Poder oscilante
Logo que ouvi falar na adaptação para as telas de Thor, mais um dos personagens da Marvel Comics, pensei imediatamente na dificuldade que seria não apenas transportar sua estórias para o cinema, como também em encontrar o seu público fora dos leitores das HQs, mesmo que a adaptação fosse bem-sucedida. Afinal, não é lá muito fácil engolir um personagem tão inverossímil, um deus nórdico que, banido por seu pai Odin devido à sua arrogância e imprudência, passa a viver na Terra como um mortal até que seja digno de novamente empunhar o martelo Mjölnir, artefato que o faz controlar os raios e as tempestades. A chamada “suspensão de descrença” essencial para que o espectador se envolva com o que lhe é mostrado na tela é difícil de ser atingida diante de premissa tão fantasiosa. Claro, Peter Jackson foi inteiramente feliz com sua trilogia “O Senhor dos Anéis”, mas isso não desmente a assertiva de que não é fácil fazer as pessoas embarcarem no cinema-fantasia, principalmente aquelas que não tiveram um contato prévio com a obra que inspirou o filme.
Sabendo desta dificuldade e tendo em vista algumas outras características do personagem, como suas tramas familiares e palacianas que remontam às tragédias escritas pelo bardo William Shakespeare, a Marvel Studios optou por convidar Kenneth Branagh para conduzir o projeto, um diretor e ator de formação clássica e conhecido por suas adaptações shakeaspearianas para as telas, como o seu famoso “Hamlet” de texto integral e quatro horas de duração. A expectativa era a de que Branagh conseguisse imprimir um tom ao mesmo tempo dramático e crível, passando pelas inevitáveis cenas de ação de um filme de super-heróis, sem que a mistura caísse no ridículo. E, neste ponto, não se pode negar que o diretor obteve sucesso.
A narrativa do filme se mostra fiel à da HQ criada por Stan Lee, Jack Kirby e Larry Lieber, apenas com algumas pequenas alterações talvez necessárias a uma trama que deve se encaixar em 120 minutos de duração. Como dito mais acima, Thor (interpretado aqui pelo ator estreante e bombado Chris Hemsworth), o deus do trovão da mitologia escandinava, é um dos filhos de Odin (Anthony Hopkins), o deus supremo do reino etéreo de Asgard. Por seu valor e coragem como guerreiro, Thor é o filho escolhido por Odin para lhe suceder no trono, preterindo seu outro filho, Loki (Tom Hiddleston), o deus da trapaça. Por outro lado, Thor ainda apresenta a arrogância, imprudência e inconsequência típicos da juventude, características que acabam por levar Asgard a uma nova guerra com Jotuheim, o reino dos Gigantes de Gelo. Decepcionado com o filho, Odin decide enviá-lo à Terra, local onde, destituído dos seus poderes místicos e da condição de imortal, deverá aprender as virtudes da humildade, paciência e altruísmo.
Esta vertente palaciana e mitológica do filme é muito bem desenvolvida, mostrando uma trama que lembra mesmo obras de Shakespeare como “Rei Lear” e “Otelo”. Todos os personagens são bem caracterizados e os fãs das HQs vão adorar ver nas telas figuras como Volstagg (Ray Stevenson), Fandral (Josh Dallas)e Hogun (Tadanobu Asano), além da bela Lady Sif (Jamie Alexander) e Heimdall (Edris Alba), o guardião da Ponte do Arco-Íris que liga Asgard a Terra. Nenhuma das atuações deixa a desejar, o que era de se esperar de um diretor de origem teatral acostumado a lidar com personagens complexos, sabendo tirar dos intérpretes o melhor que podem oferecer. Mesmo o novato Hemsworth não compromete, desfazendo a primeira impressão de seria apenas uma montanha de músculos (e ele de fato tem presença de cena). Só a lamentar a presença prá lá de discreta de Rene Russo (estava sumida, hein?), como a mãe de Thor, praticamente entrando muda e saindo calada.
É no lado “terreno” da trama que o roteiro se complica. Ao cair em nosso mundo (que os argardianos conhecem por Midgard), Thor é encontrado por um grupo de três cientistas, entre eles a astrofísica Jane Foster (a oscarizada Natalie Portman). É claro como a água que os dois terão um romance e não há problema nisso, já que um projeto que pretende ser um blockbuster também tem que ter um apelo para o público feminino. O problema reside na forma como ele se desenvolve, de forma muito apressada. Por mais que Natalie Portman seja encantadora, o clima entre os dois soa artificial com a correria do roteiro. Pior ainda resulta a mudança da personalidade do príncipe que, em pouco tempo, já se mostra humilde e contido em seus impulsos. Acredito que não custava nada mostrar mais das vivências do personagem entre os humanos, além de colocar legendas que indicassem passagens de tempo como “1 ano depois” ou qualquer outra coisa que o valha. Ademais, é este momento em que se apresentam as maiores diferenças com relação ao universo dos quadrinhos, já que Thor não perde sua memória como nas HQs, assumindo o nome de Donald Blake apenas por circunstâncias (o nome seria de um ex-namorado de Jane, a qual, por sinal, nos quadrinhos é uma enfermeira). De qualquer forma, também pelo lado de Midgard as atuações se mostram eficientes. Portman se mostra à vontade no papel e o sueco Stellan Skarsgård como o professor Selvig e Kat Dennings como a estagiária Darcy também são boas presenças.
