Para iniciados
O cinema nacional vive, neste ano de 2010, uma onda de filmes com temática vinculada aos princípios do Espiritismo Kardecista, muito em virtude do centenário de nascimento de Chico Xavier, o médium mais querido do país (no plano televisivo, ainda podemos lembrar a atual novela das 18h da Rede Globo, “Escrito nas Estrelas”). Em abril, tivemos o lançamento de sua biografia cinematográfica, o bom “Chico Xavier”, com enorme sucesso de público e boa aceitação da crítica. Agora, temos este “Nosso Lar”, adaptação do livro que o mencionado Chico psicografou e é atribuído ao espírito de André Luiz, um médico brasileiro que teria tido sua última encarnação no início do século passado (alguns afirmam que ele teria sido um dos fundadores de um certo clube de camisas de cores vermelha e preta no Rio de Janeiro*).
Adianto, desde já, que nunca li a obra literária, o que, por um lado, é algo positivo, pois que me possibilita avaliar o longa tendo como referência apenas o que foi visto na tela. Tendo em vista tal circunstância, posso afirmar que o primeiro problema que se apresenta para um filme como esse é o do envolvimento do espectador. É inevitável que uma trama que mostra como seria “o outro lado da vida” acabe despertando reações diversas na plateia, dependendo da crença de cada um dos assistentes. Óbvio que aqueles que acreditam na doutrina espírita terão uma facilidade bem maior para se envolver com a narrativa, enquanto outros, céticos, poderão se mostrar indiferentes ou considerar tudo até uma grande bobagem.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor Wagner de Assis de acordo com os conceitos espíritas, mostra a vida de André Luiz após ter desencarnado, sua passagem pelo Umbral (um tipo de purgatório) e sua chegada ao ambiente conhecido como Nosso Lar, uma espécie de cidade espiritual, que também possui a sua burocracia, seus hospitais, suas formas de locomoção etc. E onde também é necessário trabalhar para conseguir certos objetivos, mesmo que esses objetivos não sejam os mundanos “dinheiro-fama-poder”. Entretanto, na narrativa tudo se desenvolve de forma bastante expositiva, didática mesmo. Muitos afirmam que o livro realmente é desta forma, assemelhando-se a uma aula de como as coisas se passam no além-túmulo. O problema é que cinema possui uma outra linguagem, exigindo força narrativa maior para atingir em cheio o espectador. E, nesse propósito, o filme acaba falhando, pelo menos para aqueles que não são seguidores da doutrina. Uma solução interessante teria sido mostrar mais da vida de André antes de seu falecimento, para que assim pudéssemos conhecer melhor o personagem e estabelecer links emocionais a serem explorados com maior eficácia na segunda metade do longa. Da maneira como filmado, aquele que deveria ser o clímax não chega a funcionar a contento, apesar de constituir uma sequência bem realizada em termos dramáticos.
Outro aspecto que deixa a desejar é justamente este, o dramático. A produção optou pela escalação de um ator pouco conhecido, Renato Prieto, para o papel do protagonista André, o que acaba se tornando um equívoco. Renato se esforça, mas não tem o carisma suficiente para levar o filme nas costas, alternando bons (como a citada sequência do “clímax”) e maus momentos. Nem mesmo o elenco de apoio se sai bem, apesar de nomes como Othon Bastos, Paulo Goulart e Ana Rosa, pois seus personagens são praticamente destituídos de conflitos, servindo apenas para orientar André em suas novas vivências espirituais.
Entretanto, não se pode negar que o filme possui elementos que se constituem em uma evolução dentro do cinema nacional. Os R$ 20 milhões investidos na produção (o que a transforma na mais cara produção brasileira em todos os tempos) são vistos principalmente nos efeitos especiais (da empresa canadense Intelligent Creatures), responsáveis pela materialização da cidade espiritual, repleta de elementos futuristas. Os planos aéreos da comunidade são mesmo ótimos e convincentes, mas também é verdade que outros efeitos deixam a desejar, como a materialização dos espíritos na região do Nosso Lar quando vindos da área do Umbral. Contudo, há de se elogiar o esforço dos produtores em sair do comodismo e apatia reinantes no nosso cinema, reconhecidamente pouco ousado nesta seara técnica (a despeito dos figurinos me soarem equivocados, parecendo roupas de Krypton ou similares). Por sinal, outro aspecto técnico que desperta atenção é a trilha sonora, composta pelo badalado Phillip Glass. Com freqüência, as trilhas de Glass são invasivas, mas aqui até que ele se contém e não se pode negar a beleza de suas composições. Outro ponto que me agradou foi a caracterização do Umbral. Utilizando-se de poucos recursos especiais, ele se mostra bem realista em várias tomadas, mesmo que também muitas vezes lembre mais o inferno (“A Divina Comédia”, de Dante, vem logo à mente).
Todavia, todo este esmero técnico vai esbarrar na disposição do espectador em embarcar na crença na doutrina abordada. Se você é kardecista ou já leu ou livro, provavelmente não terá dificuldades de se envolver na proposta. Por outro lado, se é cético ou simplesmente não comunga da mesma crença, poderá considerar tudo uma grande perda de tempo. Desta forma, é um filme voltado para um público específico e vale dizer que, como peça a despertar interesse pela doutrina de Allan Kardec, o filme de Chico Xavier funciona bem melhor. Já “Nosso Lar” é muito mais uma obra para iniciados.
Cotação:
Nota: 7,0
* Se André Luiz fosse botafoguense não teria passado tanto tempo no Umbral!
