Esse inconstante ser humano...
Créditos iniciais com fundo preto, letras brancas e elenco disposto em ordem alfabética. Assim, sem nenhuma pompa ou estrelismos começam todos os filmes de Woody Allen, o genial diretor nova-iorquino, um dos grandes autores do cinema contemporâneo. Pode parecer estranho, mas foi a primeira vez que acompanhei esses créditos em uma sala de cinema. Todos os filmes anteriores de Allen tinha visto em casa, seja através de vídeo/DVD, seja nos canais de televisão. Interessante que a minha primeira experiência com a obra de Allen na tela grande tenha sido justamente com seu filme mais latino, com aquele tom “caliente” tão comum a nós, mas um tanto distante do que ele costuma apresentar em seus filmes, onde normalmente o sexo é muito mais falado que mostrado.
Não que haja exatamente cenas de sexo em “Vicky Cristina Barcelona”. Não há, pelo menos não nos padrões explícitos do cinema atual. Mas existe um incomum clima de sedução, ameno e, ao mesmo tempo, constante (tal como a trilha sonora peculiar) que permeia toda a trama, em contraste com os relacionamentos neuróticos tão comuns na obra do renomado cineasta. Todavia, tais relacionamentos neuróticos também se fazem presentes neste novo Allen. Ou seja, o velho Woody conseguiu respirar novos ares sem deixar de lado os antigos. O resultado é que temos um filme que soa atípico em sua obra, mas cheio de notas que fazem com que reconheçamos imediatamente tratar-se de um filme seu.
Tudo começa quando as amigas Vicky (Rebecca Hall, bela e talentosa) e Cristina (Scarlett Joahansson, linda, porém um tanto “bibelô”) chegam a Barcelona para uma temporada de 3 meses em que a primeira se dedicará a um curso sobre cultura catalã. Ambas partilham gostos e interesses, mas divergem em um ponto fundamental: o que esperam do amor. Vicky vê o amor de maneira tradicional. Ela está noiva de um homem que também se pode dizer tradicional ou “fabricado em série”, como diz Cristina. Já esta não sabe exatamente o que quer, o que esperar do amor, só sabe exatamente o que não quer: aquilo que pode ser definido como tradicional.
E é em Barcelona, com seu clima cheio de tempero, que as duas conhecem o artista Juan Antônio (Javier Bardem, esbanjando talento, como de hábito), um boêmio sedutor que se interessa pelas duas e as duas acabam se interessando por ele. Enquanto Vicky, a comedida e conservadora, tenta resistir às investidas do pintor, Cristina não vê qualquer problema em se entregar rapidamente ao mesmo. Juan Antônio, por sua vez, saiu de um casamento tempestuoso, com um divórcio mais tempestuoso ainda, em que sua esposa, Maria Elena (Penélope Cruz, bela e visceral) tentou matá-lo esfaqueado. Todavia, Juan Antônio ainda a ama, e o triângulo amoroso inicial torna-se um quadrado com o retorno de Maria Elena.
É interessante como Wooy Allen sabe transportar para seus tipos a atmosfera das cidades onde suas tramas de desenvolvem. Ele consegue transformar o ambiente em mais um componente essencial da trama, um verdadeiro personagem. Caso clássico é encontrado em “Manhattan” e, para citarmos um exemplo recente, Londres também se mostra uma verdadeira personagem em “Match Point”. E aqui não é diferente. O ambiente de Barcelona, alegre, boêmio e ensolarado, estimula a sensualidade dos seus moradores e visitantes e seria difícil vermos personagens tão abertos em uma cidade friorenta e macambúzia. O maior exemplo disso é Vicky, cujo temperamento comedido não resiste às novas experiências vividas na capital da Catalunha.
Suas certezas anteriores, quais sejam, um bom casamento, desenvolvimento profissional ou aquisição de um bom imóvel como sinais de felicidade caem por terra ao conhecer Juan Antônio, o pintor sedutor que lhe traz uma nova expectativa do amor. Já Cristina, que nunca teve certeza do que queria, apenas do que não queria, vive experiências que sempre ansiou por viver até descobrir que estas também não era exatamente o que ela queria... Mesmo aqueles que encontram exatamente o que querem, como Maria Elena, têm de lidar com a dura constatação de que esta satisfação é momentânea.
