domingo, 17 de julho de 2011

Para Ver Em Um Dia de Chuva




Interlúdio
(Notorious - 1946)


Suspense e romance em harmonia


Entre as mais conhecidas obras de Alfred Hitchcock, esta é uma das últimas a que me faltavam assistir. Não gosto de me valer dos subterfúgio de baixar filmes pela internet, mas a verdade é que cansei de esperar uma edição oficial e decente em DVD no Brasil, estando disponível no mercado nacional apenas as cópias da perigosa (co)Continental, caras e pouco confiáveis (já pensou pagar cerca de 40 reais por um disco e ele travar na metade?). Bem, a verdade é que realizei o download e a acabei assistindo a esta peculiar película do mestre do suspense na chuvosa tarde do último sábado. O termo peculiar cabe de forma ainda mais especial para nós, brasileiros. Isso porque a maior parte de sua trama se passa no Rio de Janeiro e vemos lá algumas cenas interessantes do Rio antigo. Vale frisar que, contudo, o par central da narrativa, formado pelos antológicos astros Cary Grant e Ingrid Bergman, jamais esteve em solo carioca, uma vez que foram usados dublês e imagens projetadas durante as filmagens. De qualquer forma, o detalhe passa quase despercebido diante da bela fotografia em preto e branco e, também, do ótimo resultado alcançado pelo diretor com esse longa.

Esse resultado feliz provavelmente foi obtido devido à quase ausência de interferência do produtor David O. Selznick, um dos poderosos chefões da velha Hollywood – ou talvez o maior deles (ele produziu “...E o Vento Levou”, lembra-se?). Este era o terceiro trabalho que Hitchcock fazia pra ele, depois de “Rebecca, A Mulher Inesquecível” (que lhe rendeu o único Oscar de melhor filme em toda sua carreira) e “Spellbound – Quando Fala o Coração”, este uma experiência com contribuições surrealistas do gênio artístico Salvador Dalí (e também a primeira oportunidade em que trabalhou com Ingrid Bergman). A ingerência de Selznick em “Spellbound” foi tão grande que várias das criações do pintor espanhol foram rejeitadas para conter custos, o que levou Dalí a acreditar que a razão do convite era apenas a sua assinatura nos créditos. A verdade é que em “Interlúdio” Selznick praticamente permitiu que Hitchock produzisse a si mesmo – e muitos afirmam que, se fosse diferente, o projeto teria terminado em um desastre.

O sucesso da empreitada se deu, inclusive, a despeito da premissa inverossímil do roteiro (escrito por Ben Hecht) . Afinal, mesmo levando em consideração a costumeira desinformação do público norte-americano, é difícil imaginar que este não conhecesse seus aliados e inimigos durante a Segunda Guerra Mundial (valendo à pena dizer que a produção é de 1946, logo após o término do conflito, portanto). E a trama parte justamente da ideia de que cientistas alemães viveriam em tranquilidade (?!) no Brasil durante o fim deste evento histórico. Cary Grant interpreta o agente Devlin, um encarregado de monitorar as atividades destes cientistas por estas bandas. No entanto, como forma de facilitar e aprofundar o trabalho, ele procura a bela Alicia Huberman (Ingrid), filha de um norte-americano condenado por traição exatamente devido à sua ligação com o grupo de nazistas que está sendo espionado. No entanto, Devlin, ao mesmo tempo em que usa Alicia para atingir os objetivos do Estado, acaba realmente se apaixonando por ela. As coisas complicam ainda mais quando seus superiores sugerem que Alicia case com o alemão Alexander Sebastian (Claude Rains, o policial Renault de “Casablanca”) e ela passa a viver sobre o fio da navalha na bela mansão deste, principalmente devido à desconfiança e comportamento maquiavélico da sogra. (Leopoldine Konstantin).


