Reinventando a comédia romântica
É comum nos sentirmos sozinhos em momentos de dificuldade, seja ela de que natureza for, de saúde, familiar, econômica, profissional ou mesmo amorosa. Já houve quem dissesse que todo ser humano, mesmo que não seja um solitário, estará sempre sozinho, pois nunca será inteiramente compreendido por outro semelhante, uma vez que somos singulares, únicos, cada qual com uma maneira própria de enxergar a vida e o mundo. Em decorrência de tal condição, normalmente ficamos felizes quando vemos que outras pessoas já viveram momentos difíceis semelhantes aos nossos, agindo e reagindo de maneira também similar à nossa. Acredito que a frase “não estou sozinho” deve ter passado pela cabeça de muitos que viram “(500) Dias Com Ela”, um filme peculiar que trata de forma sincera, leve e inteligente as desventuras dos apaixonados.
A identificação dos espectadores com as situações retratadas no filme pode ser tão direta e imediata que, já em sua sequência inicial, aparecem na tela legendas esclarecendo, com acentuado bom-humor, que os fatos narrados são ficcionais, não correspondendo a nenhuma história real e específica. Realmente, é quase impossível que você não tenha passado por ao menos uma das situações tragicômicas vividas pelo personagem de Tom (o ótimo Joseph Gordon-Levitt, que encontra o tom certo entre a comédia e o drama) ao longo dos 95 minutos de projeção (sim, o filme é enxuto). Estão lá as expectativas frustradas; as dicas furadas de amigos (por mais que seja boa a intenção que eles tenham) ou ainda as tentativas meio tolas de chamar a atenção daquele(a) que lhe rouba a atenção. Tudo está lá e colocado de uma maneira tão trivial, simples, que nos traz uma perspectiva de realidade incomum em um cinema dominado por comédias românticas clichês.
A verdade é que “(500) Dias Com Ela” foge do clichê até mesmo em sua estrutura narrativa não-convencional. A tradicional fórmula “boy meets girl” é subvertida, trazendo um novo jeito de contar uma estória há muito desgastada. Como se sabe, não existe história que já não tenha sido contada. O diferencial que distingue um autor de outros é maneira de narrar essa trama. E, neste ponto, não se pode negar que o diretor Marc Webb (que está atualmente dirigindo o remake desnecessário do Homem-Aranha) é muito feliz, trazendo novos ares para o gênero a partir do roteiro criativo escrito a quatro mãos por Scott Neustadter e Michael H. Weber. Na própria cronologia da obra já é vista uma peculiar alteração: os tais 500 dias em que Tom se vê apaixonado por Summer (Zooey Deschanel, que além de atriz também é cantora) não são exibidos em ordem cronológica, mas (quase) aleatória. Em dada cena, assistimos a um dia já próximo do fim do relacionamento e, em seguida, pode ocorrer um salto para o início. Tudo sem que percamos a compreensão do que acontece, afinal o mais importante são os sentimentos de Tom e não os fatos em si. Entretanto, é possível que a maior subversão proposta pelo longa seja a dos papeis do homem e da mulher no relacionamento. Ao contrário do que comumente ocorre, Tom é que representa o lado mais frágil da relação, inseguro e romântico, enquanto Summer é confiante e mantém um certo distanciamento, evitando mergulhar de cabeça em uma paixão. Ou seja, retrata-se uma relação antenada com os novos costumes de nossa sociedade, onde os estereótipos estão cada vez mais obsoletos.
Entretanto, embora seja prazeroso e divertido acompanhar as venturas e desventuras de Tom, o roteiro, apesar de sua estrutura original, ainda se vale de algumas muletas narrativas que incomodam. A personagem da menina adolescente (papel de Chloe Moretz) que é mais “experiente” e “sábia” do que todos os outros personagens adultos é recurso já há muito desgastado e, ironia das ironias, a partir de certo ponto alguns acontecimentos se tornam previsíveis, tal como o desfecho do longa. Além disso, o uso constante de referências à cultura pop (como ao grupo Belle & Sebastian, The Smiths e aos próprios Beatles) é algo que também já está caindo no lugar-comum e dá a impressão de que Webb queria com isso apenas atribuir um ar mais “descolado” ao filme, muito embora não deixe de ser uma opção que sempre agrade aos fãs (e eu me incluo entre eles). Talvez sejam tiques de um diretor egresso do mundo dos videoclipes e, inevitavelmente, acabem interferindo no desenvolvimento de sua linguagem cinematográfica, mas não se pode negar que em alguns momentos ele obtém muito sucesso com essa linguagem, como na conhecida sequência em que se mostra o estado de espírito de Tom após sua primeira noite com Summer.
