualquer um, por menos familiarizado que seja com sua obra, dê atenção ao que está ouvindo.
Todavia, à parte o nítido talento do astro, o filme encontra seu norte na relação entre Cash e June Carter, uma cantora oriunda de uma família tradicional do gênero, o que fez com que ela despontasse logo cedo nas rádios como estrela infantil. E a verdade é que a escolha adotada pelo diretor James Mangold de centrar-se na relação dos cantores, interpretados por Joaquin Phoenix e Reese Whitherspoom, é bastante feliz, uma vez que tira o longa, pelo menos em parte, daquele esquema meramente episódico e piegas que costuma predominar nos filmes do gênero. O relacionamento do casal é mostrado com maturidade, sem arroubos, externando um lado romântico, mas, ao mesmo tempo, sem jamais esquecer que se trata da vida de personagens de carne e osso, com suas fraquezas e virtudes.
Entretanto, apesar de não ser um exemplar tão formulaico como “Ray”, cinebiografia de Ray Charles lançada um ano antes, “Johnny & June” também está longe de ser uma biografia atípica como “Não Estou Lá”, que mostra a vida de Bob Dylan de uma forma inteiramente não convencional. O roteiro, escrito a quatro mãos pelo próprio Mangold juntamente com Gill Dennis, baseados na autobiografia de J.R. Cash, inicia sua narrativa durante a célebre apresentação de Cash na penitenciária californiana de Folsom, que se transformaria no disco ao vivo “Johnny Cash At Folsom Prison” (lançado em 1968), o qual se tornaria um sucesso de vendas, sendo o primeiro de uma série de shows em presídios (posteriormente, Cash lançaria também em disco a gravação do show de San Quentin, ainda mais popular e respeitado pela crítica). De repetente, a narrativa entra com o inevitável flashback, e então vemos o astro ainda criança, na convivência com sua família, principalmente com seu irmão mais velho, Jack, e seu pai, Ray Cash (interpretado por Robert Patrick). O link entre os dois momentos se torna interessante, principalmente se soubermos que o cantor tinha uma certa predileção por músicas que tratavam de morte, crimes e remorso, razão pela qual era admirado pelos presidiários. Cash carregou a vida inteira a culpa por se sentir, de uma certa forma, responsável pela morte de seu irmão mais velho. Aqui, por outro lado, já se percebem os elementos que se tornarão os pontos fracos do roteiro. A relação conflituosa de Cash com o pai é mostrada de forma muito simplista. O filme não deixa claro porque Ray considera Johnny um filho de importância menor, sequer se esforça para tentar elucidar o fato (o fato do homem ser alcoólatra não me parece suficiente). Mais adiante, vemos o período de Johnny no exército (fase em que começa a descobrir seu talento) e seu casamento com Vivian , sua primeira esposa, a qual é mostrada de forma unidimensional, parecendo por muitas vezes uma mulher mimada e egoísta. A sua representação parece elaborada com o intuito de contrastá-la com a alegre, madura e companheira June, o que se mostra por demais artificial. Da mesma forma, o texto de mostra ainda problemático na abordagem “maquiada” do vício de Cash em anfetaminas, sendo superficial na forma como mostra os problemas familiares causados pelo mesmo. Não que não sejam mostrados, vale ressaltar. A separação de sua primeira esposa é abordada, suas complicações na carreira e com os outros músicos da banda também se fazem presentes, além de sua redenção com a ajuda de June. Contudo, fiquei com a sensação de que tudo é mostrado de maneira muito “cosmética”, de forma a não causar “fastio” no grande público ou não ameaçar a classificação do longa nos limites do PG-13.
