quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Filmes Para Ver Antes de Morrer


O Iluminado
(The Shining)


Violência domést
ica

Muitos consideram “O Iluminado” como o filme mais assustador da história do cinema. E é provável que o seja. Afinal, um filme de horror dirigido pelo gênio Stanley Kubrick só poderia mesmo resultar em algo fora do comum, memorável. Muito do terror, claro, resulta do talento do mestre, com seu perfeccionismo e domínio completo da linguagem cinematográfica, realizando tomadas com ângulos inusitados, clima de tensão crescente, sensação de claustrofobia e perda da sanidade mental. Além disso, Kubrick é um dos cineastas que mais conheciam a força imagética da 7ª arte, construindo cenas que já se eternizaram no inconsciente coletivo. Todavia, talvez a grande força aterradora do longa seja a ideia de ser ameaçado por alguém que, antes de tudo, deveria lhe proteger. Não deve haver maior terror do que uma violência partindo de alguém que você ama.

Esse é o conceito que Kubrick trabalha ao adaptar o livro homônimo de Stephen King. O escritor, aliás, sempre afirmou que sua obra era “um pequeno conto sobre bloqueio de autor” e, talvez por isso (e curiosamente), não tenha gostado da adaptação realizada por Kubrick. Este último, na realidade, procurou traduzir, nas telas, uma reciclagem das velhas estórias de “casa mal-assombrada” para retratar o assombro que muitos vivem diariamente no mundo real: a violência doméstica. Afinal, Jack Torrance, o pai de família interpretado por Jack Nicholson, é um escritor com problemas criativos e financeiros que se presta a trabalhar como zelador do Hotel Overlook, uma estância de verão nas montanhas rochosas do Colorado. O problema é que o serviço será prestado durante o inverno, quando todos os funcionários deixam o local, que fica praticamente isolado devido às fortes nevascas que se abatem sobre a região durante a estação fria. Ou seja, isolamento completo. Jack leva sua família com ele, a esposa Wendy (Shelley Duvall) e o pequeno Danny (Danny Lloyd), o tal “iluminado” do título, possuindo poderes mediúnicos que o alertam sobre eventos futuros e presenças malignas. Com problemas passados com o alcoolismo, Jack, desta forma, parece resumir as características de pais violentos, pois que se encontra em um momento profissional difícil e, influenciado pelo álcool mais uma vez, acaba por descontar na família as suas frustrações. A solidão que a família passa a viver no Overlook é muito representativo do isolamento social porque Jack passa, afinal ele é um “fracassado” (de acordo com a concepção tola criada pelos norte-americanos sobre “fracasso” e “sucesso”). Tais condicionamentos acabam por levá-lo a atos de violência que, no contexto do roteiro, são induzidos por fantasmas que há muito habitam o hotel, almas penadas vítimas de assassinatos extremamente violentos e que ali permaneceram para todo o sempre. Na realidade, uma alegoria para os fantasmas que rondam o inconsciente de pessoas que acabam perdendo o controle, atribuindo a culpa de seu fracasso a quem está mais próximo.



Todo esse processo é coroado, de maneira imageticamente poderosa, com a perseguição que Jack empreende de machado em punho contra sua esposa e filho, uma sequência digna realmente dos piores pesadelos. Não é à toa que já foi escolhida em eleições promovidas por publicações especializadas como a cena mais aterradora da história do cinema. Vale sublinhar que o terror visto em tela é resultado, em parte, do mencionado perfeccionismo de Kubrick, o qual levou sua equipe a repeti-la à exaustão (mais de 70 takes, segundo informações que constam do próprio making off do longa). Shelley Duval teria dito que sua expressão de horror já era fruto do estado nervoso em que estava, tamanha a obsessão do diretor (sabidamente um tirano nos sets). Contudo, algumas das seqüências que mais geram calafrios no público são aquelas do pequeno Danny vagando com seu velocípede pelos corredores do hotel. Impressionante como apenas o uso inteligente da câmera, que persegue o velocípede (a então novidadeira steadicam), além do uso do som do brinquedo, é capaz de produzir calafrios em qualquer um. Outra cena memorável é a do elevador jorrando sangue por todos lados, também digna de tenebrosos pesadelos. Aliás, essa sensação onírica parece percorrer toda a exibição desde o início, com as belas tomadas das paisagens da região, o que, de resto, parece ser algo sempre presente na filmografia de Kubrick (“Laranja Mecânica” e “De Olhos Bem Fechados” são outros exemplos que me vêm à mente). E, claro, como é ainda marcante nos filmes do diretor, as imagens são sublinhadas por uma trilha sonora poderosa (composta por Wendy Carlos e Rachel Elkind).



