Akira
(Akira)
Adolescência apocalíptica
Já havia algum tempo, o DVD de “Akira”, a obra máxima do japonês Katsuhiro Otomo, se encontrava na minha estante de filmes, em meio às dezenas de outros longas-metragens aos quais eu ainda não havia assistido, e isso apesar da minha grande curiosidade em vê-lo. Pois bem, eis que finalmente decidi apreciá-lo e, atendendo às minhas expectativas, o filme, em boa parte, não decepciona, se mostrando surpreendentemente atual em várias de suas facetas e, mesmo nos aspectos técnicos da animação, ainda dotado de muita beleza.
Antes de tudo, “Akira” procura traduzir em imagens o turbilhão de emoções à flor da pele que é a adolescência. Seus protagonistas, Kaneda e Tetsuo, integrantes de uma gangue de motociclistas, são espelho tanto da inconsequência, quanto da revolta e sentimento de inadequação que caracterizam esta fase da vida. Tetsuo, o garoto que é alvo de uma experiência que potencializa os poderes de sua mente, é a síntese destes conflitos, ainda mais agravados pelo fato do mesmo ser uma vítima de bullyng e sempre precisar da ajuda se seu amigo Kaneda, uma espécie de irmão mais velho, para escapar das enrascadas em que se envolve. Imaginar um adolescente ressentido com poderes telepáticos quase infinitos, capazes de promover a destruição de tudo que se encontrar no caminho é algo assustador e nos lembra até mesmo de fatos recentes, como o do atirador da escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, ou dos estudantes que abriram fogo no Instituto Columbine, nos EUA, há alguns anos. Por outro lado, essa abordagem não deixa de refletir o temor que a sociedade japonesa tem de seus jovens. Extremamente conservadores e tradicionalistas, é difícil para os japoneses aceitarem qualquer forma de iconoclastia e isso se traduz no receio com relação às gerações mais novas, o que redunda em uma repressão que conduz vários desses jovens ao suicídio.
Os japoneses, ademais, costumam expressar seus medos coletivos de forma bastante explícita em seus meios artísticos. O cinema, ao longo de décadas, tem servido de divã para esses temores, como bem demonstra o excepcional “Sonhos”, do mestre Akira Kurosawa, onde o horror nuclear aparece em mais de um dos sonhos (contos) que constituem as diversas narrativas do filme. Otomo, não fugindo à regra, também manifesta esses medos de maneira acentuada nesta obra, que foi primeiramente um manga de sucesso escrito pelo próprio diretor. Afinal, a trama de Akira, é importante explicar, insere-se em um contexto pós-apocalíptico, quando a terceira guerra mundial já haveria ocorrido, com a antiga cidade de Tóquio varrida do mapa. Em seu lugar, foi construída Neo-Tóquio, uma metrópole sombria e turbulenta dominada por jovens delinquentes e grupos políticos anarquistas. Neste contexto, os militares se impõem como força da ordem e adquirem poderes quase ilimitados, seqüestrando pessoas para servirem de cobaias no projeto Akira (daí o título do filme). O nome do projeto se refere a um garoto especialmente poderoso que, com seus talentos fora de controle, teria sido o responsável pela destruição da antiga Tóquio. É de tais experiências que Tetsuo é cobaia, como já mencionado no início deste texto, logo após esbarrar, durante uma das brigas de gangues, em uma das crianças especiais que havia escapado das instalações militares. Kaneda, então, se empenha em sua busca, tendo de contar, para tanto, com a ajuda dos grupos paramilitares anarquistas.
Toda essa apoteose de paranoias nipônicas tem uma ambientação cyberpunk que remete a longas de ficção-científica anteriores, como o inevitável “Blade Runner”. Mas seria leviano afirmar que Otomo se limita a realizar um pastiche de obras predecessoras. Seu universo possui uma inegável originalidade que influenciou vários outros autores, até mesmo em suas características imagéticas (em determinadas sequências, “Ronin”, uma das grandes HQs de Frank Miller, me veio à mente, percebendo assim a influência de “Akira” em obras ocidentais). Entretanto, e aqui vai uma ressalva, tal universo em diversos momentos se apresenta muito hermético para os não iniciados nos mangas e animes japoneses. Sua conclusão, bastante abstrata e que, por vezes, parece sugerir que o espectador conheça previamente a obra em quadrinhos, é um exemplo claro desta afirmação (muito embora seja distinta da escrita para o manga).
Em aspectos técnicos, Akira também foi responsável por uma enorme evolução, principalmente no âmbito da produção japonesa. A fluidez alcançada pelas técnicas empregadas só era comparável à qualidade dos estúdios Disney (o que, inclusive, deixou a Casa do Mickey de orelhas em pé), estando muito além dos recursos utilizados nos animes até então. A perfeita sincronia entre as vozes e os gestos faciais foi surpreendente, assim como a ampla gama de cores utilizadas, as quais contribuíram em muito para dar vida e um clima diferenciado à cidade de Neo-Tóquio.
Dotado de uma violência gráfica talvez nunca antes vista em uma animação, é preciso alertar que “Akira” não é uma experiência que agrade a todos, mas é bom lembrar que o próprio gênero da ficção-científica não é uma unanimidade. Contudo, se estiver procurando uma experiência cinematográfica diferente do feijão com arroz cotidiano, a jornada do perturbado Tetsuo se apresenta como uma opção bastante interessante e, com certeza, obrigatória para os interessados na cultura nipônica, além de expor muito do inconsciente coletivo desta sociedade e, porque não, também da sociedade ocidental, hoje repleta de jovens enfurecidos dispostos a extravasar de maneira violenta seus ressentimentos.