O cinema nacional vive, neste ano de 2010, uma onda de filmes com temática vinculada aos princípios do Espiritismo Kardecista, muito em virtude do centenário de nascimento de Chico Xavier, o médium mais querido do país (no plano televisivo, ainda podemos lembrar a atual novela das 18h da Rede Globo, “Escrito nas Estrelas”). Em abril, tivemos o lançamento de sua biografia cinematográfica, o bom “Chico Xavier”, com enorme sucesso de público e boa aceitação da crítica. Agora, temos este “Nosso Lar”, adaptação do livro que o mencionado Chico psicografou e é atribuído ao espírito de André Luiz, um médico brasileiro que teria tido sua última encarnação no início do século passado (alguns afirmam que ele teria sido um dos fundadores de um certo clube de camisas de cores vermelha e preta no Rio de Janeiro*).
Adianto, desde já, que nunca li a obra literária, o que, por um lado, é algo positivo, pois que me possibilita avaliar o longa tendo como referência apenas o que foi visto na tela. Tendo em vista tal circunstância, posso afirmar que o primeiro problema que se apresenta para um filme como esse é o do envolvimento do espectador. É inevitável que uma trama que mostra como seria “o outro lado da vida” acabe despertando reações diversas na plateia, dependendo da crença de cada um dos assistentes. Óbvio que aqueles que acreditam na doutrina espírita terão uma facilidade bem maior para se envolver com a narrativa, enquanto outros, céticos, poderão se mostrar indiferentes ou considerar tudo até uma grande bobagem.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor Wagner de Assis de acordo com os conceitos espíritas, mostra a vida de André Luiz após ter desencarnado, sua passagem pelo Umbral (um tipo de purgatório) e sua chegada ao ambiente conhecido como Nosso Lar, uma espécie de cidade espiritual, que também possui a sua burocracia, seus hospitais, suas formas de locomoção etc. E onde também é necessário trabalhar para conseguir certos objetivos, mesmo que esses objetivos não sejam os mundanos “dinheiro-fama-poder”. Entretanto, na narrativa tudo se desenvolve de forma bastante expositiva, didática mesmo. Muitos afirmam que o livro realmente é desta forma, assemelhando-se a uma aula de como as coisas se passam no além-túmulo. O problema é que cinema possui uma outra linguagem, exigindo força narrativa maior para atingir em cheio o espectador. E, nesse propósito, o filme acaba falhando, pelo menos para aqueles que não são seguidores da doutrina. Uma solução interessante teria sido mostrar mais da vida de André antes de seu falecimento, para que assim pudéssemos conhecer melhor o personagem e estabelecer links emocionais a serem explorados com maior eficácia na segunda metade do longa. Da maneira como filmado, aquele que deveria ser o clímax não chega a funcionar a contento, apesar de constituir uma sequência bem realizada em termos dramáticos.
Outro aspecto que deixa a desejar é justamente este, o dramático. A produção optou pela escalação de um ator pouco conhecido, Renato Prieto, para o papel do protagonista André, o que acaba se tornando um equívoco. Renato se esforça, mas não tem o carisma suficiente para levar o filme nas costas, alternando bons (como a citada sequência do “clímax”) e maus momentos. Nem mesmo o elenco de apoio se sai bem, apesar de nomes como Othon Bastos, Paulo Goulart e Ana Rosa, pois seus personagens são praticamente destituídos de conflitos, servindo apenas para orientar André em suas novas vivências espirituais.
Entretanto, não se pode negar que o filme possui elementos que se constituem em uma evolução dentro do cinema nacional. Os R$ 20 milhões investidos na produção (o que a transforma na mais cara produção brasileira em todos os tempos) são vistos principalmente nos efeitos especiais (da empresa canadense Intelligent Creatures), responsáveis pela materialização da cidade espiritual, repleta de elementos futuristas. Os planos aéreos da comunidade são mesmo ótimos e convincentes, mas também é verdade que outros efeitos deixam a desejar, como a materialização dos espíritos na região do Nosso Lar quando vindos da área do Umbral. Contudo, há de se elogiar o esforço dos produtores em sair do comodismo e apatia reinantes no nosso cinema, reconhecidamente pouco ousado nesta seara técnica (a despeito dos figurinos me soarem equivocados, parecendo roupas de Krypton ou similares). Por sinal, outro aspecto técnico que desperta atenção é a trilha sonora, composta pelo badalado Phillip Glass. Com freqüência, as trilhas de Glass são invasivas, mas aqui até que ele se contém e não se pode negar a beleza de suas composições. Outro ponto que me agradou foi a caracterização do Umbral. Utilizando-se de poucos recursos especiais, ele se mostra bem realista em várias tomadas, mesmo que também muitas vezes lembre mais o inferno (“A Divina Comédia”, de Dante, vem logo à mente).
Todavia, todo este esmero técnico vai esbarrar na disposição do espectador em embarcar na crença na doutrina abordada. Se você é kardecista ou já leu ou livro, provavelmente não terá dificuldades de se envolver na proposta. Por outro lado, se é cético ou simplesmente não comunga da mesma crença, poderá considerar tudo uma grande perda de tempo. Desta forma, é um filme voltado para um público específico e vale dizer que, como peça a despertar interesse pela doutrina de Allan Kardec, o filme de Chico Xavier funciona bem melhor. Já “Nosso Lar” é muito mais uma obra para iniciados.
Cotação:
Nota: 7,0
* Se André Luiz fosse botafoguense não teria passado tanto tempo no Umbral!
2 comentários:
Vcs sao uns ridículos que nao respeitam as pessoas.
Passe seu tempo se dedicando a leitura da doutrina que vc entenderá o filme.
Anônimo,
Pelo que percebi,você sequer leu o texto, já que em nenhum momento critiquei a doutrina espírita.
Obrigado pela visita ao blog.
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