Suspiria
(Suspiria, 1977)
Sofisticado filme B
Muitos afirmam que o cineasta italiano Dario Argento está para os filmes de terror na mesma dimensão que Segio Leone está para o gênero western. Se este ressuscitou o mais conhecido gênero tipicamente hollywoodiano do ostracismo, chegando a alcançar patamares verdadeiramente artísticos, Dario Argento quase promoveu o mesmo com o terror. Digo “quase” porque acredito que a obra de Argento sempre esteve a um passo de descambar para o trash, mantendo-se em uma corda bamba entre o gosto apurado e o duvidoso. “Suspiria”, seu filme lançado em 1977 (e certamente o longa mais lembrado de sua carreira), talvez seja o exemplo mais claro desta afirmação.
A comparação com Leone não é gratuita ou meramente ilustrativa. Argento trabalhou como co-roteirista na obra-prima “Era Uma Vez No Oeste”, seguramente um dos melhores filmes da história do cinema e parece que aproveitou muito as verdadeiras aulas que o mestre Leone deve ter ministrado nos sets de filmagem. Como se sabe, este último foi o responsável por levar os paradigmas do western ao seu limite, procurando sintetizar em suas projeções tudo aquilo que o gênero poderia oferecer. Seus filmes são obras barrocas, onde se verifica um cuidado extremo com cada tomada e a trilha sonora tem um papel fundamental. O requinte traz um resultado até mesmo operístico. E parece que foi inspirado no método primoroso de Leone que Argento passou a conceber os seus filme de horror.
Destarte, Argento não é um mero imitador do estilo de Leone. Vale frisar, inclusive, que outro mentor fundamental em sua carreira foi Mario Bava, o grande mestre do horror italiano, responsável por inovações estilísticas que iriam influenciar gerações, como o seu travelling constante, recurso utilizado até hoje por nomes como Martin Scorsese. Ademais, é importante recordar que Argento foi (e ainda é) um dos expoentes do giallo, termo este usado para designar o gênero dos thrillers policiais italianos, com origens em meados dos anos 60 e obtendo grande sucesso popular nos 70. O giallo, com suas tramas geralmente centradas em assassinos seriais e estética crua, acabou influenciando o nascimento de um novo tipo de terror que predominaria no cinema americano durante os anos 80, os chamados slasher movies (a série “Sexta-feira 13” é referência bastante conhecida deste gênero). Assim, o terror na obra de Argento surge como o fruto de uma mistura de estilos, reunindo o apuro técnico e imagético a uma estética de gosto, por vezes, duvidoso, advinda do giallo.
Ao acompanharmos o desenrolar da narrativa de “Suspiria” podemos perceber em diversos momentos a presença de ditos elementos. O filme leva a extremos a iconografia do horror. Desde os seus créditos, já sublinhados pela sinistra trilha sonora composta pelo grupo de rock progressivo Goblin, o longa se mostra macabro. Parece não haver qualquer cena durante a exibição que não tenha sido pensada para trazer um calafrio ao espectador. A primeira sequência, mostrando a protagonista Susie Bannyon (Jessica Harper) chegando ao aeroporto de uma cidade alemã, se passa debaixo de uma tempestade com raios e trovões, denotando uma atmosfera tenebrosa que só irá crescer ao longo da narrativa. Susie está na Alemanha para estudar balé em uma conceituada escola de dança quando um série de assassinatos surreais começa a acontecer envolvendo integrantes da academia. Aparentemente cometidos por um serial killer, logo se percebe que as coisas não são bem assim. A tal escola na realidade é um antro de bruxas e fatos sobrenaturais começam a pipocar no enredo. Com essa trama simples e direta, sobra espaço para que Argento empregue seu virtuosismo técnico em cenas de grande impacto para a plateia. O primeiro dos assassinatos é um horror em todos os aspectos. E é exatamente do seu exagero gráfico que surge a impressão de que estamos diante de uma obra na corda bamba entre o requinte e o mau gosto. Haja estômago para acompanhar tanta sangria e temperos de crueldade. Mas não se pode negar que o conjunto soa original e, em várias passagens, perturbador.
