Clint Eastwood - O contador de histórias
Existe algum elogio que ainda não foi feito a Clint Eastwood? Não há dúvidas de que ele é um dos grandes diretores norte-americanos em atividade (ao lado de Martin Scorsese) e, vou admitir aqui, um dos meus preferidos. Dentre as várias virtudes que se podem apontar no cineasta, entre elas a sua simplicidade, a que mais se destaca é o seu grande talento para contar histórias. Por mais que certas tramas pareçam clichês, Eastwood consegue atribuir-lhes um toque mágico que as transforma em algo além de um mero entretenimento. É o toque do artista, daquele que, antes de tudo, ama o que faz e acredita na história que está narrando.
É interessante como este seu novo trabalho, “Além da Vida”, parece fugir de sua filmografia tradicional, apresentando uma temática, digamos assim, “espiritual”. Mas essa seria uma análise superficial. Trata-se de uma obra muito mais sobre perda do que sobre crenças e tal temática absolutamente não é estranha na filmografia do cineasta. Invariavelmente, a morte (e as diversas formas de superá-la) ou sua iminência estão presentes em seus longas. Basta rememorar os exemplos de “Os Imperdoáveis”, “Menina de Ouro” ou o mais recente “Gran Torino”. Em todos eles, de uma forma ou de outra, os personagens precisam lidar com a inevitabilidade da morte e a irremediável ausência que a mesma provoca.
O longa possui três vertentes dramáticas que, em certo ponto da projeção, se comungam, o que, obviamente, não constitui nenhuma novidade. Todavia, Clint não é um cineasta preocupado com vanguardas, mas com o poder que sua narração tem de sensibilizar o espectador. A primeira das três histórias aborda a experiência de quase morte vivida pela jornalista francesa Marie Lelay (Cécile de France) após se afogar em um tsunami na Ásia (o filme sugere se tratar do evento de 2004) em uma sequência impactante, horripilante e, ao mesmo tempo, sensacional (a “mágica” da cena foi provavelmente proporcionada por Steven Spielberg, produtor executivo da película), evidenciando uma inédita experiência de Clint com os efeitos visuais. A segunda delas mostra o operário George Lonegan (Matt Damon, com boa atuação em sua segunda parceria com Eastwood) um médium que já utilizou seu dom para ganhar dinheiro, mas que agora o vê como uma maldição, já que o impossibilita de manter uma relação natural com as pessoas. A última trama aborda o personagem de Marcus (Frankie McLaren, jovem talentoso!), um garoto que perde o irmão gêmeo Jason e ainda tem de encarar a dependência química da mãe.
O roteiro, escrito por Peter Morgan, resolve bem todos os lados da narração, dando-lhes igual tratamento na elaboração dos personagens e sem que nenhum deles possua uma exposição menor. São três pessoas que têm uma ligação próxima com a morte e, talvez por isso, a sua futura aproximação em nenhum momento soa forçada. Tudo flui perfeitamente até o desfecho, o qual, para alguns, pode resultar previsível, mas que jamais perde a sua beleza. Além disso, o mais do que experiente diretor sabe administrar as doses dramáticas, sem que nunca a narrativa descambe para o piegas. Tudo é muito verdadeiro e sentimos que as ações poderiam efetivamente se dar na vida real. Eastwood, ademais, consegue, por meio da trilha sonora (de sua própria autoria, como de hábito) estabelecer nuances distintas para cada um dos segmentos, fazendo com que o espectador não sinta dificuldade em acompanhá-los (neste aspecto, também vale destacar a bem-resolvida edição).
Acima, mencionei que o longa é muito mais sobre perda do que sobre crenças. É verdade. Contudo, não se pode deixar de lado o questionamento oferecido no filme sobre o que nos aguarda depois da morte, um mistério que nunca será inteiramente desvendado, por maior que seja a fé que você ou eu tenhamos em determinada religião ou doutrina. Seria isso um reflexo da idade avançada do diretor? Talvez a proximidade da morte lhe induza a estas reflexões, mas o próprio já afirmou que resolveu filmar a história porque gostou dela e não por uma obsessão especial pelo tema, tendo apenas uma curiosidade normal como todos têm sobre a morte e o que vem depois dela.
Afinal, este é Clint Eastwood, um homem que ama contar histórias, trazendo-nos a cada novo trabalho uma apaixonada imersão que torna quase impossível a indiferença. Neste ponto, é uma pena que tanto o público quanto a crítica norte-americanos tenham recebido o filme com certa frieza, o que demonstra o quanto os EUA historicamente cometem equívocos em se tratando de cinema. É possível que “Além da Vida” tenha uma carreira de mais sucesso no Brasil,que tem um público mais afeito às temáticas abordadas no longa, bastando lembrar o sucesso recente dos nacionais “Chico Xavier” e “Nosso Lar” (muito embora, vale lembrar, este “Hereafter” não é um filme religioso). Espero que, ao menos aqui, este novo trabalho do genial Clint Eastwood encontre a acolhida merecida. Descubra-o.