Apesar de algumas ressalvas, é indubitável que “(500) Dias Com Ela” presta uma preciosa contribuição a um cinema contemporâneo que pouco se esforça em trazer algo de novo para o público, dando um belo sacolejo na preguiça reinante. Ademais, se você estiver passando por um período de dor-de-cotovelo provavelmente irá considerar esta película como uma verdadeira obra-prima. Com olhos mais distanciados, provavelmente não enxergará tanto, mas será impossível deixar de apreciar. Um filme inteligente sobre o amor, algo difícil nos dias de hoje, sempre será bem-vindo.
Cotação:
Nota: 9,0
A identificação dos espectadores com as situações retratadas no filme pode ser tão direta e imediata que, já em sua sequência inicial, aparecem na tela legendas esclarecendo, com acentuado bom-humor, que os fatos narrados são ficcionais, não correspondendo a nenhuma história real e específica. Realmente, é quase impossível que você não tenha passado por ao menos uma das situações tragicômicas vividas pelo personagem de Tom (o ótimo Joseph Gordon-Levitt, que encontra o tom certo entre a comédia e o drama) ao longo dos 95 minutos de projeção (sim, o filme é enxuto). Estão lá as expectativas frustradas; as dicas furadas de amigos (por mais que seja boa a intenção que eles tenham) ou ainda as tentativas meio tolas de chamar a atenção daquele(a) que lhe rouba a atenção. Tudo está lá e colocado de uma maneira tão trivial, simples, que nos traz uma perspectiva de realidade incomum em um cinema dominado por comédias românticas clichês.
A verdade é que “(500) Dias Com Ela” foge do clichê até mesmo em sua estrutura narrativa não-convencional. A tradicional fórmula “boy meets girl” é subvertida, trazendo um novo jeito de contar uma estória há muito desgastada. Como se sabe, não existe história que já não tenha sido contada. O diferencial que distingue um autor de outros é maneira de narrar essa trama. E, neste ponto, não se pode negar que o diretor Marc Webb (que está atualmente dirigindo o remake desnecessário do Homem-Aranha) é muito feliz, trazendo novos ares para o gênero a partir do roteiro criativo escrito a quatro mãos por Scott Neustadter e Michael H. Weber. Na própria cronologia da obra já é vista uma peculiar alteração: os tais 500 dias em que Tom se vê apaixonado por Summer (Zooey Deschanel, que além de atriz também é cantora) não são exibidos em ordem cronológica, mas (quase) aleatória. Em dada cena, assistimos a um dia já próximo do fim do relacionamento e, em seguida, pode ocorrer um salto para o início. Tudo sem que percamos a compreensão do que acontece, afinal o mais importante são os sentimentos de Tom e não os fatos em si. Entretanto, é possível que a maior subversão proposta pelo longa seja a dos papeis do homem e da mulher no relacionamento. Ao contrário do que comumente ocorre, Tom é que representa o lado mais frágil da relação, inseguro e romântico, enquanto Summer é confiante e mantém um certo distanciamento, evitando mergulhar de cabeça em uma paixão. Ou seja, retrata-se uma relação antenada com os novos costumes de nossa sociedade, onde os estereótipos estão cada vez mais obsoletos.
Entretanto, embora seja prazeroso e divertido acompanhar as venturas e desventuras de Tom, o roteiro, apesar de sua estrutura original, ainda se vale de algumas muletas narrativas que incomodam. A personagem da menina adolescente (papel de Chloe Moretz) que é mais “experiente” e “sábia” do que todos os outros personagens adultos é recurso já há muito desgastado e, ironia das ironias, a partir de certo ponto alguns acontecimentos se tornam previsíveis, tal como o desfecho do longa. Além disso, o uso constante de referências à cultura pop (como ao grupo Belle & Sebastian, The Smiths e aos próprios Beatles) é algo que também já está caindo no lugar-comum e dá a impressão de que Webb queria com isso apenas atribuir um ar mais “descolado” ao filme, muito embora não deixe de ser uma opção que sempre agrade aos fãs (e eu me incluo entre eles). Talvez sejam tiques de um diretor egresso do mundo dos videoclipes e, inevitavelmente, acabem interferindo no desenvolvimento de sua linguagem cinematográfica, mas não se pode negar que em alguns momentos ele obtém muito sucesso com essa linguagem, como na conhecida sequência em que se mostra o estado de espírito de Tom após sua primeira noite com Summer.
Apesar de algumas ressalvas, é indubitável que “(500) Dias Com Ela” presta uma preciosa contribuição a um cinema contemporâneo que pouco se esforça em trazer algo de novo para o público, dando um belo sacolejo na preguiça reinante. Ademais, se você estiver passando por um período de dor-de-cotovelo provavelmente irá considerar esta película como uma verdadeira obra-prima. Com olhos mais distanciados, provavelmente não enxergará tanto, mas será impossível deixar de apreciar. Um filme inteligente sobre o amor, algo difícil nos dias de hoje, sempre será bem-vindo.
Cotação:
Nota: 9,0
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