E perturbador não apenas pela violência atordoante que pontua o longa-metragem em diversas sequências. Argento sabe explorar o poder imagético do horror até mesmo na utilização das cores, sempre fortes e vívidas durante toda a projeção. Poucas vezes o vermelho foi tão bem explorado para causar medo, assim como o verde, entre outras cores bastante vivas. E aqui se sente especialmente a citada influência de Mario Bava, um pioneiro na utilização do technicolor como forma de potencializar climas macabros. Ademais, Argento sabe se valer de referências a obras predecessoras, em um método que provavelmente influenciou Quentin Tarantino. É possível distinguir homenagens a filmes como “O Bebê de Rosemary” (de Roman Polansky) ou “Carrie, A Estranha” (de Brian De Palma). Além disso, a referida trilha composta pela banda Goblin cria uma textura sonora ímpar, minimalista e impressionante em igual medida (assim como as trilhas de Ennio Morricone tornavam as obras de Sergio Leone ainda mais belas e vívidas).
Embora tropece no roteiro em alguns pontos, como personagens que entram e somem sem maiores razões narrativas - talvez devido à grande preocupação do diretor com o lado virtuoso e imagético da produção - “Suspiria” não deixa de ser uma experiência realmente diferenciada, mesmo para a parcela do público acostumada com filmes de terror. Inegavelmente, tornou-se uma referência neste gênero, influenciando fortemente diretores como John Carpenter, o qual chegou a declarar que “assistir Suspiria é como estar preso em um pesadelo”. Enfim, um sofisticado filme B. Uma película para nervos fortes, mas necessária.
Cotação:
Nota: 9,0
(Suspiria, 1977)
Sofisticado filme B
Muitos afirmam que o cineasta italiano Dario Argento está para os filmes de terror na mesma dimensão que Segio Leone está para o gênero western. Se este ressuscitou o mais conhecido gênero tipicamente hollywoodiano do ostracismo, chegando a alcançar patamares verdadeiramente artísticos, Dario Argento quase promoveu o mesmo com o terror. Digo “quase” porque acredito que a obra de Argento sempre esteve a um passo de descambar para o trash, mantendo-se em uma corda bamba entre o gosto apurado e o duvidoso. “Suspiria”, seu filme lançado em 1977 (e certamente o longa mais lembrado de sua carreira), talvez seja o exemplo mais claro desta afirmação.
A comparação com Leone não é gratuita ou meramente ilustrativa. Argento trabalhou como co-roteirista na obra-prima “Era Uma Vez No Oeste”, seguramente um dos melhores filmes da história do cinema e parece que aproveitou muito as verdadeiras aulas que o mestre Leone deve ter ministrado nos sets de filmagem. Como se sabe, este último foi o responsável por levar os paradigmas do western ao seu limite, procurando sintetizar em suas projeções tudo aquilo que o gênero poderia oferecer. Seus filmes são obras barrocas, onde se verifica um cuidado extremo com cada tomada e a trilha sonora tem um papel fundamental. O requinte traz um resultado até mesmo operístico. E parece que foi inspirado no método primoroso de Leone que Argento passou a conceber os seus filme de horror.
Destarte, Argento não é um mero imitador do estilo de Leone. Vale frisar, inclusive, que outro mentor fundamental em sua carreira foi Mario Bava, o grande mestre do horror italiano, responsável por inovações estilísticas que iriam influenciar gerações, como o seu travelling constante, recurso utilizado até hoje por nomes como Martin Scorsese. Ademais, é importante recordar que Argento foi (e ainda é) um dos expoentes do giallo, termo este usado para designar o gênero dos thrillers policiais italianos, com origens em meados dos anos 60 e obtendo grande sucesso popular nos 70. O giallo, com suas tramas geralmente centradas em assassinos seriais e estética crua, acabou influenciando o nascimento de um novo tipo de terror que predominaria no cinema americano durante os anos 80, os chamados slasher movies (a série “Sexta-feira 13” é referência bastante conhecida deste gênero). Assim, o terror na obra de Argento surge como o fruto de uma mistura de estilos, reunindo o apuro técnico e imagético a uma estética de gosto, por vezes, duvidoso, advinda do giallo.
