quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

No Carnaval 2010

Como sempre, o período do carnaval é proveitoso para apreciar muitos filmes, realizando uma boa atualização no repertório cinematográfico. Neste ano, não está sendo diferente e, abaixo, seguem comentários sobre cada um dos filmes que vi nestes dias de Momo e lindas seminuas na TV. Já que não pude ir a Berlim, vou realizando meu próprio festival em casa.


A Sombra de Uma Dúvida (Shadow Of a Doubt, 1943) – Mais um clássico de Alfred Hitchcock. Na famosa entrevista que o mesmo concedeu a François Truffaut, o velho Hitch afirmou que esse era seu filme preferido, sua melhor realização dentro de sua prolífica carreira. A trama mostra o cotidiano de uma família típica americana que tem sua rotina transformada pela chegada do tio Charlie (Joseph Cotton, ótimo). Ele é uma espécie de ídolo da jovem sobrinha homônima Charlie (Teresa Wright), a qual aos poucos vai descobrindo que seu tio não é um homem tão espetacular quanto imaginava e que, ademais, pode ser um assassino de viúvas ricas procurado pela polícia. Um estudo psicológico extremamente interessante, “Shadow Of a Doubt” serve de amálgama de todas a experiências cotidianas do conhecer aquele que está a seu lado. Afinal, construção e destruição de imagens acontecem a todo momento em nossas vidas. E descobrir as facetas ocultas e desagradáveis daqueles de quem nos aproximamos é sempre doloroso. Destaque ainda para trilha sonora perfeita de Dimitri Tiomkin (aliás, como é o hábito nos filmes de Hitchcock, a trilha sonora mereceria um texto à parte). Vou apenas discordar do velho mestre e afirmar que esse não é seu melhor trabalho, muito embora seja realmente ótimo. O problema é que, em uma carreira com várias obras-primas, o ótimo acaba sendo abaixo do seu potencial.

Nota: 9,5


A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953) – Um daqueles filmes que descobrimos porque é considerado um clássico. Este foi o longa-metragem que elevou Audrey Hepburn, até então uma atriz que nunca tinha assumido um papel de protagonista, à condição de estrela, levando um Oscar por esta atuação e assumindo um lugar entre as mais memoráveis atrizes de Hollywood. Ao lado de Gregory Peck, ela protagoniza essa divertida e inteligente comédia romântica, cujo roteiro de Dalton Trumbo (que só assumiu o crédito depois de décadas, uma vez que fazia parte da lista negra do macarthismo) mostra uma princesa cansada de sua vida cheia de regras e compromissos, jamais tendo oportunidade de fazer o que realmente quer. Em uma visita a Roma, ela acaba escapando de seus assessores e seguranças para viver um dia como uma mulher comum na capital italiana. Ela acaba esbarrando com o jornalista Joe Bradley (Peck), o qual inicialmente vê na situação a oportunidade de realizar a matéria de sua vida. Entretanto, aos poucos ele percebe que está se apaixonando pela princesa e se sente mal por abusar de sua inocência em proveito próprio. Muito embora alguns possam acusar o filme de um certo excesso romântico, afinal eles se apaixonam no curto período de 24 horas, também é verdade que tal relação não é de todo inverossímil, principalmente pelo lado da princesa, que jamais havia tido qualquer relação mais próxima com um homem. O longa foi rodado inteiramente em Roma, sob a direção sempre competente de William Wyler, um ótimo diretor de atores (vale lembrar que ele é o diretor de “Ben-Hur”) e ainda conta com a ótima presença de Eddie Albert como o fotógrafo que ajuda Bradley na tentativa do “furo”. Filme para ter na coleção.

Nota: 9,5


Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007) – Paul Thomas Anderson é, seguramente, um dos mais talentosos cineastas em atividade (ele é o diretor de “Magnólia”, filme que, se você ainda viu, não sabe o que está perdendo) e demonstra tal afirmação por meio deste soberbo filme que levou Daniel Day-Lewis ao seu segundo Oscar de melhor ator. De forma enérgica, adaptando o livro “Oil”, de Upton Sinclair, ele constrói uma perfeita alegoria da marcha do capitalismo na formação dos Estados Unidos. Para tanto, utiliza-se do personagem Daniel Plainview (Day-Lewis perfeito), a representação em carne e osso do capital e força individualista que levaram os EUA à sua pujança econômica, mas que ao mesmo tempo selaram o destino de instituições como a família e a religião, elementos que Plainview utiliza da forma que lhe convém através das figuras de seu filho adotivo H.W. e do pastor Elli. A força do filme não se limita ao roteiro excepcional, mas ainda à fotografia brilhante e à trilha sonora inovadora de Johnny Greenwood, guitarrista do Radiohead. Contudo, é bom advertir que este não é um longa de fácil degustação, não agradando a todos os gostos, até mesmo porque trata de um protagonista que está longe de ser um modelo de caráter. Um trabalho que permite múltiplas leituras, sendo possível escrever mais de um texto analítico sobre o mesmo. Talvez algum dia eu me debruce sobre esta tarefa complicada, mas necessária.

Nota: 10,0

A Teta Assustada (La Teta Asustada, 2009) – Esse eu vi na sala de cinema, em sessão de arte. Vencedor do Festival de Berlim 2009, o longa é dirigido por Claudia Llosa (neta do Mario Vargas) que mostra um futuro extremamente promissor na carreira. A trama trata de temas caros aos peruanos ao mostrar a realidade de mulheres herdeiras de traumas advindos dos tempos da atuação forte de grupos como o Sendero Luminoso, que os peruanos denominam de época do “terrorismo”. A crença popular diz que as mulheres vítimas dos freqüentes estupros deste período transmitiam às filhas, através do leite, uma doença conhecida como a “teta assustada”. Uma das vítimas de tal doença seria Fausta (a novata Magaly Solier, ótima), que tem uma batata colocada na vagina como forma de evitar possíveis estupros, providência tomada por sua mãe, estuprada durante o período do terrorismo. A genitora acabou lhe transmitindo também um medo atávico a homens, os quais vê sempre como potenciais estupradores. O filme desenvolve, de forma sóbria, uma metáfora para mostrar que o Peru precisa se libertar do passado, principalmente através da simbologia da mãe que precisa ser sepultada na terra de seus antepassados. Interessante, ainda, observar alguns aspectos da cultura peruana como seus cafonas, mas também alegres e divertidos casamentos. O filme peca, apenas, por apresentar algumas excessivas elipses narrativas que deixam o espectador sem saber realmente o que aconteceu em algumas passagens, um tique de alguns diretores do cinema denominado de “arte”, que adotam a teoria besta desenvolvida por alguns críticos de que o “espectador é inteligente” e não é necessário que se mostre tudo. Alfred Hitchcock deve se remexer no túmulo ao ouvir tamanhas sandices. De qualquer forma, um bom filme que merece a indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Vamos ver se ele derruba “A Fita Branca”, de Michael Haneke.

Nota: 9,0
Blog Widget by LinkWithin

Nenhum comentário: