quinta-feira, 23 de junho de 2011

Meia-Noite em Paris



A Rosa Púrpura do Cairo + Manhattan = Um belo filme


Se você já assistiu a “A Rosa Púrpura do Cairo”, longa-metragem de Woody Allen realizado em 1985, provavelmente também irá apreciar este seu novo trabalho, “Meia-Noite Em Paris”, cuja premiére mundial aconteceu no último Festival de Cannes. Tanto um como outro utilizam-se de componentes imaginários, surreais, para compor sua narrativa. Em ambos, o velho Allen enfrenta a necessidade que frequentemente sentimos de fugir da realidade em que vivemos, comumente dura demais e insatisfatória. Se no filme protagonizado por Mia Farrow sua personagem mergulha na fantasia do cinema para esquecer a realidade, neste “Meia-Noite Em Paris”, o Gil de Owen Wilson deseja viver em um tempo que não é o seu. E consegue.

Gil Pender é um romancista frustrado. Seu grande sonho é a literatura, da qual ele abriu mão para escrever roteiros para o cinema, já que é mais fácil ganhar dinheiro trabalhando para Hollywood do que vendendo livros. Ele está de férias em Paris acompanhado de sua noiva Inez (Rachell McAdams) e da família desta, vivenciando dias na cidade que sempre habitou o seu imaginário e para a qual planeja se mudar para que tenha uma maior inspiração para o seu livro em andamento. Gil considera os anos 20 da capital francesa como a melhor época e lugar para se viver que já existiram, o tempo em que seus ídolos literários e artísticos estavam em plena atividade. Em uma noite, Gil resolve voltar a pé para o hotel, e sozinho, já que sua noiva não compartilha de sua ideias românticas de caminhadas ao ar livre pela Cidade Luz. No caminho, surge um antigo táxi cujos passageiros o convidam para um passeio e, de repente, Gil se vê na era dos seus sonhos. Lá ele encontra nomes como Ernest Hemingway (Corey Stoll), F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), o cineasta Luis Buñuel, Pablo Picasso e Salvador Dalí (Adrien Brody), entre outros, além de um novo interesse romântico na figura de Adriana, personagem da sempre encantadora Marion Cotillard.

Logicamente, como em todo filme de Allen, há muito dele mesmo nos sentimentos e pensamentos representados na tela. Como se sabe, Allen é um leitor voraz e, provavelmente, sempre nutriu o desejo de seguir uma carreira literária mais prolífica e profunda. Fica nítido que ele acabou se rendendo aos roteiros cinematográficos por terem um resultado financeiro maior e mais imediato. Ademais, o diretor não é apenas um comediante, mas também um grande investigador de nossas fraquezas e limitações humanas. Aqui ele analisa nossa eterna insatisfação com a realidade que vivemos, normalmente cruel demais, o que nos faz romantizar e deseja viver em outras eras (eu mesmo tenho uma certa fascinação pelos anos 60). No fundo, uma forma de escapismo disfarçada, um engano que muitas vezes não conseguimos enxergar. Assim também como é a relação de Gil com sua noiva Inez. Talvez levado pela sua beleza e sensualidade, Gil não consegue perceber que ela, uma mulher superficial, não é a pessoa adequada para dividir sua vida. E quantas vezes nós mesmos já não estivemos mergulhados nesses enganos? De uma forma ou de outra, parece que estamos sempre querendo esquecer ou não enxergar a realidade em que estamos, iludidos por uma falsa sensação de felicidade.


Temas tão complexos, porém, são abordados com a leveza habitual dos longas com a assinatura de Woody Allen. Várias são as passagens divertidas, com aquele humor inteligente típico do autor, todas com supedâneo em um ótimo elenco. Apesar de emular a persona cênica de Allen, nunca havia assistido a uma atuação tão boa de Owen Wilson. Acredito até que Allen deveria repetir a experiência e convidá-lo a representar seu alter-ego em outras oportunidades. Rachell McAdams, todavia, apesar de bela e especialmente sensual, tem um personagem ingrato que acaba por nos gerar uma certa antipatia, o que, em verdade, talvez seja um sintoma de sua boa atuação. Já Marion Cottilard está ótima como de costume, ficando fácil entender o imediato interesse de Gil por ela. Além desses, destacam-se o mencionado Brody, impagável como Salvador Dalí, Corey Stoll como Hemingway e Khaty Bates como a escritora Gertrude Stein, a qual acaba avaliando o inacabado romance de Gil (há ainda uma participação da primeira-dama da França, Carla Bruni). O aspecto leve do roteiro ainda é complementado pelas tiradas que mostram o protagonista influenciando na criação de futuras obras dos artistas inseridos na trama. Contudo, tais recursos não deixam de trazer um certo hermetismo ao loga, já que o espectador precisará de uma base cultural bastante razoável para compreender plenamente as nuances do roteiro.

Por outro lado, se “Midnight In Paris” traz várias lembranças de “A Rosa Púrpura do Cairo”, também não se pode negar que “Manhattan”, outro clássico absoluto do velho Woody, também parece deixar suas marcas aqui. Sua introdução, mostrando o dia-a-dia de Paris e dos parisienses lembra muito o princípio do já clássico filme de 1979. Mas não só isso. Ambos os longas promovem uma ótima viagem introspectiva, em busca das repostas para o eterno vazio presente nos seres humanos. Na maioria dos filmes de Woody, ele nos oferece uma conclusão otimista. Neste, assim como em “Manhattan” essa linha é seguida e no desfecho saímos com a alma suave da sala de projeção. As obras deste gênio nos mostram que a vida pode ser bem menos complicada do que parece, basta usar a inteligência e ouvir o coração.


Cotação:

Nota: 9,0
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6 comentários:

Rafael W. disse...

Dizem que é o melhor do Allen em muito tempo. Espero que seja!

http://cinelupinha.blogspot.com/

Fábio Henrique Carmo disse...

Rafael, não afirmo que seja o melhor em muito tempo. Em verdade, gostei até um pouco mais de "Vicky Cristina Barcelona" e outro muito bom é "Tudo Pode Dar Certo". Acho que Allen está numa boa fase.

Alan Raspante disse...

Estou louco pra ver. Mas, e a estreia na minha cidade que não acontece?

Estou na espera...

Fábio Henrique Carmo disse...

Pois é, Alan. Infelizmente, a distribuição de filmes no circuito é um problema para qualquer cinéfilo que não more em Rio ou São Paulo. Como postei no blog, fiquei muito surpreso do filme aparecer aqui em Natal. Raridade um filme como esse passar por aqui logo na estreia nacional.

Cristiano Contreiras disse...

Ainda, infelizmente, nem pude conferir, mas vou assim que puder, Fábio. Os elogios, a maneira como todos os cinéfilos e, principalmente, os blogueiros têm se encantado por esse novo filme de Woody Allen só comprova o quão necessário e encantador deva ser mesmo. E, quem diria, Owen Wilson surpreendendo a todos, hein? Há pessoas que já esperam uma indicação ao Oscar dele, será? Veremos.

E, ah, eu acho "Tudo pode dar certo" um dos mais fracos do Allen. Já "Vicky Cristina Barcelona" é delicioso, amo de paixão!

Abraço.

Você anda sumido, até!

Fábio Henrique Carmo disse...

Cristiano, acho muito cedo para afirmar qualquer coisa sobre o Oscar, até porque a Academia tem memória curta e costuma indicar os trabalhos lançados mais para o fim do ano. Mas, se for por mérito, Wilson é com certeza um nome a ser cogitado.

Vicky Critina Barcelona é um dos melhores filmes Allen, não tenho dúvidas! Abraço!