domingo, 12 de maio de 2013

Para Ver Em Um Dia de Chuva

Mother - A Busca Pela Verdade
(Madeo, 2009)


Suspense hitchcockiano sobre a maternidade


Ultimamente, ando afastado do cinema asiático. Um descaso bastante reprovável, tenho ciência disso, o que me levou a procurar resolvê-lo assistindo a algum representante do crescente e elogiável cinema coreano, considerado pela crítica internacional como o maior celeiro de criatividade atual. Confesso que, entre os representantes da produção coreana recente, eu havia visto apenas “Old Boy” (2003), a perturbadora saga de vingança concebida pelo diretor Chan-wook Park. Diante da proximidade do dia das mães, o que estava me motivando a postar algum texto relacionado à data (tudo bem, até o Cinema Com Pimenta às vezes acaba contaminado por essas datas que, no fundo, são comerciais), acabei optando pelo longa-metragem “Mother – A Busca Pela Verdade”, cujo diretor Bong Joon-Ho é um dos mais incensados da atual cena da Coreia do Sul. Ele é o mesmo cineasta de “O Hospedeiro” (Gwoemul, 2006), filme conhecido pela mistura de diversos gêneros, passeando do terror até a comédia e crítica social. Não vi “O Hospedeiro”, mas, a julgar por este “Mother”, o ecletismo parece mesmo ser uma marca do trabalho de Joon-Ho.

Em “Madeo” (título original do longa), o diretor consegue misturar com precisa eficácia gêneros como drama, suspense e policial, trazendo um resultado original e, até certo ponto, surpreendente. Um modo diferente de abordar uma narrativa que questiona até onde pode ir o amor materno. Na trama, Hye-Ja (papel da excelente atriz Kim Hye-Ja), comerciante que também realiza sessões de acupuntura clandestinamente, é mãe solteira de Do-Joon, uma rapaz que tem já os seu vinte e poucos anos, mas que tem um significativo retardo de desenvolvimento mental, comportando-se como uma criança. Após uma noite de bebedeira, Do-Joon acaba se tornando o principal suspeito do brutal assassinato de uma jovem de seu bairro. A super protetora Hye-Ja fará, então, de tudo para provar a inocência do filho, em um caminho tortuoso onde terá de enfrentar uma polícia ineficiente e advogados negligentes. Um percurso com surpresas e situações de choque e que levarão o espectador tanto ao espanto quanto à reflexão.


A estrutura básica de “Madeo” é a de um “whodunit”, aquele tipo de filme cujo mote central é descobrir quem cometeu um crime. Joon-Ho desenvolve o mistério utilizando estruturas inspiradas em Alfred Hitchcock, como a famosa premissa do “homem errado”, tão frequente na filmografia do cineasta britânico. Além disso, realiza uma interessante mistura de tons de suspense com elementos cômicos, uma das especialidades do velho Hitch. Contudo, se este utilizava uma superfície de mistério e suspense para realizar análises acerca da relação homem-mulher, dissecando a sedução e dominação presentes nos envolvimentos amorosos, Joon-Ho tenta entender aquela que talvez seja o mais instintivo, visceral e, ao mesmo tempo, belo e comovente dos sentimentos: o amo materno. A trajetória de Hye-Ja para proteger sua prole alcança pontos em que certos limites éticos e morais são ultrapassados, levando-nos a refletir sobre a aceitabilidade de suas condutas, além de fazer-nos questionar o quanto do ser humano pode ser condicionado pelos nosso instintos mais primitivos. Joon-Ho, todavia, não oferece julgamentos, seja condenando ou absolvendo a protagonista e está longe de enquadrá-la em uma visão santificada ou que procurasse ao menos justificar suas atitudes. De outra ponta, Joon-Ho demonstra uma forte preocupação em exibir a realidade da Coreia capitalista, muitas vezes vista nos Ocidente como exemplo de país que soube sair do subdesenvolvimento. A Coreia que vemos nos filme é repleta de semifavelas e demonstra possuir uma sociedade bem menos rica e pujante do aquela que a mídia globalizada costuma divulgar.


Tais questionamentos nos são trazidos por meio de um roteiro muito bem construído, atento a minúcias e com pistas falsas, muito embora algumas de suas reviravoltas, mormente a principal delas, se mostrem uma tanto previsíveis. Apesar de tais previsibilidades, a narrativa não deixa de ser envolvente e não só porque o roteiro é bem construído. As atuações contribuem poderosamente para o ótimo resultado final da película. O jovem intérprete do filho Do-Joon, o ator Bin Won, realmente convence como uma rapaz com problemas de desenvolvimento mental, em uma atuação muito natural. Além dele, Ku Jin, intérprete do amigo Jim-Tae, também trabalha com competência na construção de uma personalidade dúbia. Contudo, é mesmo Kim Hye-Ja que arrasa em sua performance como a mãe protagonista. Uma atuação perfeita que certamente levaria indicações e prêmios Oscar caso ela tivesse trabalhado em um longa hollywoodiano.

“Mother-A Busca Pela Verdade” tornou-se quase uma unanimidade perante a a crítica internacional e não impunemente. Trata-se de uma obra que demonstra, de fato, porque o cinema coreano é considerado o mais criativo da atualidade, abordando temas complicados de forma inteligente, mas sem tem medo de ser incômodo. Interessante, inclusive, constatar como a produção coreana consegue fugir do politicamente correto e até chocar o público, mas sem nunca deixar de envolvê-lo, em uma mistura de forma e substância à qual é impossível ficar indiferente. E Bong Joon-Ho é, indubitavelmente, um dos grandes representantes dessa escola cinematográfica singular, sendo “Mother” uma ótima forma de começar a conhecê-lo. Não sei se é exatamente uma longa para ser visto no dia das mães, mas que é um baita filme, isso é.


Cotação:



Nota: 9,0
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Um comentário:

Unknown disse...

Pois é, Mother é mesmo um filmaço. Dia desses estive com o DVD na mão e não sei porque não comprei... Dessa leva de filmes sul-coreanos, indico também O Gosto do Dinheiro. Excelente e desafiador. Abração!