terça-feira, 7 de maio de 2013

Somos Tão Jovens

Recorte de um tempo perdido


Eu sou um legionário. Sim, eu sou daqueles que sabem cantar todas as músicas da Legião Urbana, banda liderada pelo mito Renato Russo que atingiu sua apoteose na segunda metade dos anos 80 e início dos anos 90. Tenho todos os discos, já li obras sobre Renato, entrevistas e documentários. Estou fazendo essa advertência porque acredito que as seguintes linhas traçadas sobre “Somos Tão Jovens”, longa-metragem dirigido por Antônio Carlos da Fontoura que estreou em circuito nacional na última sexta-feira, podem sofrer a interferência da visão indissociável de fã que será apresentada. Para o bem ou para o mal, é importante sublinhar, pois que, se em alguns momentos minha empolgação pode ter falado mais alto, em outros o fato de conhecer bastante a história daqueles personagens pode ter elevado minha visão crítica.

“Somos Tão Jovens” é, antes de mais nada, um recorte de uma época. Mais precisamente, os anos da adolescência de Renato Manfredini Jr. (interpretado por Thiago Mendonça, o Luciano de “2 Filhos de Francisco”) em Brasília. Portanto, não vá ao cinema esperando encontrar uma apanhado biográfico de toda a vida do artista, incluindo sua maturidade e falecimento resultado do vírus HIV. Quem aparece no filme é o Renato do Aborto Elétrico - a banda do punk brasiliense formada por ele, o sul-africano Andre Pretorius e os irmãos Felipe (o Fê) e Flávio Lemos (hoje, no Capital Inicial) - e também a sua passagem como “Trovador Solitário”, quando deixou o Aborto devido aos desentendimentos constantes com Felipe. E também vemos Renato antes de participar de qualquer banda, aos 15 anos, quando ficou meses de molho em casa devido a uma doença que debilitou suas pernas, a epifisiólise. Esse período é o ponto de partida do longa, uma fase fundamental para a formação intelectual do futuro astro, uma vez que se dedicou a devorar livros e discos em seu quarto, surgindo então o sonho de se tornar “um astro do rock”. Daí em diante, o roteiro de Marcos Bernstein (o mesmo de “Meu Pé de Laranja Lima” e “Central do Brasil”) enfoca não apenas sua trajetória musical, mas também seu relacionamento com os amigos da turma da “Colina” (como eles eram conhecidos na capital do país), com a família e com Ana Cláudia, uma amiga/namorada fundamental em sua juventude.


Seria injusto acusar a película de “mitificar” Renato. É certo que o roteiro faz aparecer muito da persona artística do músico na sua adolescência, o que talvez seja um equívoco. Entretanto, quem já ouviu comentários e entrevistas de outros participantes do denominado “Rock Brasília” sabe que Renato era idolatrado por amigos e colegas ainda na adolescência, demonstrando desde cedo que sabia ser uma personalidade midiática. Ademais, seu temperamento intempestivo é bastante abordado, além de serem “denunciadas” algumas de suas atitudes cretinas, como o hábito nada louvável de gravar conversas com os amigos, sem o conhecimento destes, para depois servir de inspiração para composições. Portanto, “mitificar” não é o verbo certo para definir os resultados alcançados pela produção. A maior carência de “Somos Tão Jovens” reside em sua pouca propensão em buscar os “porquês” da trajetória do astro, limitando-se quase tão somente a exibir “como” ele desenvolveu esse caminho. Vemos na tela alguns de seus sentimentos de inadequação, como as dúvidas e angústia relativa à sua sexualidade, mas são apenas pinceladas que se tornam insuficientes para compreender sua mente. Não há muito que denuncie que aquele garoto de músicas rebeldes iria anos mais tarde compor canções introspetivas como “Há Tempos”. Além disso, várias passagens, como os problemas com a polícia, o consumo de drogas e os relacionamentos homossexuais são abordados de forma mais leve e pouco disposta a causar desconforto no público médio (diferindo significativamente, neste aspecto, da cinebiografia “Cazuza – O Tempo Não Para”, de Sandra Werneck e Walter Carvalho). Incomoda, ainda, uma certa vontade de pontuar os diálogos com frases das músicas da Legião, como se a cada momento surgisse uma inspiração para futuras composições.

