domingo, 22 de janeiro de 2012

As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne



Aquele velho (e ótimo!) gosto de aventura


Durante boa parte de minha vida (até os tempos da faculdade, mais ou menos), fui um consumidor voraz de quadrinhos. No entanto, devo confessar que, até devido a limitações financeiras, acabei muito adstrito às HQs de origem estadunidense, as quais sempre tiveram preços mais acessíveis que as edições de quadrinhos europeus como “Astérix” ou “Tintim”. Com relação ao herói gaulês acabei por ter mais acesso ainda garoto devido a um vizinho e amigo que me emprestava suas edições. Já o jovem jornalista criado em 1929 por Hergé (pseudônimo de Georges Prosper Remi) só se tornou mais familiar mais tarde, quando passei a ganhar meu suado dinheirinho de estagiário. Mas essa foi uma fase em que já estava me desprendendo da Nona Arte para aumentar meu interesse e conhecimento em livros e na Sétima Arte. Ou seja, a verdade é que não me aprofundei muito na obra de Hergé, mesmo que ainda tenha visto eventualmente algumas animações do seu herói na TV Cultura.

Digo isso para informar que talvez eu não seja o melhor conhecedor do personagem para avaliar se a sua adaptação para as telonas realizada por Steven Spielberg, em exibição nos cinemas, é ou não é fiel à obra gráfica do autor belga, até mesmo porque não passei por aquele encantamento infantil frequentemente tão importante para que um personagem more em nossos corações para o resto da vida. Portanto, minhas impressões vão se pautar quase exclusivamente pelo resultado na projeção. O que posso afirmar é que, enquanto cinema, “As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne” é um exemplar de primeira linha, trazendo-nos um frescor do Spielberg “aventureiro” que ele não havia conseguido recuperar com o seu “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008), o qual resultou apenas mediano, longe da empolgação da trilogia original do Dr. Jones.

É bom mencionar que Spielberg também não foi um fã infantil de Tintim. Ele descobriu o personagem a partir de comentários realizados por críticos à época do lançamento de “Os Caçadores da Arca Perdida” (Raiders of the Lost Ark), em 1981, afirmando que a ação de Indiana Jones tinha semelhanças com o tom aventureiro da HQ belga. O que era verdade, não somente no aspecto da ação, como também no teor colonialista presente em ambas as obras, as quais externam nas entrelinhas aquela visão arrogante tanto de europeus quanto de norte-americanos de que fazem parte do que se denomina “civilização”, o que lhes outorgaria o direito espoliar os “selvagens” de outros continentes (o que inclusive valeu a Hergé acusações de racismo em suas HQs, principalmente levando em consideração suas simpatias fascistas). Bem, de qualquer forma desde então o genial cineasta norte-americano nutria o desejo de realizar uma adaptação para o cinema, mas algo prático acabava impedindo suas intenções. O público ianque, em geral mergulhado no próprio umbigo, não conhece o personagem e isso quase inevitavelmente levaria a um fracasso nas bilheterias. Contudo, nesse meio tempo o mundo e o mercado cinematográfico sofreram significativas alterações. Hoje, o mercado norte-americano está perdendo a importância vital que havia para o sucesso ou fracasso de um filme e o meio internacional está adquirindo uma relevância cada vez maior. Boa parte das produções hollywoodianas hoje se pagam ou dão lucro com o que é arrecadado fora dos EUA e foi esse fator que certamente levou Spielberg, associado com outro mago do cinema atual, Peter Jackson, a acreditar na possibilidade de realizar o filme e ao menos não gerar prejuízos com a empreitada. E as perspectivas se confirmaram: enquanto nos EUA o longa só arrecadou US$ 60 milhões até agora, no mercado internacional a bilheteria já ultrapassou os US$ 350 milhões (foi um grande sucesso na Europa), já praticamente garantindo a continuação (quando Spielberg e Jackson deverão inverter os papeis como produtor e diretor).


A verdade é que o longa-metragem do aventureiro jornalista e do seu fiel escudeiro, o cachorrinho Milu, é mesmo divertidíssima e um espetáculo para os olhos. Desde a sua sequência inicial de créditos (que lembra bastante a de “Prenda-me Se For Capaz”, uma pérola despretensiosa do diretor), o filme impressiona tanto pelo visual como pelo ritmo de ação incessante. Filmado através da técnica de captura de performance que se tornou famosa desde a trilogia “O Senhor dos Anéis”, havia um temor de que as animações resultassem “sem vida”, com aquele vazio nos olhos ocorrido em trabalhos como “O Expresso Polar” (“The Polar Express”, de Robert Zemeckis). Todavia, felizmente não foi o que aconteceu. A técnica evoluiu muito e o resultado é realmente fantástico. Depois de 10 minutos de projeção chegamos a esquecer totalmente que se trata de uma animação, tamanho o realismo visto. A mais, a ideia de se realizar o longa-metragem de forma animada se mostrou feliz para dar vida a uma trama rocambolesca sem perder o espírito lúdico da HQ (o roteiro é do trio Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish, o mesmo de “Scott Pillgrim”). Nela, uma mistura das estórias de “O Caranguejo das Tenazes de Ouro” e “O Segredo do Licorne”, Tintim (Jamie Bell) passa a ser perseguido após comprar, em uma feira de antiguidades, uma réplica de um antigo navio que naufragou com um imenso tesouro a bordo. Pego pelo rico colecionador Sakharine (Daniel Craig), é então levado a um navio onde esbarra com o beberrão Capitão Haddock (Andy Serkis, ator que já se tornou especialista na captura de performance), um descendente do antigo capitão do navio afundado e que é o único que pode desvendar o mistério. Juntos, passarão por inúmeras peripécias, contando ainda com o cachorro Milu e a ajuda dos policias Dupont e Dupond (Nick Frost e Simon Pegg).