Se tudo isso ainda não convenceu você a assistir a “O Iluminado”, vale considerar ainda a presença transtornada de Jack Nicholson, em um papel que para sempre lhe renderia tiques interpretativos. Sabe-se que Nicholson não é lá um exemplo de pessoa “normal” e suas expressões extremamente marcantes, com aquela aparência de maluco-de-camisa-de-força ensandecido, com certeza farão você lembrar de Jack Torrance por muito tempo.

Ou seja, Stanley Kubrick, com sua genialidade ímpar, concebeu uma obra-prima do terror moderno. Muitos críticos não colocam este como um dos seus melhores trabalhos, talvez por considerá-lo apenas mais um filme de sustos. Longe disso, o longa faz uma análise de medos inconscientes e causa impacto por mostrar o horror dentro de uma família. Só não aconselho vê-lo antes de ir dormir. É provável que você não consiga mais cair no sono...


Cotação e nota: Obra-prima.
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8 comentários:

cleber eldridge disse...

É o único filme do Kubrick que eu não gosto.

Cristiano Contreiras disse...

É muito, mas muito denso este filme, eu acho chato quando muitos dizem que o filme é ruim pelo simples fato de distorcer a ideia do livro original de King. Bem verdade, é muito diferente, mas eu ainda assim acho que Kubrick recriou todo um novo estilo de terror ainda mais firmado no suspense imagético. A narrativa está muito aliada as imagens, tudo é sentido e a atmosfera muito bem feita.

A atuação de Jack impressiona, mas Danny Lloyd me assombrou! Há cenas ícones, como a citada por você do elevador sangrando e do menino percorrendo os imensos corredores...são sublimes cenas!

Eu quero ver este filme em blu ray, pois o dvd numa tv lcd fica, como sempre, meio estranho...notou?

abraço e parabéns pelo texto!

Apareça!

Fábio Henrique Carmo disse...

Cristiano, a questão do DVD na TV LCD é que percebemos suas falhas se não há uma conexão HDMI. Antes de comprar o Blu-Ray do filme, procure comprar um aparelho de Blu-Ray com um bom upscaling, sistema que quase "transforma" o DVD em um disco BD, com mais linhas de resolução. Dizem que o melhor upscaling é o da Sony.

Quanto ao filme, também acho chato aqueles tais "fiéis" do livro. Cinema é uma arte diferente da literatura e Kubrick sempre foi um autor, não um mero papagaio de ideias alheias!

Abraço e vou procurar aparecer sim!

chuck large disse...

Não tem como não virar fã de Kubrick, sua filmografia é excelente!
Gosto muito de "O Iluminado", todo o suspense e a loucura de Jack é perfeita e Kubrick consegue passar isto com maestria. Muito bom, mesmo!

Abs.
cigarrosefilmes.blogspot.com

Emmanuela disse...

Obra de arte sem precedentes. Retém muitas sequências que povoam o imaginário cinéfilo. A cena que ilustra o pôster do filme foi vítima de pastiches que enaltecem seu valor. Jack Nicholson é mesmo único, seu personagem possuído pelos demônios invasivos é intensamente assustador!

Quanto à qualidade do DVD, eu adquiri um aparelho de DVD SAMSUNG com entrada HDMI, útil para elevar a qualidade da imagem em TVS de LCD. Uma boa pedida!

Fábio Henrique Carmo disse...

Alan, concordo plenamente: não tem como não virar fã de Kubrick! Obrigado pela visita e já estou dando uma olhada no seu espaço que me parece ser muito bom!

Emmanuela, bastante satisfatória a alternativa que você deu a respeito do DVD HDMI! E com relação ao Nicholson: ele é mesmo único! Inté!

Cristiano Contreiras disse...

Fábio, tens um aparelho blu-ray ou teu leitor de dvd tem entrada hdmi? abs

Fábio Henrique Carmo disse...

Cristiano, nem uma coisa nem outra, mas já vi o resultado das opções acima. Devo comprar em breve um aparelho de Blu-Ray, que aí já mato dois coelhos com uma cajadada só! Abraço!