Já havia algum tempo que Allen não criava personagens tão ricos e também longe de apenas representarem suas neuras. Claro que suas inquietações estão lá, principalmente representadas através das personas de Vicky e Maria Elena. Contudo, as mesmas não se limitam a isso, possuem vida e elementos próprios. De se destacar a atuação de suas intérpretes que com certeza contribuíram muito para a riqueza das personagens. Rebecca Hall traz uma aura de verdade para Vicky que impressiona, além de possuir uma beleza não óbvia que faz Scarlett Johansson tornar-se uma boneca de comercial. Claro que Scarlett é sexy, mas às vezes sua beleza um tanto clara demais acaba prejudicando, principalmente porque ela parece , nos últimos filmes, estar utilizando isso como muleta para momentos pouco inspirados de atuação. O oposto de Penélope Cruz, a qual sabe usar sua sensualidade a favor de seus papéis. Já Juan Antônio, nas sempre ótimas atuações de Javier Bardem, parece representar aquilo que Allen gostaria de ser e não é. Ou melhor, o que talvez todo homem gostaria de ser: um sedutor, capaz de atrair as mais variadas mulheres, dominando-as ao mesmo tempo que as ama. Curioso que Juan Antônio me fez lembrar do personagem de Nick Nolte em “Contos de Nova York”. Os dois parecem depender da presença feminina para produzirem enquanto artistas. O que lembra logo a idéia de que um homem fica meio perdido no mundo sem as mulheres (com certeza há algo de verdade nisso...).
Assim, com uma paleta viva de cores poucas vezes vista em sua obra (Barcelona com certeza inspira...) e um narrador em off que dá aquele tom de “conto de verão”, o velho Woody nos lembra que não existe nada que defina o amor; apenas não conseguimos viver sem ele. Assim como somos todos inconstantes, eternos insatisfeitos que não sabemos exatamente o que desejamos da vida. Por mais que tentemos planejá-la, ela nos traz grandes surpresas que nos desafiam. As certezas existem apenas para um dia descobrirmos que não eram tão certezas assim.
Obs. Allen tem, neste filme, seu momento Hitchcock, aparecendo rapidamente em uma das cenas. Tente descobrir qual é.
Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5
Não que haja exatamente cenas de sexo em “Vicky Cristina Barcelona”. Não há, pelo menos não nos padrões explícitos do cinema atual. Mas existe um incomum clima de sedução, ameno e, ao mesmo tempo, constante (tal como a trilha sonora peculiar) que permeia toda a trama, em contraste com os relacionamentos neuróticos tão comuns na obra do renomado cineasta. Todavia, tais relacionamentos neuróticos também se fazem presentes neste novo Allen. Ou seja, o velho Woody conseguiu respirar novos ares sem deixar de lado os antigos. O resultado é que temos um filme que soa atípico em sua obra, mas cheio de notas que fazem com que reconheçamos imediatamente tratar-se de um filme seu.
Tudo começa quando as amigas Vicky (Rebecca Hall, bela e talentosa) e Cristina (Scarlett Joahansson, linda, porém um tanto “bibelô”) chegam a Barcelona para uma temporada de 3 meses em que a primeira se dedicará a um curso sobre cultura catalã. Ambas partilham gostos e interesses, mas divergem em um ponto fundamental: o que esperam do amor. Vicky vê o amor de maneira tradicional. Ela está noiva de um homem que também se pode dizer tradicional ou “fabricado em série”, como diz Cristina. Já esta não sabe exatamente o que quer, o que esperar do amor, só sabe exatamente o que não quer: aquilo que pode ser definido como tradicional.