Cotação:
Nota: 9,5
(Akira)
Adolescência apocalíptica
Já havia algum tempo, o DVD de “Akira”, a obra máxima do japonês Katsuhiro Otomo, se encontrava na minha estante de filmes, em meio às dezenas de outros longas-metragens aos quais eu ainda não havia assistido, e isso apesar da minha grande curiosidade em vê-lo. Pois bem, eis que finalmente decidi apreciá-lo e, atendendo às minhas expectativas, o filme, em boa parte, não decepciona, se mostrando surpreendentemente atual em várias de suas facetas e, mesmo nos aspectos técnicos da animação, ainda dotado de muita beleza.
Antes de tudo, “Akira” procura traduzir em imagens o turbilhão de emoções à flor da pele que é a adolescência. Seus protagonistas, Kaneda e Tetsuo, integrantes de uma gangue de motociclistas, são espelho tanto da inconsequência, quanto da revolta e sentimento de inadequação que caracterizam esta fase da vida. Tetsuo, o garoto que é alvo de uma experiência que potencializa os poderes de sua mente, é a síntese destes conflitos, ainda mais agravados pelo fato do mesmo ser uma vítima de bullyng e sempre precisar da ajuda se seu amigo Kaneda, uma espécie de irmão mais velho, para escapar das enrascadas em que se envolve. Imaginar um adolescente ressentido com poderes telepáticos quase infinitos, capazes de promover a destruição de tudo que se encontrar no caminho é algo assustador e nos lembra até mesmo de fatos recentes, como o do atirador da escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, ou dos estudantes que abriram fogo no Instituto Columbine, nos EUA, há alguns anos. Por outro lado, essa abordagem não deixa de refletir o temor que a sociedade japonesa tem de seus jovens. Extremamente conservadores e tradicionalistas, é difícil para os japoneses aceitarem qualquer forma de iconoclastia e isso se traduz no receio com relação às gerações mais novas, o que redunda em uma repressão que conduz vários desses jovens ao suicídio.
Os japoneses, ademais, costumam expressar seus medos coletivos de forma bastante explícita em seus meios artísticos. O cinema, ao longo de décadas, tem servido de divã para esses temores, como bem demonstra o excepcional “Sonhos”, do mestre Akira Kurosawa, onde o horror nuclear aparece em mais de um dos sonhos (contos) que constituem as diversas narrativas do filme. Otomo, não fugindo à regra, também manifesta esses medos de maneira acentuada nesta obra, que foi primeiramente um manga de sucesso escrito pelo próprio diretor. Afinal, a trama de Akira, é importante explicar, insere-se em um contexto pós-apocalíptico, quando a terceira guerra mundial já haveria ocorrido, com a antiga cidade de Tóquio varrida do mapa. Em seu lugar, foi construída Neo-Tóquio, uma metrópole sombria e turbulenta dominada por jovens delinquentes e grupos políticos anarquistas. Neste contexto, os militares se impõem como força da ordem e adquirem poderes quase ilimitados, seqüestrando pessoas para servirem de cobaias no projeto Akira (daí o título do filme). O nome do projeto se refere a um garoto especialmente poderoso que, com seus talentos fora de controle, teria sido o responsável pela destruição da antiga Tóquio. É de tais experiências que Tetsuo é cobaia, como já mencionado no início deste texto, logo após esbarrar, durante uma das brigas de gangues, em uma das crianças especiais que havia escapado das instalações militares. Kaneda, então, se empenha em sua busca, tendo de contar, para tanto, com a ajuda dos grupos paramilitares anarquistas.
Toda essa apoteose de paranoias nipônicas tem uma ambientação cyberpunk que remete a longas de ficção-científica anteriores, como o inevitável “Blade Runner”. Mas seria leviano afirmar que Otomo se limita a realizar um pastiche de obras predecessoras. Seu universo possui uma inegável originalidade que influenciou vários outros autores, até mesmo em suas características imagéticas (em determinadas sequências, “Ronin”, uma das grandes HQs de Frank Miller, me veio à mente, percebendo assim a influência de “Akira” em obras ocidentais). Entretanto, e aqui vai uma ressalva, tal universo em diversos momentos se apresenta muito hermético para os não iniciados nos mangas e animes japoneses. Sua conclusão, bastante abstrata e que, por vezes, parece sugerir que o espectador conheça previamente a obra em quadrinhos, é um exemplo claro desta afirmação (muito embora seja distinta da escrita para o manga).
Em aspectos técnicos, Akira também foi responsável por uma enorme evolução, principalmente no âmbito da produção japonesa. A fluidez alcançada pelas técnicas empregadas só era comparável à qualidade dos estúdios Disney (o que, inclusive, deixou a Casa do Mickey de orelhas em pé), estando muito além dos recursos utilizados nos animes até então. A perfeita sincronia entre as vozes e os gestos faciais foi surpreendente, assim como a ampla gama de cores utilizadas, as quais contribuíram em muito para dar vida e um clima diferenciado à cidade de Neo-Tóquio.
Dotado de uma violência gráfica talvez nunca antes vista em uma animação, é preciso alertar que “Akira” não é uma experiência que agrade a todos, mas é bom lembrar que o próprio gênero da ficção-científica não é uma unanimidade. Contudo, se estiver procurando uma experiência cinematográfica diferente do feijão com arroz cotidiano, a jornada do perturbado Tetsuo se apresenta como uma opção bastante interessante e, com certeza, obrigatória para os interessados na cultura nipônica, além de expor muito do inconsciente coletivo desta sociedade e, porque não, também da sociedade ocidental, hoje repleta de jovens enfurecidos dispostos a extravasar de maneira violenta seus ressentimentos.
Cotação:
Nota: 9,5
Um comentário:
Akira é magnífico. A obra-prima da animação.
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