quarta-feira, 6 de julho de 2011

O cinema e a reciclagem de ideias - Parte I



Na atual crise de criatividade que assola a indústria do cinema, mormente a hollywoodiana, estão cada vez mais comuns as reciclagens de ideias, aproveitadas por meios distintos de abordar um universo ficcional. Neste sentido, surgiram termos como “remake”, “reboot”, “prequel”, entre outros, para designar os longas-metragens que promovem tal reaproveitamento de material criativo. Contudo, percebe-se que muitas vezes ocorre confusão por parte tanto da mídia quanto dos espectadores acerca do conceito de cada uma destas maneiras de reutilização de uma trama ou conjunto de personagens já pré-estabelecidos em produções ulteriores. É comum que seja empregado o termo “reboot” quando, em verdade, se trata de um “prequel”, por exemplo. A mais comum destas fórmulas, vale dizer, é o remake, mas, frise-se, ele é tão somente um dos meios de se explorar um universo ficcional já pré-estabelecido. Outros caminhos de abordagem também são muito usados, principalmente nesses tempos de escassez de ideias. É possível utilizar-se de um mesmo conjunto de personagens para desenvolver uma nova trama em um longa-metragem posterior, ou simplesmente continuar a narrativa desenvolvida no filme original, oferecendo um desenvolvimento maior dos acontecimentos e personagens ou mesmo esclarecendo pontos que permaneceram obscuros anteriormente. Existe ainda a possibilidade de recriar o universo estabelecido em longas anteriores, reiniciando a saga dos personagens, desconsiderando o que foi feito previamente. Ou, ainda, retomar o universo de um primeiro longa-metragem mostrando fatos que, cronologicamente, antecedem aqueles exibidos na película original. Para cada uma destas possibilidades existe uma designação específica e é importante, para aquela que pretende conhecer um pouco mais da sétima arte, conseguir diferenciá-las. Mas vale uma ressalva: se, na maioria dos casos, tais filmes representam uma carência de ideias novas no meio cinematográfico, em outras eles podem significar uma necessidade artística, trazendo-nos obras relevantes e mesmo artisticamente superiores, como tentaremos explanar a seguir. Passemos então a uma análise mais atenta e em tópicos das diversas vertentes de aproveitamento de um mesmo universo ficcional. Pra tornar a leitura menos cansativa, o Cinema Com Pimenta opta por dividi-la em duas partes. Na primeira, falaremos sobre o remake e a sequência. Na seguinte, abordaremos o prequel, o reboot e mais o midquel e o interquel. Vamos a eles.

Remake (ou refilmagem) – A mais comum das formas de reciclagem de ideias no cinema. Seu conceito é de fácil apreensão, já que consiste em tomar o mesmo material de um filme original e vertê-lo novamente para a tela, com a mesma trama e os mesmos personagens (1). Ultimamente, o remake vem sendo rotineiramente utilizado para verter longas estrangeiros para o mercado norte-americano, dada a aversão dos estadunidenses à leitura de legendas, além de tornar o material original mais palatável ao sabor de um público moldado para as facilidades do cinema comercial. Um exemplo bastante conhecido é o de “O Chamado” (The Ring, 2002), de Gore Verbinski, refilmagem do japonês “Ringu” (1998), cujo sucesso acabou gerando uma onda de remakes de filmes nipônicos de horror. Embora normalmente a confecção de uma refilmagem seja resultado de necessidades comerciais, é possível que ela ocorra também por motivações artísticas, como no recente “Bravura Indômita” (True Grit, 2010) realizado pelos irmãos Joel e Ethan Coen, uma nova versão para o filme homônimo protagonizado em 1969 pelo ícone John Wayne (muito embora os Coen recusem o rótulo de “remake”, alegando que realizaram uma nova adaptação do livro de Charles Portis e não uma releitura do filme de Henry Hathaway). A nova roupagem imprimida pelos irmãos diretores acabou, inclusive, agradando ao público mais jovem, resultando em um grande sucesso de bilheteria.


John Wayne e Jeff Bridges no papel de Rooster Gogburn nas duas versões de "Bravura Indômita"

É bom destacar que esta “atualização” para uma nova geração de espectadores também caracteriza uma das motivações recorrentes dos remakes. Outro caso bastante conhecido de refilmagem é a de “O Homem Que Sabia Demais” (The Man Who Knew Too Much, 1956), de Alfred Hitchcock, que soube aliar interesses comerciais e artísticos na sua direção, já que ele nunca havia ficado plenamente satisfeito com a versão inglesa da obra (de 1934). A nova cria resultou mais exuberante e imageticamente poderosa, com algumas da melhores sequências da carreira do genial diretor, como a conclusão repleta de suspense no Albert Hall londrino. É bom, ademais, relembrar projetos de releituras totalmente dispensáveis, tanto do ponto de vista comercial quanto artístico, como no emblemático exemplo do “Psicose” (Psycho, 1998) do diretor norte-americano Gus Van Sant, uma refilmagem quadro a quadro do clássico absoluto de Hitchcock (lançado em 1960), o qual jamais perdeu sua força, carecendo de qualquer atualização para um público mais jovem. Destaque-se, por último, que o remake é um recurso usado não apenas no mundo do cinema. A televisão também costuma realizar remakes de séries e novelas constantemente. Afinal, todos os veículos procuram um porto seguro quando as ideias escasseiam.

