domingo, 28 de agosto de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Quanto Mais Quente Melhor
(Some Like It Hot, 1959)



Humor universal


Quando começo uma resenha sobre alguma comédia, costumo fazer a advertência de que humor é uma questão muito pessoal. Em inúmeras ocasiões podemos rir de uma determinada cena ou piada enquanto outras não verão nelas a menor graça. Tal característica possivelmente torna o gênero o mais difícil para qualquer artista, seja ele cineasta, escritor, ator ou qualquer outro. Entre os atores, já se tornou lugar-comum afirmar que é muito mais complicado fazer rir do que chorar. De qualquer forma, a frase resume a mais pura verdade. Sendo assim, só mesmo sendo genial para conseguir fazer qualquer um rir e um dos raros artistas a alcançar tal feito foi o diretor Billy Wilder e sua obra máxima da comédia “Quanto Mais Quente Melhor” (Some Like It Hot).

Este longa-metragem de 1959 é fruto de uma fase mais leve e divertida da carreira do famoso cineasta de origem austro-húngara (ele nasceu em 1906, quando o Império Austro-Húngaro ainda existia e a cidade onde nasceu hoje é território polonês). Sua fase anterior, onde predominaram dramas cáusticos, nos rendeu verdadeiras obras-primas do cinema, como “A Montanha dos Sete Abutres” (Ace In The Hole, 1951) e “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950), sendo que este último costuma até mesmo frequentar listas de melhores de todos os tempos (com inteira justiça, diga-se de passagem). A partir de 1954, com “Sabrina”, Wilder engendraria uma série de históricas comédias que legariam grandes momentos para a Sétima Arte, tais como “O Pecado Mora Ao Lado” (The Seven Year Itch, 1955) e “Se Meu Apartamento Falasse” (The Apartment, 1960). No entanto, Wilder jamais abandonou o seu lado crítico, continuando a espezinhar o cinismo e hipocrisias sociais e “Quanto Mais Quente Melhor” melhor se coloca como o perfeito ápice dessa fórmula que mistura consciência crítica e humor.


Tudo neste filme funciona. Desde o roteiro inspiradíssimo (curiosamente, até o início das filmagens, ele estava ainda pela metade), passando pelas atuações fabulosas e a direção magistral, não há nada que esteja fora de lugar, trazendo ao espectador duas horas memoráveis. Inspirado em um filme alemão de 1951, Fanfahren Der Liebe, em que dois músicos se fingem de mulher para integrar uma banda feminina, Wilder, auxiliado por I.A.L Diamond (seu frequente colaborador), elaborou um roteiro perfeito que consegue combinar diálogos afiados a gags sensacionais, além de puro pastelão, sem perder, como dito mais acima, a perene veia crítica que se tornou a marca registrada do diretor-roteirista. Aqui, Wilder ambienta a estória de travestismo nos EUA de 1929, tempo da depressão econômica e da Lei Seca, época em que o comércio de bebidas alcoólicas acabou se tornando tráfico devido à proibição oficial. É quando os dois amigos músicos Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon) testemunham um massacre cometido por Spats Columbo (George Raft), chefão dos gangsteres de Chicago. Para salvar a pele, a única saída se torna acompanhar uma banda feminina de jazz que está de partida para apresentações em um hotel de Miami. É na viagem de trem que a dupla, que agora usa os nomes “Josephine” e “Daphne”, além de se exasperar para não ter o disfarce descoberto, ainda conhece Sugar Kane (a mítica Marilyn Monroe), cantora sensual, frágil e beberrona que desperta o imediato interesse dos dois. Para completar o salseiro, ao chegar a Miami “Daphne” passa a ser alvo dos cortejos incessantes do milionário Osgood Fielding (Joe E. Brown).


Para levar a cabo seus propósitos, Wilder teve que quebrar alguns tabus da indústria. Houve resistência do estúdio com a premissa do roteiro, que inseria comédia dentro de um contexto a princípio violento, um massacre. Ademais, o diretor lutou muito para que o longa permanecesse com suas duas horas, algo incomum para as comédias da época - na verdade, é uma duração pouco convencional até para as comédias de hoje. Mas o resultado final mostrou que ele estava certo. Até mesmo a utilização da fotografia em preto e branco se mostrou feliz, tanto para realçar o clima do período em que se passa a trama, como para atenuar o peso da maquiagem no rosto dos atores, a qual certamente pareceria muito exagerada caso fosse o utilizado o technicolor na produção.


Mas é claro que um roteiro brilhante exigiria intérpretes à altura da tarefa. Tony Curtis, que se sentia constrangido, de fato, em atuar travestido confere um ar de seriedade a sua “Josephine” que contrasta de maneira de maneira impagável com a atuação desinibida do sensacional Jack Lemmon, que transformou sua “Daphne” em uma das figuras mais hilárias da história do cinema. Esta foi a primeira colaboração de Lemmon com Wilder, parceria que renderia várias outros bons filmes na década seguinte. Além disso, temos a presença da lendária Marilyn, ícone atemporal de beleza e sensualidade, em um dos papéis pelos quais é mais lembrada, juntamente com o citado “O Pecado Mora Ao Lado” (que tem a cena famosa na qual sua saia sobe) e “Os Homens Preferem As Loiras” (Gentlemen Prefer Blondes, 1953, de Howard Hawks). Sua presença nos sets, porém, trouxe alguns problemas, já que ela estava em uma fase difícil emocionalmente, o que acentuava. ainda mais a sua já natural dificuldade em decorar diálogos. Foram necessários colocar papeis dentro de gavetas e em outras partes dos ambientes para que as filmagens tivessem sequência, o que acaba impacientando o restante do elenco (alguns afirmam que Curtis tinha especial impaciência com a situação). O se vê na tela, no entanto, é um elenco em grande sintonia, com um timing cômico perfeito não só entre as estrelas, mas também entre os coadjuvantes.

O desfecho antológico e inesperado parte inclusive de um desses coadjuvantes, Osgood, em uma cena concebida pelo co-roteirista Diamond na véspera de sua encenação, último tijolo na construção de uma comédia que se tornou realmente histórica. Não é por acaso que Wilder considerava este o seu melhor filme e o American Film Institute tenha elegido esta como a melhor comédia de todos os tempos. Uma obra que desafia a ideia que expressei mais acima de que o humor é algo muito pessoal, pois é quase impossível não rir com esta comédia fervilhante. Uma amostra de que, quando o talento fala mais alto, o humor pode ser universal.


Cotação e nota: Obra-prima.
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3 comentários:

renatocinema disse...

Filmaço que todos deveriam ver duas vezes.....antes de morrer. kk

Alan Raspante disse...

O que dizer? Realmente, uma obra-prima!!

ANTONIO NAHUD disse...

Nem sei o que dizer, já o vi inúmeras vezes. Morro de rir com o Jack Lemmon.Obra-prima absoluta.

O Falcão Maltês