No aspecto técnico, o filme também acaba oscilando, com ótimos efeitos visuais em certas sequências, mas deixando a desejar em outras. Por outro lado, farei uma ressalva a favor dos ângulos e enquadramentos escolhidos pelo diretor Branagh. Muitos vêm criticando os planos inclinados, ou tombados (que alguns chamam de “plano holandês”) utilizados em várias cenas. Mas há um detalhe que muitos não estão percebendo. Tais planos foram usados apenas nas sequências que se passam na Terra e creio que a intenção de Branagh seja a de identificar estas imagens com a ideia de um deus caído, deslocado do seu mundo. Seja como for, o recurso não me incomodou e não vejo como demérito algum à fotografia do longa. Por seu turno, a trilha sonora, composta por Patrick Doyle, é ótima, bonita e muito bem inserida ao longo da projeção.
Como leitor antigo das HQs do universo Marvel, fiquei razoavelmente satisfeito com a adaptação (e há várias referências no filme que farão a alegria dos fãs da Marvel, como a aparição de um certo vingador na pele de Jeremy Renner). Só resta saber como será respondida a questão levantada no início deste texto. Será que uma narrativa com personagens e situações tão inverossímeis irá agradar a muitos? A sessão que eu e minha noiva pegamos estava praticamente lotada, mas é natural que nos primeiros dias os fãs e adeptos lotem as salas. De qualquer forma, apesar de suas oscilações, “Thor” tem potencial para construir uma carreira de sucesso, mostrando que a Marvel está sabendo o que fazer com seus personagens, mesmo diante do quadro já meio cansado do gênero dos super-heróis.
Obs. Há uma cena depois dos créditos. Espere um pouquinho!
Cotação:
Nota: 8,0
Sabendo desta dificuldade e tendo em vista algumas outras características do personagem, como suas tramas familiares e palacianas que remontam às tragédias escritas pelo bardo William Shakespeare, a Marvel Studios optou por convidar Kenneth Branagh para conduzir o projeto, um diretor e ator de formação clássica e conhecido por suas adaptações shakeaspearianas para as telas, como o seu famoso “Hamlet” de texto integral e quatro horas de duração. A expectativa era a de que Branagh conseguisse imprimir um tom ao mesmo tempo dramático e crível, passando pelas inevitáveis cenas de ação de um filme de super-heróis, sem que a mistura caísse no ridículo. E, neste ponto, não se pode negar que o diretor obteve sucesso.
A narrativa do filme se mostra fiel à da HQ criada por Stan Lee, Jack Kirby e Larry Lieber, apenas com algumas pequenas alterações talvez necessárias a uma trama que deve se encaixar em 120 minutos de duração. Como dito mais acima, Thor (interpretado aqui pelo ator estreante e bombado Chris Hemsworth), o deus do trovão da mitologia escandinava, é um dos filhos de Odin (Anthony Hopkins), o deus supremo do reino etéreo de Asgard. Por seu valor e coragem como guerreiro, Thor é o filho escolhido por Odin para lhe suceder no trono, preterindo seu outro filho, Loki (Tom Hiddleston), o deus da trapaça. Por outro lado, Thor ainda apresenta a arrogância, imprudência e inconsequência típicos da juventude, características que acabam por levar Asgard a uma nova guerra com Jotuheim, o reino dos Gigantes de Gelo. Decepcionado com o filho, Odin decide enviá-lo à Terra, local onde, destituído dos seus poderes místicos e da condição de imortal, deverá aprender as virtudes da humildade, paciência e altruísmo.