Como nenhum outro cineasta, Hitchcock realiza uma perfeita mistura de gêneros, equilibrando romance e suspense em uma trama de espionagem. O filme pode ser visto tanto como um suspense com pitadas românticas ou como um romance com um pano de fundo de espionagem. O olhar de cada espectador é que determinará o teor do longa. Este equilíbrio, ademais, até mesmo por ser observado através das suas duas mais lembradas sequências. Da mesma forma em que há a presença de uma longa cena de beijo entre Devlin e Alicia (que foi considerada a mais longa do cinema até então, tendo inclusive problemas com a censura), também encontramos uma sequência sensacional de suspense que só poderia mesmo ter sido concebida por Hitchcock. Afinal, só ele mesmo para conseguir tensão através de coisas banais como a busca de garrafas de vinho e champanhe em uma adega. Acredito que esta simbiose de gêneros só voltaria a ser tão bem executada pelo mestre nas obras-primas “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954) e “Um Corpo Que Cai” (Vertigo, 1958). Por outro lado, o diretor nos faz nutrir sentimentos oscilantes pelos personagens, já que Sebastian nos é mostrado não como um típico “vilão”, mas como, antes de tudo, um homem apaixonado por Alicia. A sequência final na escadaria, frise-se, se coloca como a perfeita síntese dessa ambiguidade.

Contando com atuações inspiradas – principalmente de Bergman (linda como de costume) e do sempre excelente Rains (que acabou sendo indicado ao prêmio de coadjuvante da Academia de Hollywood) – alguns podem se queixar que “Notorious” possui uma conclusão exageradamente aberta, o que acaba por frustrar uma parcela do público mais acostumada com desfechos mastigados. Entretanto, creio que este final que estimula a mente do espectador talvez seja até um mérito da película, deixando entrever o que acontecerá com cada um dos personagens. Ressalte-se, ainda, que este é um recurso característico das obras do velho Hitch - o final de “Os Pássaros” (The Birds, 1963) é exemplo clássico desse aspecto. Mesmo que não seja um filme perfeito como o citado “Janela Indiscreta”, não se pode negar que “Interlúdio”, a despeito dos mencionados aspectos pouco verossímeis, se constitui em um ótimo exemplar da filmografia do mestre e, repito, é bom ver cenas de um Rio de Janeiro ainda distante do clima um tanto caótico de hoje. Valeu à pena fazer o download!

Curiosidade: Hitchock não sabia que o urânio, elemento químico presente no desenrolar da narrativa, era utilizado para a confecção da bomba atômica. A presença de tal elemento na trama fez com que o diretor fosse investigado durante anos pelo FBI...


Cotação:

Nota: 9,0
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3 comentários:

renatocinema disse...

Preciso corrigir meu erro também.......esse é um dos únicos trabalhos do gênio que ainda não assisti.

Vou conseguir cópia URGENTE.

Cristiano Contreiras disse...

Eu vi esse filme, em 1999, acho. Achei uma edição em VHS, muito deteriorada, por sinal. Mas, consegui ver o filme e gostei muito. Mas, lendo teu ótimo texto que detalha bem os sensos desse clássico, preciso dar uma revisada, urgente! Interessante que não me recordava da sequência do beijo, mas agora lembrei quando você descreveu, foi mais "demorada" mesmo...diferente para os padrões daquela época, né? Legal.

Eu não fico tímido em dizer que baixo, constantemente, diversos filmes. Não tenho como comprar toneladas de dvds por mês, além de que muitos são difíceis de encontrar e tal, então eu baixo filmes para ver no conforto do meu lar, não vejo problema, não estou comercializando mesmo. É normal, é bom termos o acesso, em pensar que 10 anos atrás era difícil achar tantos filmes por aí...

Viva os downloads! Rs!

Belo texto, reafirmo!

Abraço, apareça!

Fábio Henrique Carmo disse...

Cristiano, com relação à questão de baixar os filmes, acredito que a palavra "constrangimento" em falar não seja bem adequada para o meu caso. Eu não gosto de baixar filmes porque se, antes de tudo, sou um apaixonado pelo cinema devo buscar ao máximo retribuir de alguma forma aos responsáveis pela sua produção. O que será da indústria do cinema caso passemos apenas a baixar os filmes, abandonando as salas de exibição e deixando de comprar os videos? De qualquer forma, não posso negar que os downloads possibilitam um acesso inimaginável há alguns anos e já me vali deste recurso para encontrar filmes difíceis. Bem, de qualquer forma, acho que isso dá margem para um bom debate... Abraço!