É sensacional observarmos uma animação guiada pela mão de um dos grandes diretores do cinema contemporâneo. Os ângulos das tomadas; o ritmo intenso, mas sem deixar que isso prejudique o entendimento da trama; as influências de outros cineastas (há uma sequência em uma biblioteca típica de Alfred Hitchcok); os travellings, os cortes inusitados e superposições de imagens... Todas as características que fazem um grande diretor estão presentes nesta aventura, que aparece aqui muito mais moderna que nos quadrinhos. Spielberg parece um pinto no lixo voltando a um território que talvez nenhum outro cineasta tenha dominado tão bem. Ademais, conhecido por suas concessões ao politicamente correto (como a famosa exclusão digital das armas em “E.T. - O Extraterrestre”), o diretor se mostrou ousado ao não suprimir o alcoolismo do Capitão Haddock – tipo muito divertido, por sinal, que sempre me fez lembrar do Mussum dos Trapalhões – e ao permitir que o protagonista use armas de fogo, principalmente se recordarmos que uma animação por si só já possui um forte apelo junto às crianças. Adicione-se a isso um outro destaque técnico. Esta foi a primeira experiência dele com o formato 3D. Eu não sou fã do 3D (como já externei em outras ocasiões), mas confesso que aqui ele realmente fez diferença, gerando uma imersão significativamente maior do que seria no formato tradicional. Ademais, John Williams se mostrou inspirado com a trilha sonora, marcante e sempre muito bem colocada ao longo dos 104 minutos de duração. Destarte, como em 90% das produções do gênero, há alguns aspectos do roteiro que ficam explicados às pressas e a sua conclusão em aberto, que serve de gancho para o futuro segundo episódio, é algo que sempre me incomoda. A quase ausência de personagens femininas(não há uma relevante em toda a narrativa) também foi algo que me incomodou, característica que deixa o longa com uma talvez excessiva cara de “filme de menino”.

Muitos afirmam que, entre os dois quase simultâneos lançamentos de Steven Spielberg, este “As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne” se mostra bastante superior a “Cavalo de Guerra” (War Horse). Não posso confirmar, pois o filme do equino simplesmente ainda não foi exibido na minha cidade, mas asseguro que a adaptação dos quadrinhos de Hergé se saiu de maneira muito satisfatória, altamente propensa a resgatar a aquele gostinho antigo das aventuras que Spielberg nos entregou há algumas décadas. Se eu fosse um garoto de 10 anos provavelmente teria saído maravilhado da sessão e admito que, ao fim da projeção, voltei um pouco a ser menino, já ávido pela próxima aventura do garoto-jornalista, seu cachorro Milu e o Capitão Haddock.


Cotação:

Nota: 9,0
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8 comentários:

Wilson Antonio disse...

Grande animação do Spielberg. Gostei em especial pois "Cavalo De Guerra" me entediou demais, mas o diretor conseguiu redimir-se com Tintim.

Rato disse...

Como referi no blogue do Rato gosto demais das personagens de Hergé (cresci com elas) para não me atrever sequer a ver o filme. Até porque o "terreno" de Tintin é uma tira de banda desenhada e não frames de filme.

ANTONIO NAHUD disse...

Tintin é um excelente personagem. Preciso ver esse filme urgentemente.

O Falcão Maltês

Fred disse...

Eu acho que ter a assinatura de Spielberg (ainda) é um ponto a favor... mas fato é que adaptações de clássicos para as telonas sempre deixam o espectador com aquele receio de que se cometa alguma heresia... hehehe! Tintin é um ícone e merece ser tratado como tal. Conferirei... hehe! Ótima resenha e grande blog. Congratz! Hugz, man!

Alan Raspante disse...

Posso até ver, mas bem mais pra frente. Nunca fui muito fã do desenho.

Francisco Cannalonga disse...

Tintin acerta aonde cavalo de guerra erra, tintin não tenta ser um épico pretensioso e manipular, é um filme feito com o único intuito de entreter o espectador, sem manipular as emoções.

Del Rodrigues disse...

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Fábio Henrique Carmo disse...

Delfina, é um prazer contribuir com uma causa tão nobre. Já prestei minha contribuição. Meus sinceros parabéns e que continue tendo sucesso com seus projetos!