Guerra Real
Percebo que as mulheres são vítimas de um certo preconceito quando assumem a direção de um projeto cinematográfico. Frequentemente, são vistas apenas como diretoras de filmes femininos (caso emblemático de Nora Ephron), não possuindo talento e/ou desprendimento para criar obras de arte em uma perspectiva masculina ou sobre temas masculinos e mesmo sociais. Essa perspectiva atinge até mesmo as premiações, sendo notório que o Oscar jamais premiou uma mulher na categoria de melhor direção. Aliás, é sabido que Hollywood é um poço de machismo, indústria onde até hoje atores ganham mais do que atrizes. Pois bem, buscando quebrar tais paradigmas eis que surge Kathryn Bigelow, por muito tempo mais conhecida como a ex-esposa de James Cameron, com um filme pancada, exalando testosterona, sobre um tema caro e complicado para os norte-americanos: a guerra no Iraque.
Nada em “Guerra ao Terror” lembra um filme feminino. Aliás, raras são as mulheres que aparecem ao longo da projeção (que eu lembre, elas se limitam a uma árabe e à esposa do personagem central). O que sobra são cenas fortes, impactantes, algumas mesmo de embrulhar o estômago. Uma forma sincera, realista e coerente para tratar dos 39 últimos dias de um grupo de soldados em território iraquiano. Apesar de parecer um tempo relativamente curto, a verdade é que cada um dos militares não sabe se estará vivo até o dia seguinte. E essa circunstância vai se mostrando de forma horrendamente cruel a cada morte de um companheiro, geralmente vítimas de explosivos espalhados em Bagdá por grupos terroristas. E é exatamente desarmando bombas que opera o sargento William James (Jeremy Renner, ótimo e indicado ao Oscar), homem de personalidade forte, que tem no seu ofício uma verdadeira obsessão. Na verdade, não se sabe se é uma obsessão pela tarefa que executa ou uma oculta vontade de morrer. Suas ações são muitas vezes inconsequentes, expondo-se desnecessariamente a riscos que poderiam ser minorados. Um homem transformado em um autômato de vontade única, em decorrência da brutalidade do conflito? Talvez e, com certeza, esse é um dos questionamentos que Bigelow engendra (e que já havia sido elaborado por Stanley Kubrick em “Nascido Para Matar”).
Ao lado de James, também acompanhamos as vidas do sargento Sanborn (Anthony Mackie) e do soldado Eldridge (Brian Geraghty), ambos ansiosos pelo retorno ao lar. Este último, especialmente, parece ser o personagem escalado para representar as angústias mais comuns aos militares em área de conflito, principalmente através de seus diálogos com o coronel Cambridge, médico que funciona como psicólogo. Já Sanborn mantém uma relação conflituosa com James e, nesse ponto, o roteiro se escora um pouco na velha muleta de parceiros que se antipatizam de início para depois estabelecer uma relação de amizade, muito comum em filmes de duplas policiais. De qualquer forma, são personagens bem construídos e, antes de tudo, humanos. Uma das características interessantes, ademais, deste longa-metragem é que a empatia com os personagens não surge à primeira vista. Nos primeiros minutos, parece que não nos envolveremos com os dramas mostrados. Tudo parece seco e distante, um relato quase documental dos acontecimentos. Contudo, a força dos personagens e da narrativa se impõe e, aos poucos, à medida que o lado humano de cada um deles é evidenciado, passamos a torcer por seus destinos. Uma forma interessantíssima de aproximação com a narrativa resultado do roteiro bem escrito por Mark Boal e a direção segura de Bigelow.
Direção que, por sinal, se espraia de forma competente através de outros aspectos da produção. A fotografia é muito bem cuidada e as cenas mais fortes são filmadas com precisão, sem disfarçar o impacto no público que possam gerar. É verdade que em alguns momentos ela se mostra uma tanto sensacionalista (como em algumas sequências em câmera lenta apenas para mostrar um cartucho de fuzil caindo no solo), mas, no geral, tudo soa muito eficiente e orgânico, com um tom de realidade enorme até mesmo como resultado das locações realizadas nos Oriente Médio (Jordani e Kuwait). A sensação de insegurança acaba sendo transportada para cada espectador, gerando, por vezes, a impressão de que estamos no campo de batalha.
O filme teve uma trajetória curiosa no Brasil, onde foi lançado direto em DVD, pois que não havia muitas perspectivas de mercado para o mesmo. Agora, depois de se tornar um querido da crítica e um dos favoritos ao Oscar, ganhará chance nos cinemas a partir desta sexta-feira, dia 05. Recomendável ver no sala escura. O impacto deve ser ainda maior. E imagino que a Academia não vai perder a oportunidade de premiar uma mulher como melhor diretora nesta ocasião. Não será nenhuma injustiça se ela vier a ganhar a briga conjugal com o ex-marido James Cameron.
Obs. As participações de Ralph Fiennes e Guy Pierce são bem pequenas.
Cotação: * * * * ½ (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5.
