Para além da nostalgia
A música é uma forma de arte capaz de despertar reminiscências de momentos bastante específicos de nossas vidas. Uma determinada canção pode nos remeter ao primeiro encontro com uma namorada, a uma viagem, a uma festa, a fases mais tristes ou alegres da existência. Eu acreditava, entretanto, que só a música tinha esse poder de fazer com que nos lembremos até mesmo dos cheiros e iluminação de um ambiente onde ocorreu algo de significativo na história de cada um. Estava equivocado. Ao assistir a “O Homem do Futuro”, neste último fim de semana, percebi que o cinema, quando bem realizado, também pode ter esse dom.
Foi impressionante como este longa-metragem de Cláudio Torres (parece que o talento é mesmo genético em sua família) conseguiu me transportar para os tempos da faculdade, trazendo-me ótimas recordações das festas em que empunhava o microfone para cantar as músicas da Legião Urbana, tal como os dois personagens centrais da narrativa, João “Zero” (Wagner Moura) e Helena (Alinne Moraes), o fazem no evento crucial que trará todos os desdobramentos do interessante roteiro escrito pelo próprio diretor. É devido aos fatos que ali ocorreram que o físico João levou a tal alcunha de “Zero”. Agora, vinte anos depois do acontecido, ele está desenvolvendo uma pesquisa sobre uma nova forma revolucionária de energia, mas é também um homem muito amargurado, ressentido com o passado e que continua obsessivo por Helena. Em uma das experiências para provar que a forma de energia que pesquisa não causa riscos, João acaba sendo transportado para o passado, mais exatamente para o exato dia da festa que lhe trouxe tantos dissabores. Então, ele resolve tentar modificar o curso dos acontecimentos, o que levará a realidades alternativas também não muito felizes.
Este é o quarto trabalho de Torres como diretor e o terceiro bom filme que ele faz, demonstrando que além de ter talento para o ofício, também possui uma queda pelo fantástico/inusitado. Essa tendência se mostra tanto em “Redentor” (2004) quanto em “A Mulher Invisível” (2009) e aqui se solidifica ainda mais, especialmente por investir em um gênero pouco explorado no cinema nacional, como é o caso da ficção científica. Mesmo tendo de lidar com um roteiro naturalmente intrincado – como normalmente sucede com filmes que tratam de viagens temporais (e que comumente têm seus furos) – Torres jamais deixa a peteca cair, estabelecendo um ótimo ritmo para a narrativa e sem que ocorra confusão na mente do espectador em meio a tantas passagens de tempo. Além disso, mesmo diante de limitações orçamentárias, como fica claro na utilização de uma construção de Oscar Niemeyer para servir de residência para João em um dos futuros alternativos, os efeitos especiais empregados são muito convincentes e não apenas nos momentos em que o personagem central viaja no tempo, havendo outros mais sutis espalhados ao longo da projeção que sequer nos damos conta. No entanto, existem alguns descuidos de produção que se fazem notar, como denominar a máquina de João em um certo momento de “acelerador de partículas” e em outro como “conversor de partículas” o que, em termos físicos, faz uma baita diferença.
Não obstante estes pequenos problemas, a escolha do elenco foi de uma felicidade ímpar e isto se faz ainda mais importante se tivermos em vista o limitado número de personagens que compõem a trama. Alinne Moraes, além de sua beleza e sensualidade, e a despeito de algumas incongruências com sua Helena no inicio da narrativa, nos dá uma boa atuação, encaixando-se perfeitamente na figura da mulher que vira o objetivo de vida do protagonista. Já Fernando Ceylão, que faz Otávio, o melhor amigo de João, está ótimo com seu tipo engraçado e camarada, levando-nos a torcer para que seu personagem também tenha um bom desfecho. Maria Luísa Mendonça também sempre aparece bem como Sandra, amiga do protagonista e responsável pelo financiamento de suas pesquisas, assim como Gabriel Braga Nunes se encaixa bem no papel do playboy antipático. Mas é mesmo Wagner Moura que, em mais uma oportunidade, nos entrega um show particular ao interpretar o mesmo personagem em três fases distintas de sua vida. Ingênuo e tímido quando jovem, nervoso e amargurado já mais velho, além de finalmente equilibrado e seguro após aceitar e entender os eventos de sua história de vida, o ator consegue atribuir características distintas a cada um deles, mas sem que pareçam ser pessoas diferentes. Já vi comentários pela internet realizando comparações com “De Volta Para O Futuro” (Back To The Future, 1985), afirmando que ele consegue fazer Marty McFly, George McFly, Doc Brown e Biff todos ao mesmo tempo. E eu ainda acrescento: faz todos estes dentro do mesmo papel e jamais caindo no ridículo. Como já considerei em outras oportunidades (vide a resenha de “Tropa de Elite 2”), acredito que Wagner Moura é não apenas o melhor ator do Brasil no momento, mas está, e por que não, entre o melhores do mundo.
