domingo, 14 de setembro de 2008

O Escafandro e a Borboleta

Corpo doente, mente sadia

Jean-Dominic Bauby era editor da revista Elle, importante publicação francesa sobre moda. A partir desta frase já podemos concluir muito de sua personalidade e estilo. Claro que todo pré-julgamento é injusto, mas você não estará enganado se imaginar que sua vida era impregnada de dinheiro, luxo e belas mulheres. Imagine, logo em seguida, que este mesmo homem sofre um acidente vascular cerebral, entra em coma e, ao acordar, descobre que está paralisado, conseguindo apenas mover o seu olho esquerdo. Pronto, tudo que você precisa saber sobre a trama de “O Escafandro e a Borboleta” já está dito. Só apenas mais um detalhe. Através de um código desenvolvido por uma ortofonista e com a ajuda de uma enfermeira, Bauby consegue escrever uma autobiografia apenas com o movimento do olho (ele pisca e assim são decifradas as letras), livro que dá título ao filme.

Óbvio que uma história como essa poderia gerar um excelente filme. Mas também poderia dar ensejo a uma obra sofrível, vez que é fácil e tentador apelar para o piegas e melodramático com um texto que, por si só, já dá ensejo a muitas lágrimas na platéia. Procurando fugir desta armadilha, o diretor Julian Schnabel utiliza recursos inusitados. Felizmente, com muito sucesso.

Logo no início percebemos suas interessantes estratégias. Durante a primeira metade do filme, praticamente só vemos os acontecimentos dentro da perspectiva de Bauby. Os nossos olhos são os olhos do personagem. Podemos então fazer uma idéia de sua imobilidade, “sentir” (assim, entre aspas, pois só quem vive uma situação pode realmente afirmar como ela é) como é estar preso dentro do seu próprio corpo. Um corpo que se torna um escafandro. Palmas para Janus Kaminzki, diretor de fotografia fiel parceiro de Steven Spielberg. A “voz” de Bauby em off também nos dá uma perspectiva interessantíssima e contribui muito para a nossa empatia com o personagem. É como se estivéssemos conhecendo, de fato, seus pensamentos o que gera uma imediata intimidade com o espectador e, ao mesmo tempo, evita que este acabe por sentir uma pena excessiva do protagonista. Percebe-se que Bauby continua sendo o mesmo, com suas mesmas fraquezas humanas, apenas agora se encontra em uma condição física diferente.

Ao mesmo tempo, Schnabel também sabe utilizar os aspectos mais emotivos a seu favor. Os flashbacks mostrando momentos relevantes na vida de Bauby são deveras cativantes e fazem com que possamos conhecer ainda mais sua personalidade. A escolha de momentos marcantes a serem mostrados, como o dia dos pais após o derrame, também é muito feliz (são esses momentos os mais capazes de levar o espectador às lágrimas). Vê-se, assim, que o roteiro de Ronald Harwood (de “O Pianista”) também foi fundamental para que o filme ganhasse em qualidade, sendo muito feliz na forma como adaptou o livro às telas.

Outro ponto crucial são as atuações de peso. Mathieu Almaric, com a garra de sempre, está impecável. Muito estranha a sua não indicação ao Oscar de melhor ator na última edição do prêmio, ainda mais se lembrarmos que a Academia adora esse tipo de papel. E aqui vai uma curiosidade: o personagem estava previsto para Johnny Depp, o qual foi responsável pela indicação de Schnabel para a direção. Temos ainda as participações de Emmanuelle Seigner (como Céline, a mãe dos filhos de Bauby), Max von Sydow (como o pai, já bem idoso, responsável por alguns do melhores diálogos do longa), Marina Hands (a Lady Chaterlley da última adaptação para o cinema) e uma das últimas atuações de Jean-Pierre Cassel, famoso ator da Nouvelle Vague e pai de Vincent Cassel, além de Marie-Josée Croze, como a fonoterapeuta Henriette (linda, diga-se de passagem).

O filme acabou sendo indicado a vários Oscars este ano, e talvez até injustiçado em algumas categorias (foi indicado nas categorias de direção, roteiro, fotografia e edição) , levou prêmio de melhor direção em Cannes 2007, e ganhou dois Globos de Ouro (filme e direção). E, além de ser uma história de superação, é também uma bela mostra do quanto velhos ressentimentos, desencontros e amores partidos podem gerar um imenso tempo perdido, tempo este que, sabemos, jamais irá retornar. O passado é imutável; o futuro, tão bem representado pela paralisia de Bauby, totalmente incerto; só nos resta humanizar o presente.

Não é pra perder.

Obs. Trilha sonora pop interessante que tem até uma pequena inserção de “Céu de Santo Amaro" em certa seqüência, além de “Pale Blue Eyes” do Velvet Underground (mesmo que ambas só no instrumental).

Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.
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