domingo, 21 de março de 2010

Um Sonho Possível



Filme de "mensagem" funciona

Há alguns anos, na década de 90, Julia Roberts, então uma das queridinhas de Hollywood, levou o prêmio da Academia por sua atuação em “Erin Brokovitch”, um daqueles casos em que o prêmio é dado não pelo grande desempenho de uma atriz, mas por sua importância para a indústria. Agora em 2010, tivemos Sandra Bullock ganhando o Oscar por este “Um Sonho Possível”, em outra premiação que teve como critério a importância que a atriz tem para os businnes. Afinal, “The Blind Side” tornou-se um grande sucesso de bilheteria (mesmo que provavelmente apenas pelo fato de que o público USA adora o esporte que é um dos motes do longa), o maior da carreira da atriz, que ainda em 2009 emplacou outro sucesso, a comédia romântica “A Proposta”. Todavia, é possível afirmar que Bulllock, se não tem um desempenho excepcional, atua de forma competente no longa (diferentemente de Roberts, no citado “Erin Brocovitch”, em que apenas repetiu o papel que já vinha fazendo há um certo tempo).

Ela interpreta Leigh Anne Tuohy, socialite conservadora (ela faz parte do partido republicano e afirma que anda com uma arma na bolsa) que acaba acolhendo em seu lar o jovem negro Michael Oher, um adolescente sob tutela do Estado que já havia passado por vários lares e possuidor de um triste histórico (ele não conheceu o pai e a mãe era viciada em drogas). Baseada em fatos reais, a trama nos mostra que Michael, após se sentir acolhido em uma família, descobre sua vocação, decorrente também de seu porte físico, para o futebol americano, esporte que até hoje, para a grande maioria dos brasileiros, mostra-se esquisito e truculento, mas que desperta uma paixão enorme nos EUA. Contudo, mesmo tendo por base um material verídico, resta claro que o diretor John Lee Hancock, que também foi o roteirista, optou por apresentar uma versão maquiada e trabalhada para as grandes massas.

Primeiramente, Oher é apresentado como um grandalhão manso, forma estereotipada com que os negros muitas vezes são mostrados no cinema americano (desde os tempos de “...E O Vento Levou”), especialmente quando as tramas são ambientadas em regiões marcadamente racistas (aqui, a história se passa em Memphis). Leigh Anne nos é mostrada como a branca caridosa, que vive na riqueza, mas se preocupa com os desfavorecidos. Não quero entrar no mérito das atitudes da verdadeira Leigh Anne, mas há um trecho jogado no roteiro em que seu marido comenta que a protagonista “só pensa nos outros e em como ajudar os outros”, o que acaba se tornando cínico quando no lembramos do luxo em que vivem (há um sofá na sala que custa 10.000 dólares).Indiretamente, parece que a personagem acaba buscando na caridade uma forma de redimir a culpa por ser rica. Também parece haver jogo para a plateia quando o longa mostra que Oher só se torna um bom jogador quando passa a entender que seu time é uma família que precisa proteger. Não soa verídico, além de apelar para ideias típicas da vertente conservadora americana (“pátria e família”). Aliás, parece notável que o Oscar deste ano prestou homenagens póstumas à era Bush (basta lembrar de “Guerra ao Terror”, o grande premiado da noite). Há também muito jogo para a torcida na relação estabelecida entre Oher e seu irmão postiço S.J. (Jae Head), muito embora não seja improvável.

Por outro lado, apesar dos citados artificialismos, não se pode negar que o filme passa redondo e que não é desagradável vê-lo. Bullock, como dito acima, vai além do que já tinha feito até agora em sua carreira (além de estar especialmente bela), 90% pautada em comédias românticas. Quinton Aaron, como o grandalhão Michael também convence. E é verdade que o caráter conservador que possa ser apontado na produção não é em si um demérito. Como já apontei em outras oportunidades, cada cineasta coloca em sua produção uma visão de mundo e uma obra não se torna menor que outra por ser de “direita” ou de “esquerda”, “conservadora” ou “progressista”. “O Nascimento de Uma Nação” é tão importante quanto “O Encouraçado Potenkim” também é para a história da sétima arte. E isso vai mesmo como uma patada em certos críticos de cinema que, com uma sociologia de botequim, querem desmerecer uma obra apenas por não concordarem com o ideário nela presente. Além disso, por mais que não se tenha simpatia pelo Partido Republicano dos EUA (eu não tenho), não se pode negar que Leigh Anne Tuohy realizou um ato de coragem e humanidade ao acolher Oher em sua casa. O hoje ídolo da NFL (a liga profissional do futebol americano) realmente deve muito à sua protetora (ela, de fato, se tornou guardiã legal do rapaz). E não deixa de ser curioso que o filme, apesar de certo conservadorismo, transmita uma ideia que quebra o conceito do self-made man estadunidense: ninguém se faz sozinho, todos nós precisamos de ajuda em algum momento de nossas vidas, “mensagem” já presente no título em inglês (1).


Cotação: * * * (três estrelas)
Nota: 7,5

(1) O tal “lado cego” do título diz respeito às características do futebol americano. Quando o quarterback, que é o lançador, se prepara para fazer o passe, é necessário que outro jogador o proteja contra os ataques adversários, o chamado Left Tackle, função que é hoje desempenhada por Michael Oher em seu time.
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6 comentários:

Brenno Bezerra disse...

O filme superou as minhas expectativas e achei merecido o Oscar da Bullock.

Fábio Henrique Carmo disse...

Brenno, eu diria que o filme foi dentro das minhas expectativas. Eu daria o Oscar para Meryl Streep, mas não se pode dizer que chegou a ser uma injustiça o prêmio para a Bullock. Obrigado pela visita ao blog!

pseudo-autor disse...

Fui descompromissadamente e acabei em êxtase ao final da projeção. Merecidíssimo o Oscar para Sandra Bullock. Ela está demais! Espero que ela dê agora uma repaginada na carreira.

Cultura? Visite Jukebox:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Fábio Henrique Carmo disse...

Pseudo, também espero que ela dê uma repaginada na carreira. E ela realmente está bem no filme. Obrigado pela visita e espero que retorne em outras oportunidades.Abraço!

Cristiano Contreiras disse...

Bullock não mereceu o oscar, mas o filme até convence.

Belo blog, texto, parabéns!

Fábio Henrique Carmo disse...

Quem merecia era a Streep. Obrigado pelos elogios ao blog, Cristiano!