Não bastasse o sucesso do elenco, a trilha sonora pop incidental foi escolhida com rara felicidade. Torres já havia demonstrado ter perspicácia para tanto em “A Mulher Invisível” e aqui não foi diferente. A escolha de “Tempo Perdido”, da Legião Urbana (no filme interpretada por Wagner e Alinne), para sublinhar com força os principais momentos da projeção, é perfeita, assim como “Creep”, do Radiohead (com vocais também de Wagner juntamente com a banda Sua Mãe, da qual fez parte) e “It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)”, do R.E.M, são inseridas de maneira sensacional, totalmente adequadas às cenas das quais fazem parte. O espectador acaba saindo da sala com as canções tocando na mente, com vontade de continuar ouvindo repetidas vezes.
Com tantos méritos, “O Homem do Futuro” não apenas é feliz em levar o público a uma viagem nostálgica (o que aconteceu comigo, como relatei acima). Ele é ótimo tanto como um entretenimento que nos fará dar várias risadas, como também em nos fazer compreender que os erros e fatos tristes do passado de cada um são importantes como aprendizado e amadurecimento. Não adianta querermos mudar o passado ou simplesmente esquecê-lo. O importante está em aceitá-lo e crescer com ele. Acima mencionei que a obra de Cláudio Torres tem um pendor para o fantástico. É verdade, mas também é verdade que em todos os seus filmes os personagens são obrigados a superar suas dores e aprender com elas. Na vida, evoluir é essencial.
Cotação:
Nota: 9,0
A música é uma forma de arte capaz de despertar reminiscências de momentos bastante específicos de nossas vidas. Uma determinada canção pode nos remeter ao primeiro encontro com uma namorada, a uma viagem, a uma festa, a fases mais tristes ou alegres da existência. Eu acreditava, entretanto, que só a música tinha esse poder de fazer com que nos lembremos até mesmo dos cheiros e iluminação de um ambiente onde ocorreu algo de significativo na história de cada um. Estava equivocado. Ao assistir a “O Homem do Futuro”, neste último fim de semana, percebi que o cinema, quando bem realizado, também pode ter esse dom.
Foi impressionante como este longa-metragem de Cláudio Torres (parece que o talento é mesmo genético em sua família) conseguiu me transportar para os tempos da faculdade, trazendo-me ótimas recordações das festas em que empunhava o microfone para cantar as músicas da Legião Urbana, tal como os dois personagens centrais da narrativa, João “Zero” (Wagner Moura) e Helena (Alinne Moraes), o fazem no evento crucial que trará todos os desdobramentos do interessante roteiro escrito pelo próprio diretor. É devido aos fatos que ali ocorreram que o físico João levou a tal alcunha de “Zero”. Agora, vinte anos depois do acontecido, ele está desenvolvendo uma pesquisa sobre uma nova forma revolucionária de energia, mas é também um homem muito amargurado, ressentido com o passado e que continua obsessivo por Helena. Em uma das experiências para provar que a forma de energia que pesquisa não causa riscos, João acaba sendo transportado para o passado, mais exatamente para o exato dia da festa que lhe trouxe tantos dissabores. Então, ele resolve tentar modificar o curso dos acontecimentos, o que levará a realidades alternativas também não muito felizes.
Este é o quarto trabalho de Torres como diretor e o terceiro bom filme que ele faz, demonstrando que além de ter talento para o ofício, também possui uma queda pelo fantástico/inusitado. Essa tendência se mostra tanto em “Redentor” (2004) quanto em “A Mulher Invisível” (2009) e aqui se solidifica ainda mais, especialmente por investir em um gênero pouco explorado no cinema nacional, como é o caso da ficção científica. Mesmo tendo de lidar com um roteiro naturalmente intrincado – como normalmente sucede com filmes que tratam de viagens temporais (e que comumente têm seus furos) – Torres jamais deixa a peteca cair, estabelecendo um ótimo ritmo para a narrativa e sem que ocorra confusão na mente do espectador em meio a tantas passagens de tempo. Além disso, mesmo diante de limitações orçamentárias, como fica claro na utilização de uma construção de Oscar Niemeyer para servir de residência para João em um dos futuros alternativos, os efeitos especiais empregados são muito convincentes e não apenas nos momentos em que o personagem central viaja no tempo, havendo outros mais sutis espalhados ao longo da projeção que sequer nos damos conta. No entanto, existem alguns descuidos de produção que se fazem notar, como denominar a máquina de João em um certo momento de “acelerador de partículas” e em outro como “conversor de partículas” o que, em termos físicos, faz uma baita diferença.
