quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Filmes Para Ver Antes de Morrer




Beijos Proibidos
(Baisers Volés)




A vida segundo François Truffaut


Os iniciantes na obra do mestre François Truffaut costumam realizar o primeiro contato através de “Os Incompreendidos” e é até natural que assim o seja. Afinal, trata-se do primeiro longa-metragem do diretor, além de ser considerado o marco inicial da Nouvelle Vague, o movimento cinematográfico que pôs em prática a “política do autor” desenvolvida pelos críticos da revista “Cahiérs du Cinema” (Truffaut entre eles). Todavia, acredito que para muitos, principalmente os mais afeitos ao padrão do cinema atualmente exibido a cada sexta-feira nos multiplexes dos shoppings mais próximos, talvez esta não seja a melhor opção. “Os Incompreendidos” não é exatamente um filme fácil, possui um final que pode deixar muitos insatisfeitos (apesar de genial e marcante), além de ser em P&B (há muitas pessoas que têm preconceito com o preto e branco, pode acreditar). Tampouco recomendaria “Jules & Jim”, um dos seus longas mais famosos, mas que também pode descontentar os mais tradicionais com sua narrativa não-convencional (além de ser também em P&B).

Se alguém me perguntar a que filme de Truffaut assistir para começar a apreciar sua obra, responderei, quase com certeza, “Beijos Proibidos” (Baisers Volés). Trata-se de um filme leve, divertido, romântico, que não assusta o espectador afeito a Hollywood, mas que também é dotado do frescor e originalidade típicos de um Truffaut ainda jovem e cheio de novas ideias na cabeça. Na realidade, este é o terceiro filme do cineasta com o personagem Antoine Doinel (os anteriores foram o citado “Os Incompreendidos” e o curta “Antoine e Collete”), o seu alter-ego, sempre interpretado pelo ator Jean-Pierre Léaud. Nele, vemos Doinel já adulto, logo após deixar o exército, tendo sido dispensado por inadequação às regras militares. De qualquer forma, não há problema em assistir a este episódio sem ter visto os anteriores. As tramas são independentes e não necessitam que o espectador possua um conhecimento prévio do personagem para apreciar o longa.

Truffaut procura retratar aqui a inconstância da juventude e suas várias facetas. Doinel não consegue se fixar em um trabalho. Sai do exército para trabalhar em um hotel como atendente noturno, emprego do qual é logo demitido. Logo depois, é contratado para trabalhar em uma agência de detetives particulares, emprego que o levará a diversas peripécias, dentre as quais o seu encontro com Fabienne Tabard (Delphine Seyrig), mulher mais madura com quem acaba tendo um relacionamento amoroso. Ao mesmo tempo, Doinel mantém um namoro cheio de idas e vindas com a bela Christine Darbon (Claude Jade), da qual parece realmente gostar, mas ainda é imaturo demais para assumir um compromisso mais sério. Por outro lado, não se pode negar que Doinel tem uma imensa alegria de viver, procurando aproveitar cada momento sem grandes preocupações com o futuro. Aliás, esta é uma característica típica da obra do diretor francês. Sabe-se que ele teve uma infância e adolescência difíceis (retratada em “Os Incompreendidos”), tendo passado alguns anos como delinquente nas ruas de Paris. Pode-se até mesmo afirmar que a sétima arte o salvou. Entretanto, Truffaut manteve-se longe das amarguras e sua obra é sempre lembrada como uma celebração da vida. Seu alter-ego reflete, assim, esse estado do espírito do diretor. Doinel quer apenas um lugar para se dedicar à literatura e oportunidades para estar ao lado de belas mulheres. Nada mais o preocupa, a não ser vivenciar os pequenos prazeres que lhe dão o colorido da vida. A própria estrutura narrativa não possui exatamente uma trama, mas tão somente uma sucessão de acontecimentos no cotidiano de Antoine tal como, na verdade, acontece em nossas vidas. Afinal, a vida não tem uma trama, mas uma sucessão de fatos que muitas vezes parecem desconexos (e muitas vezes realmente o são) e é desta forma que acompanhamos a trajetória de Doinel.



Em outra vertente, Truffaut parece afirmar que não só a natureza do amor pode ser inconstante, mas que ele também pode ser uma forma de loucura. Doinel nos parece meio louco com sua paixão repentina por Fabienne Tabard, assim como outros personagens, entre eles um misterioso desconhecido que dá ao desfecho do longa um tom bastante inusitado (assim como um dos clientes da firma de detetives, responsável por uma das sequências mais divertidas do longa). Vale ressaltar, porém, que Truffaut jamais desrespeita seus personagens, tratando-os com um enorme carinho. Toda a ternura do filme parece ser sintetizada pela bela canção que abre a narrativa, a inesquecível “Que Reste-t-il de Nos Amours”, interpretada por Charles Trenet, uma delícia musical que grudará em sua memória.

François Truffaut pode não ter sido o mais inovador dentre os cineastas da Nouvelle Vague (esse título possivelmente cabe a Jean-Luc Godard). Todavia, ao adentrar em sua obra, você perceberá porque ele é o mais amado dentre estes. Abordando como poucos, e de forma positiva, os sentimentos, relacionamentos, decepções, esperanças e alegrias, peças estas que compõem a parte mais significativa da vida, ele escreveu uma página fundamental da sétima arte e “Beijos Proibidos” é mesmo uma ótima, leve e divertida forma de iniciar sua apreciação da carreira do diretor francês (ou mesmo uma ótima maneira de começar a conhecer a Nouvelle Vague). Começará a perceber, assim, que Truffaut parece dizer a cada fotograma de sua obra que viver é fundamental.


Cotação:

Nota: 10,0
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2 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Seu texto abarca toda a essência e leve humor que o filme transparece, é um filme até sentimental demais, mas eu gosto desse lado emotivo dele...

Jean-Pierre Léaud no ápice do charme e beleza, ótimo ator que e que personificava bem a essência de Truffaut.

Vou rever o filme, tem uns 6 anos que vi!

Quem sabe não associo ele ao Apimentário!

Mas, teu texto tá delicioso!

Abraço

Ps: deixa de ser antisocial, aparece no msn ou blog, manda notícias! rs

Fábio Henrique Carmo disse...

Amigo Cristiano, tenho aparecido esporadicamente no seu blog por falta de tempo. Dezembro é um mês bem complicado. Pra MSN, então, o tempo é mais reduzido ainda.

Quanto ao filme, merece ser revisto. Sua leveza e romantismo são encantadores. Abração!