Cotação:
Nota: 9,0
Existe algum elogio que ainda não foi feito a Clint Eastwood? Não há dúvidas de que ele é um dos grandes diretores norte-americanos em atividade (ao lado de Martin Scorsese) e, vou admitir aqui, um dos meus preferidos. Dentre as várias virtudes que se podem apontar no cineasta, entre elas a sua simplicidade, a que mais se destaca é o seu grande talento para contar histórias. Por mais que certas tramas pareçam clichês, Eastwood consegue atribuir-lhes um toque mágico que as transforma em algo além de um mero entretenimento. É o toque do artista, daquele que, antes de tudo, ama o que faz e acredita na história que está narrando.
É interessante como este seu novo trabalho, “Além da Vida”, parece fugir de sua filmografia tradicional, apresentando uma temática, digamos assim, “espiritual”. Mas essa seria uma análise superficial. Trata-se de uma obra muito mais sobre perda do que sobre crenças e tal temática absolutamente não é estranha na filmografia do cineasta. Invariavelmente, a morte (e as diversas formas de superá-la) ou sua iminência estão presentes em seus longas. Basta rememorar os exemplos de “Os Imperdoáveis”, “Menina de Ouro” ou o mais recente “Gran Torino”. Em todos eles, de uma forma ou de outra, os personagens precisam lidar com a inevitabilidade da morte e a irremediável ausência que a mesma provoca.
O longa possui três vertentes dramáticas que, em certo ponto da projeção, se comungam, o que, obviamente, não constitui nenhuma novidade. Todavia, Clint não é um cineasta preocupado com vanguardas, mas com o poder que sua narração tem de sensibilizar o espectador. A primeira das três histórias aborda a experiência de quase morte vivida pela jornalista francesa Marie Lelay (Cécile de France) após se afogar em um tsunami na Ásia (o filme sugere se tratar do evento de 2004) em uma sequência impactante, horripilante e, ao mesmo tempo, sensacional (a “mágica” da cena foi provavelmente proporcionada por Steven Spielberg, produtor executivo da película), evidenciando uma inédita experiência de Clint com os efeitos visuais. A segunda delas mostra o operário George Lonegan (Matt Damon, com boa atuação em sua segunda parceria com Eastwood) um médium que já utilizou seu dom para ganhar dinheiro, mas que agora o vê como uma maldição, já que o impossibilita de manter uma relação natural com as pessoas. A última trama aborda o personagem de Marcus (Frankie McLaren, jovem talentoso!), um garoto que perde o irmão gêmeo Jason e ainda tem de encarar a dependência química da mãe.
O roteiro, escrito por Peter Morgan, resolve bem todos os lados da narração, dando-lhes igual tratamento na elaboração dos personagens e sem que nenhum deles possua uma exposição menor. São três pessoas que têm uma ligação próxima com a morte e, talvez por isso, a sua futura aproximação em nenhum momento soa forçada. Tudo flui perfeitamente até o desfecho, o qual, para alguns, pode resultar previsível, mas que jamais perde a sua beleza. Além disso, o mais do que experiente diretor sabe administrar as doses dramáticas, sem que nunca a narrativa descambe para o piegas. Tudo é muito verdadeiro e sentimos que as ações poderiam efetivamente se dar na vida real. Eastwood, ademais, consegue, por meio da trilha sonora (de sua própria autoria, como de hábito) estabelecer nuances distintas para cada um dos segmentos, fazendo com que o espectador não sinta dificuldade em acompanhá-los (neste aspecto, também vale destacar a bem-resolvida edição).
Acima, mencionei que o longa é muito mais sobre perda do que sobre crenças. É verdade. Contudo, não se pode deixar de lado o questionamento oferecido no filme sobre o que nos aguarda depois da morte, um mistério que nunca será inteiramente desvendado, por maior que seja a fé que você ou eu tenhamos em determinada religião ou doutrina. Seria isso um reflexo da idade avançada do diretor? Talvez a proximidade da morte lhe induza a estas reflexões, mas o próprio já afirmou que resolveu filmar a história porque gostou dela e não por uma obsessão especial pelo tema, tendo apenas uma curiosidade normal como todos têm sobre a morte e o que vem depois dela.
Afinal, este é Clint Eastwood, um homem que ama contar histórias, trazendo-nos a cada novo trabalho uma apaixonada imersão que torna quase impossível a indiferença. Neste ponto, é uma pena que tanto o público quanto a crítica norte-americanos tenham recebido o filme com certa frieza, o que demonstra o quanto os EUA historicamente cometem equívocos em se tratando de cinema. É possível que “Além da Vida” tenha uma carreira de mais sucesso no Brasil,que tem um público mais afeito às temáticas abordadas no longa, bastando lembrar o sucesso recente dos nacionais “Chico Xavier” e “Nosso Lar” (muito embora, vale lembrar, este “Hereafter” não é um filme religioso). Espero que, ao menos aqui, este novo trabalho do genial Clint Eastwood encontre a acolhida merecida. Descubra-o.
Cotação:
Nota: 9,0
2 comentários:
Muito bom ler seu texto detalhado, me deu um novo ânimo pra conferir este filme - todos os blogs têm detonado negativamente ele! mas, acho que vou gostar!
abraço
Cristiano, eu gostei e críticos muitos renomados do que eu também gostaram, como Rubens Ewald Filho e Cid Nader (Cinequanon). Abraço e acho que deve mesmo conferir!
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