Não obstante estes pequenos problemas, a escolha do elenco foi de uma felicidade ímpar e isto se faz ainda mais importante se tivermos em vista o limitado número de personagens que compõem a trama. Alinne Moraes, além de sua beleza e sensualidade, e a despeito de algumas incongruências com sua Helena no inicio da narrativa, nos dá uma boa atuação, encaixando-se perfeitamente na figura da mulher que vira o objetivo de vida do protagonista. Já Fernando Ceylão, que faz Otávio, o melhor amigo de João, está ótimo com seu tipo engraçado e camarada, levando-nos a torcer para que seu personagem também tenha um bom desfecho. Maria Luísa Mendonça também sempre aparece bem como Sandra, amiga do protagonista e responsável pelo financiamento de suas pesquisas, assim como Gabriel Braga Nunes se encaixa bem no papel do playboy antipático. Mas é mesmo Wagner Moura que, em mais uma oportunidade, nos entrega um show particular ao interpretar o mesmo personagem em três fases distintas de sua vida. Ingênuo e tímido quando jovem, nervoso e amargurado já mais velho, além de finalmente equilibrado e seguro após aceitar e entender os eventos de sua história de vida, o ator consegue atribuir características distintas a cada um deles, mas sem que pareçam ser pessoas diferentes. Já vi comentários pela internet realizando comparações com “De Volta Para O Futuro” (Back To The Future, 1985), afirmando que ele consegue fazer Marty McFly, George McFly, Doc Brown e Biff todos ao mesmo tempo. E eu ainda acrescento: faz todos estes dentro do mesmo papel e jamais caindo no ridículo. Como já considerei em outras oportunidades (vide a resenha de “Tropa de Elite 2”), acredito que Wagner Moura é não apenas o melhor ator do Brasil no momento, mas está, e por que não, entre o melhores do mundo.
Não bastasse o sucesso do elenco, a trilha sonora pop incidental foi escolhida com rara felicidade. Torres já havia demonstrado ter perspicácia para tanto em “A Mulher Invisível” e aqui não foi diferente. A escolha de “Tempo Perdido”, da Legião Urbana (no filme interpretada por Wagner e Alinne), para sublinhar com força os principais momentos da projeção, é perfeita, assim como “Creep”, do Radiohead (com vocais também de Wagner juntamente com a banda Sua Mãe, da qual fez parte) e “It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)”, do R.E.M, são inseridas de maneira sensacional, totalmente adequadas às cenas das quais fazem parte. O espectador acaba saindo da sala com as canções tocando na mente, com vontade de continuar ouvindo repetidas vezes.
Com tantos méritos, “O Homem do Futuro” não apenas é feliz em levar o público a uma viagem nostálgica (o que aconteceu comigo, como relatei acima). Ele é ótimo tanto como um entretenimento que nos fará dar várias risadas, como também em nos fazer compreender que os erros e fatos tristes do passado de cada um são importantes como aprendizado e amadurecimento. Não adianta querermos mudar o passado ou simplesmente esquecê-lo. O importante está em aceitá-lo e crescer com ele. Acima mencionei que a obra de Cláudio Torres tem um pendor para o fantástico. É verdade, mas também é verdade que em todos os seus filmes os personagens são obrigados a superar suas dores e aprender com elas. Na vida, evoluir é essencial.
Cotação:
Nota: 9,0
6 comentários:
Estou ansioso para ver o filme.
Adoro viagens no tempo, curto muito o ator. Ou seja, as referências são boas.
Espero dar uma nota igual a sua.
Abraços
É um filme bem legal mesmo, revestido de saudosimo oitentista, mesmo sendo ambientado no começo dos anos 90, o melhor nacional até agora em 2011.
Abração!
Saudades do Cláudio Torres de "Redentor".
Cumprimentos cinéfilos
O Falcão Maltês
A forma como ele traz todo esse senso "nostálgico" e os elementos dos anos 80 ou 90, já me deixa curioso! Wagner Moura é o melhor ator da sua geração, ele impressiona, admiro muito a concentração e dedicação dele nas produções. E é um cara versátil, não se limita à um único estilo.
Vou dar uma conferida neste também, ótimo texto!
ps, cadê o "A Sangue Frio"?
Cristiano, ainda vejo a Sangue Frio nestes próximos dias e posto a resenha aqui! Abraço! Ah, e obrigado pelos elogios aos textos!
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