Sequência (ou sequel) – Praticamente tão comum quanto o remake, a sequência consiste em retomar um universo definido em um longa-metragem anterior, continuando e desenvolvendo sua trama normalmente do ponto onde foi interrompida. Portanto, não se trata de mostrar mais uma vez a mesma estória, como acontece na refilmagem, mas de desenvolver uma nova narrativa com o mesmo conjunto de personagens e tendo por base os fatos já ocorridos no filme predecessor. Normalmente produzidas por questões mercadológicas, são muito frequentes as sequências de grandes campeões de bilheteria, os denominados blockbusters, já que estas superproduções costumam arrebanhar uma horda de fãs que acabam por tornar seguro o investimento em uma continuação, com um retorno quase garantido. O exemplar mais emblemático de uma sequência encontra-se em “O Império Contra-Ataca” (The Empire Strikes Back, 1980), segundo episódio a ser lançado da famosa saga “Star Wars”, concebida por George Lucas. A trilogia original de “Guerra nas Estrelas”, inclusive, pode ser apontada como a matriz de toda a invasão de sequels que encontramos hoje nas salas de exibição. Com seu enorme sucesso, tornou-se o exemplo a ser seguido, nem tanto pelos cineastas, mas principalmente pelos executivos, que veem lucros fabulosos surgirem a partir de licenciamentos para uma variação de produtos que vão desde bonecos a toalhas de banho (e não apenas das bilheterias). Ou seja, as sequências tornaram-se a fonte maior de recursos para a manutenção do sistema de produção vigente em Hollywood, alicerçado em altos custos. Muitos filmes, vale ressaltar, já são concebidos para gerar sequels, apresentando conclusões em aberto ou pontos mal explicados que possibilitem o desenvolvimento de um segundo episódio. Em outras oportunidades, já são pensadas como obras divididas em capítulos, como no caso da própria franquia “Star Wars”, escrita por George Lucas em seis partes (e tendo levado às telas primeiramente o capítulo IV) ou a adaptação para o cinema da obra literária “O Senhor dos Anéis” (TheLord Of The Rings), cujas três partes foram filmadas de uma só vez pelo diretor Peter Jackson.



Entretanto, nem só de mercado vivem as sequências. É salutar recordar que um dos pioneiros neste recurso fílmico – antes mesmo da referida série de George Lucas - foi a trilogia “O Poderoso Chefão”, que foi desenvolvida por Francis Ford Coppola muito mais por motivações artísticas que financeiras. Claro que a Paramount viu na oportunidade uma chance de aumentar seus ganhos, tendo em vista o grande sucesso da obra-prima que deu origem à trilogia. Contudo, é importante observar que, para uma parcela da crítica, “O Poderoso Chefão 2” até mesmo supera seu predecessor enquanto obra de arte, demonstrando a substância de um projeto magnífico. Um bom exemplo, ademais, de que nem sempre está com a razão o senso comum, que nos leva a considerar sequências como inferiores ao longa original. Neste sentindo, no Brasil podemos destacar o recente “Tropa de Elite 2” (2010), de José Padilha, uma brilhante continuação para o seu já ótimo primogênito.

Bem, se teve paciência de chegar até aqui, o Cinema Com Pimenta publicará a segunda parte destas observações em breve. Até lá!
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(1) É possível que ocorra a inserção de algum personagem diferente ou exclusão de outro que consta no original, sem que tal expediente descaracterize a natureza de remake.

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6 comentários:

renatocinema disse...

Texto perfeito.

Sou contra tanta sequência, contra tanta refilmagem.

Acredito que as sequências, precisam ter argumentos fortes. O que sempre foi raro no cinema.

No caso de refilmagem....entendo que quando a versão da uma nova roupagem ao filme, estilo Tim Burton, ainda pode sair algo bacana.

Mas, seguir o modelo por falta de criatividade realmente não dá certo.


Parabéns.

Fábio Henrique Carmo disse...

Renato, antes de tudo obrigado pelos elogios!

Confesso que estou ficando realmente cansado de sequências e remakes. Mesmo que eu acabe me divertindo (como aconteceu em Piratas do Caribe 4), eu estou ansioso para que os ares do cinema se renovem. Nada mais lamentável do que esse "Carros 2", que vem manchando a aura da Pixar.

Mas há remakes que, realmente, trazem algo de novo, como foi o caso de "Bravura Indômita" que citei no texto. Abraço!

Sandra disse...

Olá, Fábio!!!

Muito interessante e bem escrito esse seu texto... Você está de parabéns!!!
Gosto do universo do cinema, mas alguns destes termos desconheço, foi bem didático.
Espero ansiosa pela 2ª parte do texto.
Um grande beijo e abraço apertado,
de sua noivinha
Sandra

Fábio Henrique Carmo disse...

Olá, minha noivinha!

Obrigado pelos elogios :=) A segunda parte sairá em breve (você vai saber antes de todo mundo hehehhee). Um beijo gostoso e um abraço mais ainda! Te amo!

Ah, e apareça mais aqui, minha Linda!

Alan Raspante disse...

Ah, muito bacana o texto... Basta explicativo. Eu no caso, sou meio contra à remakes. Só acredito que um remake possa ser bom quando consegue superar o seu original, mas como isso é muito difícil...

Bem, vou ler a segunda parte agora!

Fábio Henrique Carmo disse...

Alan, acredito que um remake é válido quando consegue trazer uma nova visão artística, mesmo que talvez não consiga superar o original. Mas mesmo assim é difícil acontecer, é verdade!