Esta vertente palaciana e mitológica do filme é muito bem desenvolvida, mostrando uma trama que lembra mesmo obras de Shakespeare como “Rei Lear” e “Otelo”. Todos os personagens são bem caracterizados e os fãs das HQs vão adorar ver nas telas figuras como Volstagg (Ray Stevenson), Fandral (Josh Dallas)e Hogun (Tadanobu Asano), além da bela Lady Sif (Jamie Alexander) e Heimdall (Edris Alba), o guardião da Ponte do Arco-Íris que liga Asgard a Terra. Nenhuma das atuações deixa a desejar, o que era de se esperar de um diretor de origem teatral acostumado a lidar com personagens complexos, sabendo tirar dos intérpretes o melhor que podem oferecer. Mesmo o novato Hemsworth não compromete, desfazendo a primeira impressão de seria apenas uma montanha de músculos (e ele de fato tem presença de cena). Só a lamentar a presença prá lá de discreta de Rene Russo (estava sumida, hein?), como a mãe de Thor, praticamente entrando muda e saindo calada.
É no lado “terreno” da trama que o roteiro se complica. Ao cair em nosso mundo (que os argardianos conhecem por Midgard), Thor é encontrado por um grupo de três cientistas, entre eles a astrofísica Jane Foster (a oscarizada Natalie Portman). É claro como a água que os dois terão um romance e não há problema nisso, já que um projeto que pretende ser um blockbuster também tem que ter um apelo para o público feminino. O problema reside na forma como ele se desenvolve, de forma muito apressada. Por mais que Natalie Portman seja encantadora, o clima entre os dois soa artificial com a correria do roteiro. Pior ainda resulta a mudança da personalidade do príncipe que, em pouco tempo, já se mostra humilde e contido em seus impulsos. Acredito que não custava nada mostrar mais das vivências do personagem entre os humanos, além de colocar legendas que indicassem passagens de tempo como “1 ano depois” ou qualquer outra coisa que o valha. Ademais, é este momento em que se apresentam as maiores diferenças com relação ao universo dos quadrinhos, já que Thor não perde sua memória como nas HQs, assumindo o nome de Donald Blake apenas por circunstâncias (o nome seria de um ex-namorado de Jane, a qual, por sinal, nos quadrinhos é uma enfermeira). De qualquer forma, também pelo lado de Midgard as atuações se mostram eficientes. Portman se mostra à vontade no papel e o sueco Stellan Skarsgård como o professor Selvig e Kat Dennings como a estagiária Darcy também são boas presenças.
No aspecto técnico, o filme também acaba oscilando, com ótimos efeitos visuais em certas sequências, mas deixando a desejar em outras. Por outro lado, farei uma ressalva a favor dos ângulos e enquadramentos escolhidos pelo diretor Branagh. Muitos vêm criticando os planos inclinados, ou tombados (que alguns chamam de “plano holandês”) utilizados em várias cenas. Mas há um detalhe que muitos não estão percebendo. Tais planos foram usados apenas nas sequências que se passam na Terra e creio que a intenção de Branagh seja a de identificar estas imagens com a ideia de um deus caído, deslocado do seu mundo. Seja como for, o recurso não me incomodou e não vejo como demérito algum à fotografia do longa. Por seu turno, a trilha sonora, composta por Patrick Doyle, é ótima, bonita e muito bem inserida ao longo da projeção.
Como leitor antigo das HQs do universo Marvel, fiquei razoavelmente satisfeito com a adaptação (e há várias referências no filme que farão a alegria dos fãs da Marvel, como a aparição de um certo vingador na pele de Jeremy Renner). Só resta saber como será respondida a questão levantada no início deste texto. Será que uma narrativa com personagens e situações tão inverossímeis irá agradar a muitos? A sessão que eu e minha noiva pegamos estava praticamente lotada, mas é natural que nos primeiros dias os fãs e adeptos lotem as salas. De qualquer forma, apesar de suas oscilações, “Thor” tem potencial para construir uma carreira de sucesso, mostrando que a Marvel está sabendo o que fazer com seus personagens, mesmo diante do quadro já meio cansado do gênero dos super-heróis.
Obs. Há uma cena depois dos créditos. Espere um pouquinho!
Cotação:
Nota: 8,0
4 comentários:
O film vem obtendo uma reação positiva. Pelo visto é realmente muito bom! Estou considerando a ideia de vê-lo no cinema!
Eu não estava por dentro do universo do quadrinho e gostei do filme. Conhecia muito pouco mesmo a respeito. Creio que a recepção será calorosa! Um abraço!
Eu também. Pelo trailer, eu não dava nada, mas o pessoal tem falado bem, então acho que vale uma ida ao cinema.
http://cinelupinha.blogspot.com/
Roteiro objetivo, gostoso e bem feito. É interessante pois não torna nada complexo, ou seja, é um filme degustável até para os não-iniciados no universo da Marvel, como eu. Gostei e fiquei surpreso com a qualidade deste filme. Sim, curti demais, seu texto está muito bom e concordo com tua nota. Portman está à vontade, mas confesso que Chris Hemsworth me cativou. O cara tem talento! E comandou muito bem o seu imperativo Thor!
abraço
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