Contudo, é inegável que o longa é feliz em transmitir o clima juvenil daqueles tempos, impactado pelo movimento punk e buscando formas de extravasar seu tédio e inconformismo diante de um governo militar arbitrário. O longa respira rock 'n roll e não apenas porque está recheado de músicas do próprio Renato Russo e de bandas famosas (como o Sex Pistols), mas também por trazer a sensação de estar presente naqueles dias, como se fôssemos mais um daqueles jovens pulando ao som pesado emitido por caixas de som em volume máximo. Para isso colaboram opções técnicas como o uso da câmera em primeira pessoa nas cenas de shows, fazendo com que o espectador se sinta no meio da agitação da plateia ou nas pistas de dança. A ótima edição também proporciona um ritmo tão agitado quanto aqueles dias de rock, contribuindo para que nem cheguemos a sentir o tempo passar. Tudo bem, são 114 minutos, não é um filme longo, mas a sensação ao final é de ainda estarmos na metade (a julgar pela reação do público da sessão, não fui o único a ter essa impressão).



E Thiago Mendonça? Consegue dar conta do recado ao interpretar um personagem tão complexo? A resposta é: mais ou menos. Não seria mentira ou chatice afirmar que ele baseou sua performance na versão midiático-estilizada criada pelo próprio Renato Russo. De fato, sua interpretação possui vários cacoetes. Entretanto, ela se encaixa perfeitamente nas aparições durante shows, levando-nos, nestes momentos, a esquecer que aquele é um ator e não o verdeiro cantor. Também vale mencionar o seu esforço em ser verdadeiro em ditas sequências, uma vez que aprendeu a tocar violão para o longa-metragem e consegue cantar no mesmo tom de Renato sem desafinadas muito aparentes (e convenhamos, é difícil cantar no mesmo tom do líder da Legião Urbana). O resto do elenco não tem muito o que desenvolver. A lista de personagens é extensa, fazendo com que nenhum deles tenha muito tempo de cena. A exceção é Ana, a mencionada “amiga/namorada” que exerce uma grande influência sobre o roqueiro. A atriz Laila Zaid consegue lhe conferir ótima presença em cena, além de delinear com competência e sensibilidade a sua personalidade.

Este é um filme para jovens e preocupado, como já assinalado, em captar a atmosfera de um um tempo que, como diz a famosa canção do compositor, parece perdido, distante e esquecido. Talvez o grande mérito do diretor Fontoura seja, mesmo diante de algumas inconsistências, recuperar esse espírito de contestação e inconformismo que parece estar sendo esquecido pelos cada vez mais conservadores e anódinos jovens contemporâneos, todos iguais em suas preocupações pequeno-burguesas. Em sua canção “Geração Coca-Cola”, Renato já cantava que ele fazia parte de uma geração apática e individualista, “burgueses sem religião”. Pelo que vemos, a situação apenas se agravou, pois que aquela geração possuía uma autocrítica que não se vê na atual. Todavia, ao ver a sala repleta de uma rapaziada universitária, as esperanças se renovaram. Tomara que ela tenha saído da sessão contaminada pelo espírito rock 'n roll vivenciado pelo jovem Renato Frandeni Jr.


Cotação: 



Nota: 8,0
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3 comentários:

FOXX disse...

eu quero ir ver, mas ainda não sei se vale a pena... bom ler sua resenha de fã, afinal eu tb sou um legionário, me animou de ir ver.

Jefferson C. Vendrame disse...

Independente das críticas, negativas ou positivas, achei louvável a produção desse filme. Cinebiografias sempre são bem vindas e o cinema nacional a muito tempo já deveria ter feito essa homenagem ao mito R. RUSSO. Parabéns pelo texto Fábio, muito bem escrito e informativo. Quero ver nesse final de semana sem falta.

Abração

Rubia Lima disse...

Muito boa a crítica!!!