quinta-feira, 11 de abril de 2013

Filmes Para Ver Antes de Morrer

À Espera de Um Milagre
(The Green Mile, 1999)


Filme para deixar saudades


Frank Darabont, diretor e roteirista francês radicado há anos nos EUA, é um cineasta que parece ter um enorme talento para adaptar os livros de Stephen King para a tela grande. Em sua estreia na direção com “Um Sonho de Liberdade” (The Shawshank Rendemption, 1994), ele já demonstrava grande competência para contar histórias, aliando sofisticação na direção com uma certa habilidade para tocar o público médio dos cinemas sem parecer piegas, algo especialmente surpreendente vindo de alguém que estava debutando por trás das câmeras. E são essas mesmas aptidões que ele coloca em relevo com “À Espera de Um Milagre”, o seu segundo longa-metragem e segunda adaptação de uma obra de King (lançada em 1996 e originalmente dividida em 6 partes) , um autor muito adaptado, mas nem sempre com a mesma eficiência. Em mãos inábeis, uma trama como a de “The Green Mile” poderia resultar em uma autêntica bomba. Sua originalidade é latente e até mesmo por isso fica difícil encontrar o tom correto para ser abordada. Felizmente, mesmo com alguns percalços, Darabont atingiu o equilíbrio, tendo realizado um filme memorável em vários aspectos.

Convém lembrar, conforme escrevi tempos atrás em resenha sobre “O Nevoeiro” (The Mist, 2008) - outra transposição de Darabont para uma obra de King – que este cineasta aparenta certa predileção por ambientes claustrofóbicos. Tal como no mencionado “Um Sonho de Liberdade”, a narrativa de “À Espera de Um Milagre” se desenvolve quase inteiramente dentro um presídio, sendo aqui mais precisamente no corredor da morte a que os carcereiros atribuem o apelido de “milha verde”, devido ao chão de cerâmicas esverdeadas (daí o título original do longa). É lá que trabalhou Paul Edgecombe (Tom Hanks, no auge da forma), um ex-agente penitenciário que narra em flashback os acontecimentos estranhos e mágicos que sucederam na “milha” no já longínquo ano de 1935. Sua função, ao lado de outros carcereiros, era não apenas a de vigiar os detentos, mas também a de lhes conferir um tratamento diferenciado, mais humano do que o normalmente adotado para os outros presos. Afinal, os reclusos da “milha” estão com os dias contados e é necessário manter a dignidade e sanidade daqueles que irão pagar a mais alta dívida com a sociedade. Nesse contexto, chega mais um condenado, um homem gigantesco chamado John Coffey (Michael Clarke Duncan). Aparentemente assustador, até pelo crime pelo qual foi condenado (o estupro e assassinato de duas meninas), Coffey aos poucos vai se mostrando uma pessoa dócil, de coração puro, solidária e que possui um estranho e mágico poder que espanta a todos que o cercam.



É possível enxergar “The Green Mile” com um libelo contra a pena de morte, esse anacronismo estúpido ainda existente em alguns países. Nos Estados Unidos, mesmo que vários estados já a tenham abolido, a pena capital ainda perdura em alguns mais atrasados. A humanização dos personagens detentos realizada por Darabont se presta exatamente a nos fazer refletir sobre essa atrocidade sempre incensada quando um crime mais bárbaro choca a sociedade. No decorrer da trama, vamos conhecendo cada um dos tipos que estão no corredor da morte e é impossível ficar indiferente ao terror psicológico a que são submetidos os condenados no momento da execução. Neste ponto em particular, o diretor se vale de sequências sem concessões, onde a morte dos executados é mostrada em toda a sua crueza e desumanidade. Observe-se, ademais, que o roteiro se furta a mostrar quais os crimes cometidos por alguns dos presos, fazendo-nos enxergá-los tão somente como seres humanos, evitando que o espectador, assim, ofereça julgamentos. É verdade que, diante de tal manobra de Darabont, seu filme possa ser apontado como manipulador. Entretanto, quando se trata de defender um ponto de vista é natural apresentar os argumentos que lhe dão respaldo, em detrimento dos desfavoráveis, e não existe qualquer problema em um artista abraçar uma causa, ainda mais quando se consegue apresenta-la de maneira tão interessante e inteligente quanto aqui.

O grande trunfo de Darabont é desenvolver sua história sem qualquer pressa, apresentando cada um dos personagens com cuidado. As nuances de cada um deles são tão bem delineadas que às vezes parece que estamos a ler uma obra literária e não assistindo a um filme. E assim, vamos conhecendo o perfil não apenas do protagonista Edgecombe, como também dos outros guardas, dentre os quais se destacam Brutal (David Morse, ótimo), o emotivo Dean Stanton (Berry Pepper, de “O Resgate do Soldado Ryan”) e o mau caráter Percy (Doug Hutchison), além de outros prisioneiros como Eduard “Del” Delacroix (Michael Jeter) e o nefasto “Wild Bill” (Sam Rockwell). Até mesmo um ratinho de habilidades especiais, apelidado de “Mr. Jingles”, ganha destaque e tem participação importante no decorrer da trama. Vale dizer que Daranbont soube extrair o melhor de cada ator e não há um deles que esteja caricato ou apático em suas performances. Por outro lado, falhou ao atribuir características unidimensionais aos “vilões” Percy e Wild Bill, tornando-os tão somente “homens maus” e incorrendo em um maniqueísmo indesejável. Os personagens, contudo, não deixam de ser extremamente marcantes e John Coffey, o imenso presidiário de bom coração de Michael Clarke Duncan, com certeza é um dos tipos mais marcantes da história do cinema. Não por acaso rendeu ao ator uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante e fez com que ele se tornasse, por esse único e marcante papel, um nome lembrado com carinho pelo grande público (tanto que sua morte, com apenas 54 anos, foi noticiada com destaque em todas as mídias). Ademais, Tom Hanks estava ainda em grande fase, entregando mais uma de suas memoráveis atuações.


Com uma edição precisa, a qual faz com que as longas três horas e oito minutos de projeção não sejam percebidas, “À Espera de Um Milagre” é um daqueles filmes que nos deixam saudades quando terminam. A imaginativa trama criada por Stephen King pode ser vista, inclusive, como uma alegoria sobre a vida de Cristo, [SPOILER] dado que John possui os mesmos poderes milagrosos de Jesus e também é condenado e executado injustamente (poderíamos até imaginar que Edgecombe faria o papel de Pilatos na trama) [FIM DE SPOILER]. Destarte, para além de possíveis interpretações e significados ocultos, são seus personagens fortes e cativantes que ficarão na memória do espectador por muito tempo. A série “Filmes Para Ver Antes de Morrer” normalmente é dedicada a películas que atingem um nível de excelência à prova de falhas, o que, como já apontado mais acima, não é bem o caso presente, tendo em vista a presença de certo maniqueísmo e manipulações em favor de um ponto de vista. Entretanto, a força de sua narrativa, a qual torna impossível a indiferença do público, coloca este longa como essencial e digno de figurar entre aqueles a que devemos assistir pelo menos uma vez na vida.


Cotação:



Nota: 9,5
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3 comentários:

renatocinema disse...

Bela análise.

Gosto muito do filme e adorei seu texto ao filme “O Nevoeiro”. Adoro a produção e acho que foi pouco valorizado.

abraços

Alan Raspante disse...

Já passou 1000 de vezes na TV e tudo mais, mas eu ainda não vi... Que coisa! Tenho que ver o quanto antes!

Hugo disse...

Filmaço.

Frank Darabont ainda não tem a fama que merece, sua carreira é ótima.

Abraço