Por outro lado, se o roteiro se mostra pouco satisfatório, as atuações se revelam como o elemento de maior sustentação da produção. Joaquim Phoenix está muito feliz na sua caracterização, não apenas por ter conseguido retratar com fidelidade os trejeitos e expressões de Cash, mas principalmente por ter conseguido captar sua alma (emblemática a seqüência que mostra seu primeiro teste na Sun Records). Acabou recebendo uma justa indicação ao Oscar de melhor ator e, é provável, o fato de também ter perdido um irmão (River Phoenix) o ajudou bastante na composição do personagem. Robert Patrick, como o pai de Cash, também se mostra em atuação inspirada. Todavia, aquela que considero a grande presença do filme é mesmo Reese Whisterspoom. Confesso que, antes de assistir à sua atuação, acreditava que sua premiação pela Academia de Hollywood havia sido exagerada, um daqueles tradicionais prêmios entregues para alavancar carreiras de estrelas. Mas tive a grata surpresa de ver uma atriz segura, que confere uma personalidade realmente marcante à sua personagem, tal como deveria ser a real June Carter. O que há de mais interessante e verdadeiro neste longa é mesmo a história do relacionamento entre os dois. Há uma frase, bastante conhecida, que fala que uma mulher pode ser a redenção ou a desgraça de um homem. Sem dúvida, no caso presente, June foi a redenção de Cash. Com sua força e companheirismo, ajudou o músico a se livrar de seu vício em anfetaminas e reerguer sua carreira. Feliz do homem que consegue encontrar sua June...
Texto escrito ao som de “I Walk The Line”, de Johnny Cash.
Cotação:
Nota: 7,5
Johnny & June
(Walk The Line)
“Because you’re mine, I walk the line”
O gênero cinematográfico que se pode denominar de “biográfico” é um tanto quanto perigoso. Eu diria que costuma gerar filmes incompletos em suas pretensões, principalmente no caso das cinebiografias hollywoodianas, as quais sempre tendem a amenizar os aspectos mais polêmicos de seus biografados. “Johnny & June”, que aborda a vida do astro country Johnny Cash, honra essa tradição, no que ela tem de bom e de ruim.
Johnny Cash não é um nome famoso para a maior parte do público brasileiro. Seu gênero, o country, é tipicamente americano, o que fez dele um sucesso eminentemente local, à semelhança de Garth Brooks. Todavia, talvez seja errado definir Cash apenas como um cantor country, uma vez que seu estilo influenciou muito os primeiros roqueiros, como Elvis e Jerry Lee Lewis (como é sabido, o rock foi gerado a partir de uma mistureba de blues, country e folk), não sendo errôneo afirmar que ele foi um dos precursores do country-rock (tendência posteriormente abraçada por mestres como Neil Young). E, sem dúvida, sua voz cavernosa, extremamente marcante, faz com que qualquer um, por menos familiarizado que seja com sua obra, dê atenção ao que está ouvindo.
Todavia, à parte o nítido talento do astro, o filme encontra seu norte na relação entre Cash e June Carter, uma cantora oriunda de uma família tradicional do gênero, o que fez com que ela despontasse logo cedo nas rádios como estrela infantil. E a verdade é que a escolha adotada pelo diretor James Mangold de centrar-se na relação dos cantores, interpretados por Joaquin Phoenix e Reese Whitherspoom, é bastante feliz, uma vez que tira o longa, pelo menos em parte, daquele esquema meramente episódico e piegas que costuma predominar nos filmes do gênero. O relacionamento do casal é mostrado com maturidade, sem arroubos, externando um lado romântico, mas, ao mesmo tempo, sem jamais esquecer que se trata da vida de personagens de carne e osso, com suas fraquezas e virtudes.