E é em Barcelona, com seu clima cheio de tempero, que as duas conhecem o artista Juan Antônio (Javier Bardem, esbanjando talento, como de hábito), um boêmio sedutor que se interessa pelas duas e as duas acabam se interessando por ele. Enquanto Vicky, a comedida e conservadora, tenta resistir às investidas do pintor, Cristina não vê qualquer problema em se entregar rapidamente ao mesmo. Juan Antônio, por sua vez, saiu de um casamento tempestuoso, com um divórcio mais tempestuoso ainda, em que sua esposa, Maria Elena (Penélope Cruz, bela e visceral) tentou matá-lo esfaqueado. Todavia, Juan Antônio ainda a ama, e o triângulo amoroso inicial torna-se um quadrado com o retorno de Maria Elena.
É interessante como Wooy Allen sabe transportar para seus tipos a atmosfera das cidades onde suas tramas de desenvolvem. Ele consegue transformar o ambiente em mais um componente essencial da trama, um verdadeiro personagem. Caso clássico é encontrado em “Manhattan” e, para citarmos um exemplo recente, Londres também se mostra uma verdadeira personagem em “Match Point”. E aqui não é diferente. O ambiente de Barcelona, alegre, boêmio e ensolarado, estimula a sensualidade dos seus moradores e visitantes e seria difícil vermos personagens tão abertos em uma cidade friorenta e macambúzia. O maior exemplo disso é Vicky, cujo temperamento comedido não resiste às novas experiências vividas na capital da Catalunha.
Suas certezas anteriores, quais sejam, um bom casamento, desenvolvimento profissional ou aquisição de um bom imóvel como sinais de felicidade caem por terra ao conhecer Juan Antônio, o pintor sedutor que lhe traz uma nova expectativa do amor. Já Cristina, que nunca teve certeza do que queria, apenas do que não queria, vive experiências que sempre ansiou por viver até descobrir que estas também não era exatamente o que ela queria... Mesmo aqueles que encontram exatamente o que querem, como Maria Elena, têm de lidar com a dura constatação de que esta satisfação é momentânea.
Já havia algum tempo que Allen não criava personagens tão ricos e também longe de apenas representarem suas neuras. Claro que suas inquietações estão lá, principalmente representadas através das personas de Vicky e Maria Elena. Contudo, as mesmas não se limitam a isso, possuem vida e elementos próprios. De se destacar a atuação de suas intérpretes que com certeza contribuíram muito para a riqueza das personagens. Rebecca Hall traz uma aura de verdade para Vicky que impressiona, além de possuir uma beleza não óbvia que faz Scarlett Johansson tornar-se uma boneca de comercial. Claro que Scarlett é sexy, mas às vezes sua beleza um tanto clara demais acaba prejudicando, principalmente porque ela parece , nos últimos filmes, estar utilizando isso como muleta para momentos pouco inspirados de atuação. O oposto de Penélope Cruz, a qual sabe usar sua sensualidade a favor de seus papéis. Já Juan Antônio, nas sempre ótimas atuações de Javier Bardem, parece representar aquilo que Allen gostaria de ser e não é. Ou melhor, o que talvez todo homem gostaria de ser: um sedutor, capaz de atrair as mais variadas mulheres, dominando-as ao mesmo tempo que as ama. Curioso que Juan Antônio me fez lembrar do personagem de Nick Nolte em “Contos de Nova York”. Os dois parecem depender da presença feminina para produzirem enquanto artistas. O que lembra logo a idéia de que um homem fica meio perdido no mundo sem as mulheres (com certeza há algo de verdade nisso...).
Assim, com uma paleta viva de cores poucas vezes vista em sua obra (Barcelona com certeza inspira...) e um narrador em off que dá aquele tom de “conto de verão”, o velho Woody nos lembra que não existe nada que defina o amor; apenas não conseguimos viver sem ele. Assim como somos todos inconstantes, eternos insatisfeitos que não sabemos exatamente o que desejamos da vida. Por mais que tentemos planejá-la, ela nos traz grandes surpresas que nos desafiam. As certezas existem apenas para um dia descobrirmos que não eram tão certezas assim.
Obs. Allen tem, neste filme, seu momento Hitchcock, aparecendo rapidamente em uma das cenas. Tente descobrir qual é.
Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)
Nota: 9,5
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