Nada em “Guerra ao Terror” lembra um filme feminino. Aliás, raras são as mulheres que aparecem ao longo da projeção (que eu lembre, elas se limitam a uma árabe e à esposa do personagem central). O que sobra são cenas fortes, impactantes, algumas mesmo de embrulhar o estômago. Uma forma sincera, realista e coerente para tratar dos 39 últimos dias de um grupo de soldados em território iraquiano. Apesar de parecer um tempo relativamente curto, a verdade é que cada um dos militares não sabe se estará vivo até o dia seguinte. E essa circunstância vai se mostrando de forma horrendamente cruel a cada morte de um companheiro, geralmente vítimas de explosivos espalhados em Bagdá por grupos terroristas. E é exatamente desarmando bombas que opera o sargento William James (Jeremy Renner, ótimo e indicado ao Oscar), homem de personalidade forte, que tem no seu ofício uma verdadeira obsessão. Na verdade, não se sabe se é uma obsessão pela tarefa que executa ou uma oculta vontade de morrer. Suas ações são muitas vezes inconsequentes, expondo-se desnecessariamente a riscos que poderiam ser minorados. Um homem transformado em um autômato de vontade única, em decorrência da brutalidade do conflito? Talvez e, com certeza, esse é um dos questionamentos que Bigelow engendra (e que já havia sido elaborado por Stanley Kubrick em “Nascido Para Matar”).
Ao lado de James, também acompanhamos as vidas do sargento Sanborn (Anthony Mackie) e do soldado Eldridge (Brian Geraghty), ambos ansiosos pelo retorno ao lar. Este último, especialmente, parece ser o personagem escalado para representar as angústias mais comuns aos militares em área de conflito, principalmente através de seus diálogos com o coronel Cambridge, médico que funciona como psicólogo. Já Sanborn mantém uma relação conflituosa com James e, nesse ponto, o roteiro se escora um pouco na velha muleta de parceiros que se antipatizam de início para depois estabelecer uma relação de amizade, muito comum em filmes de duplas policiais. De qualquer forma, são personagens bem construídos e, antes de tudo, humanos. Uma das características interessantes, ademais, deste longa-metragem é que a empatia com os personagens não surge à primeira vista. Nos primeiros minutos, parece que não nos envolveremos com os dramas mostrados. Tudo parece seco e distante, um relato quase documental dos acontecimentos. Contudo, a força dos personagens e da narrativa se impõe e, aos poucos, à medida que o lado humano de cada um deles é evidenciado, passamos a torcer por seus destinos. Uma forma interessantíssima de aproximação com a narrativa resultado do roteiro bem escrito por Mark Boal e a direção segura de Bigelow.
Direção que, por sinal, se espraia de forma competente através de outros aspectos da produção. A fotografia é muito bem cuidada e as cenas mais fortes são filmadas com precisão, sem disfarçar o impacto no público que possam gerar. É verdade que em alguns momentos ela se mostra uma tanto sensacionalista (como em algumas sequências em câmera lenta apenas para mostrar um cartucho de fuzil caindo no solo), mas, no geral, tudo soa muito eficiente e orgânico, com um tom de realidade enorme até mesmo como resultado das locações realizadas nos Oriente Médio (Jordani e Kuwait). A sensação de insegurança acaba sendo transportada para cada espectador, gerando, por vezes, a impressão de que estamos no campo de batalha.
O filme teve uma trajetória curiosa no Brasil, onde foi lançado direto em DVD, pois que não havia muitas perspectivas de mercado para o mesmo. Agora, depois de se tornar um querido da crítica e um dos favoritos ao Oscar, ganhará chance nos cinemas a partir desta sexta-feira, dia 05. Recomendável ver no sala escura. O impacto deve ser ainda maior. E imagino que a Academia não vai perder a oportunidade de premiar uma mulher como melhor diretora nesta ocasião. Não será nenhuma injustiça se ela vier a ganhar a briga conjugal com o ex-marido James Cameron.
Obs. As participações de Ralph Fiennes e Guy Pierce são bem pequenas.
Cotação: * * * * ½ (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5.
2 comentários:
Cara, eu gostei do filme. Definitivamente, é um bom filme.
Mas só eu achei o ano de 2009 e as indicações ao Oscar, fracas ?
Aliás, a quantidade de filmes que te arrebatam para dentro da tela e te fazem sentir as mesmas emoções que os personagens parece vir decaindo MUITO.
Bem, até agora posso afirmar que o meu preferido é "Bastardos Inglórios", na minha opinião possivelmente o melhor filme de Tarantino. Mas este "Guerra ao Terror" é um bom filme e "Up" da mesma forma.
Mas é verdade que há alguns filmes supervalorizados. "Avatar" é um deles, assim como "Distrito 9", que não achei lá essas coisas. Aliás, não gostei dessa coisa das 10 indicações.
Hoje em dia, realmente é difícil encontrar um filme que lhe transporte para dentro da tela. E é interessante que este "The Hurt Locker" tenha me causado mais impacto, vendo em casa,do que "Avatar" no cinema com óculos 3D e tudo... Comparando com o filme anterior de Cameron: Titanic. Neste, verdadeiramente,saí do cinema sem nem saber o que pensar direito. Meu cérebro parecia totalmente tomado pelo filme.
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