Entretanto, apesar de não ser um exemplar tão formulaico como “Ray”, cinebiografia de Ray Charles lançada um ano antes, “Johnny & June” também está longe de ser uma biografia atípica como “Não Estou Lá”, que mostra a vida de Bob Dylan de uma forma inteiramente não convencional. O roteiro, escrito a quatro mãos pelo próprio Mangold juntamente com Gill Dennis, baseados na autobiografia de J.R. Cash, inicia sua narrativa durante a célebre apresentação de Cash na penitenciária californiana de Folsom, que se transformaria no disco ao vivo “Johnny Cash At Folsom Prison” (lançado em 1968), o qual se tornaria um sucesso de vendas, sendo o primeiro de uma série de shows em presídios (posteriormente, Cash lançaria também em disco a gravação do show de San Quentin, ainda mais popular e respeitado pela crítica). De repetente, a narrativa entra com o inevitável flashback, e então vemos o astro ainda criança, na convivência com sua família, principalmente com seu irmão mais velho, Jack, e seu pai, Ray Cash (interpretado por Robert Patrick). O link entre os dois momentos se torna interessante, principalmente se soubermos que o cantor tinha uma certa predileção por músicas que tratavam de morte, crimes e remorso, razão pela qual era admirado pelos presidiários. Cash carregou a vida inteira a culpa por se sentir, de uma certa forma, responsável pela morte de seu irmão mais velho. Aqui, por outro lado, já se percebem os elementos que se tornarão os pontos fracos do roteiro. A relação conflituosa de Cash com o pai é mostrada de forma muito simplista. O filme não deixa claro porque Ray considera Johnny um filho de importância menor, sequer se esforça para tentar elucidar o fato (o fato do homem ser alcoólatra não me parece suficiente). Mais adiante, vemos o período de Johnny no exército (fase em que começa a descobrir seu talento) e seu casamento com Vivian , sua primeira esposa, a qual é mostrada de forma unidimensional, parecendo por muitas vezes uma mulher mimada e egoísta. A sua representação parece elaborada com o intuito de contrastá-la com a alegre, madura e companheira June, o que se mostra por demais artificial. Da mesma forma, o texto de mostra ainda problemático na abordagem “maquiada” do vício de Cash em anfetaminas, sendo superficial na forma como mostra os problemas familiares causados pelo mesmo. Não que não sejam mostrados, vale ressaltar. A separação de sua primeira esposa é abordada, suas complicações na carreira e com os outros músicos da banda também se fazem presentes, além de sua redenção com a ajuda de June. Contudo, fiquei com a sensação de que tudo é mostrado de maneira muito “cosmética”, de forma a não causar “fastio” no grande público ou não ameaçar a classificação do longa nos limites do PG-13.
Por outro lado, se o roteiro se mostra pouco satisfatório, as atuações se revelam como o elemento de maior sustentação da produção. Joaquim Phoenix está muito feliz na sua caracterização, não apenas por ter conseguido retratar com fidelidade os trejeitos e expressões de Cash, mas principalmente por ter conseguido captar sua alma (emblemática a seqüência que mostra seu primeiro teste na Sun Records). Acabou recebendo uma justa indicação ao Oscar de melhor ator e, é provável, o fato de também ter perdido um irmão (River Phoenix) o ajudou bastante na composição do personagem. Robert Patrick, como o pai de Cash, também se mostra em atuação inspirada. Todavia, aquela que considero a grande presença do filme é mesmo Reese Whisterspoom. Confesso que, antes de assistir à sua atuação, acreditava que sua premiação pela Academia de Hollywood havia sido exagerada, um daqueles tradicionais prêmios entregues para alavancar carreiras de estrelas. Mas tive a grata surpresa de ver uma atriz segura, que confere uma personalidade realmente marcante à sua personagem, tal como deveria ser a real June Carter. O que há de mais interessante e verdadeiro neste longa é mesmo a história do relacionamento entre os dois. Há uma frase, bastante conhecida, que fala que uma mulher pode ser a redenção ou a desgraça de um homem. Sem dúvida, no caso presente, June foi a redenção de Cash. Com sua força e companheirismo, ajudou o músico a se livrar de seu vício em anfetaminas e reerguer sua carreira. Feliz do homem que consegue encontrar sua June...
Texto escrito ao som de “I Walk The Line”, de Johnny Cash.
Cotação:
Nota: 7,5
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