Ao acompanharmos o desenrolar da narrativa de “Suspiria” podemos perceber em diversos momentos a presença de ditos elementos. O filme leva a extremos a iconografia do horror. Desde os seus créditos, já sublinhados pela sinistra trilha sonora composta pelo grupo de rock progressivo Goblin, o longa se mostra macabro. Parece não haver qualquer cena durante a exibição que não tenha sido pensada para trazer um calafrio ao espectador. A primeira sequência, mostrando a protagonista Susie Bannyon (Jessica Harper) chegando ao aeroporto de uma cidade alemã, se passa debaixo de uma tempestade com raios e trovões, denotando uma atmosfera tenebrosa que só irá crescer ao longo da narrativa. Susie está na Alemanha para estudar balé em uma conceituada escola de dança quando um série de assassinatos surreais começa a acontecer envolvendo integrantes da academia. Aparentemente cometidos por um serial killer, logo se percebe que as coisas não são bem assim. A tal escola na realidade é um antro de bruxas e fatos sobrenaturais começam a pipocar no enredo. Com essa trama simples e direta, sobra espaço para que Argento empregue seu virtuosismo técnico em cenas de grande impacto para a plateia. O primeiro dos assassinatos é um horror em todos os aspectos. E é exatamente do seu exagero gráfico que surge a impressão de que estamos diante de uma obra na corda bamba entre o requinte e o mau gosto. Haja estômago para acompanhar tanta sangria e temperos de crueldade. Mas não se pode negar que o conjunto soa original e, em várias passagens, perturbador.
E perturbador não apenas pela violência atordoante que pontua o longa-metragem em diversas sequências. Argento sabe explorar o poder imagético do horror até mesmo na utilização das cores, sempre fortes e vívidas durante toda a projeção. Poucas vezes o vermelho foi tão bem explorado para causar medo, assim como o verde, entre outras cores bastante vivas. E aqui se sente especialmente a citada influência de Mario Bava, um pioneiro na utilização do technicolor como forma de potencializar climas macabros. Ademais, Argento sabe se valer de referências a obras predecessoras, em um método que provavelmente influenciou Quentin Tarantino. É possível distinguir homenagens a filmes como “O Bebê de Rosemary” (de Roman Polansky) ou “Carrie, A Estranha” (de Brian De Palma). Além disso, a referida trilha composta pela banda Goblin cria uma textura sonora ímpar, minimalista e impressionante em igual medida (assim como as trilhas de Ennio Morricone tornavam as obras de Sergio Leone ainda mais belas e vívidas).
Embora tropece no roteiro em alguns pontos, como personagens que entram e somem sem maiores razões narrativas - talvez devido à grande preocupação do diretor com o lado virtuoso e imagético da produção - “Suspiria” não deixa de ser uma experiência realmente diferenciada, mesmo para a parcela do público acostumada com filmes de terror. Inegavelmente, tornou-se uma referência neste gênero, influenciando fortemente diretores como John Carpenter, o qual chegou a declarar que “assistir Suspiria é como estar preso em um pesadelo”. Enfim, um sofisticado filme B. Uma película para nervos fortes, mas necessária.
Cotação:
Nota: 9,0
4 comentários:
baixei o filme ontem.
Verei até semana que vem e volto aqui para dar minha opinião......curioso pacas sobre o filme.
Mas, não quero ler sua visão sobre o filme antes de assistir. As vezes, não ter muito conhecimento pode ajudar.
Dario Argento é um diretor que tenho que "descobrir". Não vi nenhuma de suas obras, nem mesmo "Suspiria". Fiquei muito curioso para conferir após ler o seu texto :)
Status: estudando sobre Dario Argento.
Muito bom texto.
Abração.
Quero muiot ver este filme.!
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