Horror e Erotismo
José Mojica Marins é o primeiro e único diretor brasileiro a dedicar-se ao gênero do terror. O seu personagem, o coveiro Josefel Zanatas (satanaz ao contrário, perceberam?), mais conhecido como Zé do Caixão, é um dos raros casos do cinema nacional em que um tipo transpõe os limites de um mesmo longa para tornar-se figura constante de uma série (algo tão comum nos EUA, não?). Série que, por sinal, agora chega ao fim. “Encarnação do Demônio” é o último capítulo de uma trilogia iniciada ainda nos anos 60 com “À Meia Noite Levarei Sua Alma” (1964) e “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967). Incompreendido pela crítica em seu tempo e sendo extremamente censurado pelo controle dos militares, Mojica, entretanto, logo se tornou um enorme sucesso de público, o que parece não repetir nesses tempos de cinema cosmético e pouco autoral. O lançamento do filme em circuito nacional, no início de agosto, foi um enorme fracasso nas bilheterias (fato que pude constatar na sessão a que assisti nesta sexta-feira, quase vazia), talvez porque os espectadores atuais o vejam como algo “démodé”, “cafona” ou muito “trash”.
José Mojica Marins é o primeiro e único diretor brasileiro a dedicar-se ao gênero do terror. O seu personagem, o coveiro Josefel Zanatas (satanaz ao contrário, perceberam?), mais conhecido como Zé do Caixão, é um dos raros casos do cinema nacional em que um tipo transpõe os limites de um mesmo longa para tornar-se figura constante de uma série (algo tão comum nos EUA, não?). Série que, por sinal, agora chega ao fim. “Encarnação do Demônio” é o último capítulo de uma trilogia iniciada ainda nos anos 60 com “À Meia Noite Levarei Sua Alma” (1964) e “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967). Incompreendido pela crítica em seu tempo e sendo extremamente censurado pelo controle dos militares, Mojica, entretanto, logo se tornou um enorme sucesso de público, o que parece não repetir nesses tempos de cinema cosmético e pouco autoral. O lançamento do filme em circuito nacional, no início de agosto, foi um enorme fracasso nas bilheterias (fato que pude constatar na sessão a que assisti nesta sexta-feira, quase vazia), talvez porque os espectadores atuais o vejam como algo “démodé”, “cafona” ou muito “trash”.
Neste novo longa, Mojica retoma suas velhas obsessões: o seu ateísmo, a crença de que não existe nada além da carne e que a única forma de superar a finitude da existência é gerando um filho, a continuidade do sangue. Para tanto, ele busca encontrar uma fêmea “superior”, que demonstre ser capaz de gerar o herdeiro perfeito. E isso após passar 40 anos na cadeia, condenado pelos terríveis crimes do passado (um pouco de incongruência com o sistema penal brasileiro que não admite que um sentenciado cumpra mais de 30 anos de reclusão, mas tudo bem...). Na verdade, ele meio que decide “se garantir” e escolhe 7 fêmeas para copular (número, segundo o próprio diretor, escolhido por motivo de superstição e significado), todas lindas (e bota lindas nisso), corajosas e submissas (e nuas!). Para demonstrar a mencionada capacidade de gerar o filho perfeito, as mulheres serão submetidas a duras provas, com sessões de tortura com ratos, cachorros e insetos. Vale dizer que durante as filmagens foram usados espécimes vivos (as baratas eram de laboratório, perfazendo cerca de 3.000). Portanto, dá para imaginar que, conforme dito pelas próprias atrizes em entrevistas, o medo demonstrado em certas cenas era real.Todavia, para atingir seu objetivo, Josefel terá que enfrentar ainda outros obstáculos. Vários desafetos do passado planejam sua vingança contra o coveiro, entre eles dois irmãos oficiais da polícia (um dos quais interpretado por Jece Valadão, que faleceu ainda antes do término das filmagens) e um religioso que se auto-flagela, interpretado por Milhem Cortaz (o soldado “02” de Tropa de Elite, lembram?). Também acaba encontrando várias de suas vítimas do passado na forma de espíritos ou alucinações. A dúvida se são almas ou fruto de uma mente perturbada é o que mais atormenta o coveiro. Afinal, a presença desses mortos pode significar o fim de sua crença na existência apenas da carne e, por outro lado, caso sejam alucinações, isso pode significar que ele realmente não possui domínio de suas faculdades mentais. Até mesmo o demônio (Zé Celso Martinez, o qual sempre me pareceu com cara de esconjuro mesmo) parece querer atrapalhar seu caminho, levando-o a uma “tour” no inferno que parece lembrar a viagem de Dante acompanhado por Virgílio na “Divina Comédia”.
Importante notar que toda a produção é feita com capricho, nunca o cineasta tendo antes tanto dinheiro à disposição. Os efeitos especiais são convincentes, a fotografia é competente e o roteiro (escrito pelo próprio Mojica ao lado de Denisson Ramalho), apesar de algumas falhas, não compromete. O figurino, por sinal, ficou a cargo de Alexandre Herchcovitch, o que já é um bom argumento para você, mulher, ter vontade de assistir ou, você, homem, convencer sua namorada/esposa/ficante/amiga-com-segundas-intenções a acompanhá-lo (e ela provavelmente não vai conseguir convencer aquela amiga “empatona” a acompanhar vocês).
Entretanto, há lago que incomoda no filme, talvez justamente a intenção de realizar algo mais bem produzido e comercial, com intuito globalizado, como bem ficou sublinhado pela sua exibição na mais recente edição do Festival de Veneza. Essa embalagem mais cosmética-sabonete acaba por distanciar a obra de Mojica de certos elementos mais brasileiros, regionais, presentes nos dois primeiros capítulos da trilogia. Só para citar um exemplo, falemos do tal figurino de estilista. Zé do Caixão continua com sua roupa de capa preta que remete ao visual clássico dos vampiros eternizados por Hollywood. Todavia, há um certo ar de sofisticação em suas vestimentas que acabam por distanciá-la de uma outra referência, qual seja, a de Exu, entidade mitológica e maléfica da umbanda. É a ausência desses elementos, os quais talvez não façam falta ao público que costuma ir às salas de shopping centers, que acaba prejudicando a apreciação do longa por parte daquele que espera algo mais de Mojica além de um mero filme de sustos. Aliás, no caso, mais violência que sustos, o que também não é novidade em tempos de “Jogos Mortais” e “O Albergue”. Muito embora, também é até justo lembrar, Mojica tenha sido um precursor dessa violência gráfica, como poderá ser visto pelo espectador através das cenas dos longas anteriores inseridos neste capítulo (como uma forma de flashback). Além disso, o sexo é mostrado de uma forma muito mais adulta e erótica que nesses filmes que o cinema americano produz para adolescente ver.
À parte estes defeitos, é bom ver o cinema nacional produzir algo diferente do conflito do tráfico nas favelas ou estudos sociológicos (esse ano ainda teremos “Última Parada 174”, é bom lembrar). O Brasil precisa de uma maior diversidade em sua produção que, em muitas ocasiões, mais parece uma monografia de final de curso. E, mesmo que esteja em um patamar inferior a suas primeiras produções, José Mojica Marins conseguiu mais uma vez engendrar algo diferenciado e substancioso. Muito recomendável, nem que você não esteja nem aí para o terror cabeça do diretor, mas apenas interessado em ver as lindas beldades nuas que enfeitam a tela em meio ao bocado de bizarrices exibidas (se for só por isso, digo que realmente vale à pena...).
Cotação: ***1/2 (três estrelas e meia)
Nota: 8,5
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