terça-feira, 27 de novembro de 2012

Argo

De volta aos anos 70 (ou como Hollywood gosta de se ver no espelho)


Hollywood é reconhecida no mundo inteiro como uma fábrica de sonhos e ilusões, tanto no bom quanto no mal sentido da expressão. Pois bem. Com “Argo”, o ator que virou diretor Ben Affleck nos mostra que a indústria do cinema norte-americano é tão eficiente com sua ficção que já chegou até a enganar a vigilância de um país inimigo dos Estados Unidos para salvar alguns compatriotas que lá se encontravam. Um feito ocorrido no fim dos anos 70/início dos 80 e que foi revelado pelo governo norte-americano apenas em 1997, durante o mandato de Bill Clinton, e que realmente possui todos os ingredientes para se transformar naquilo em que Hollywood é a maior especialista do mundo em fazer: filmes.

Affleck retomou aqui um gênero cinematográfico que teve seu auge nos anos 70: o thriller político, dos quais são exemplos icônicos “Todos os Homens do Presidente” (All The Presidents Men, 1976), de Alan J. Pakula, e “Três Dias do Condor” (Three Days Of Condor, 1975), de Sidney Pollack, gênero este que perdeu espaço nas últimas décadas, principalmente nos anos 80 e 90, quando a população mundial, contaminada pelo estilo yuppie de ver o mundo, deixou-se submergir por uma apatia política que parece ter sido sacudida apenas depois dos eventos do 11 de setembro de 2001 e, mais recentemente, pela grave crise econômica global iniciada a partir de 2008. Nos anos 70, principalmente depois que o studio system sofreu fortes abalos com o advento dos jovens da “Nova Hollywood” e seu cinema autoral, a contestação politica e social era praticamente a regra, não a exceção. Neste longa, Affleck já optou por realizar, no início da projeção, uma autocrítica explícita raramente vista em filmes ianques ao passar em resumo a história recente do Irã, um dos países que mais sentiram o resultado desastroso do intervencionismo imperialista norte-americano. Ao apoiar o governo ditatorial do Xá Reza Pahlevi, como uma reação à nacionalização do petróleo promovida pouco antes pelo primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, os Estados Unidos, em boa medida, contribuíram diretamente para a posterior ascensão do Aiatolá Khomeini ao poder em 1979, durante a chamada “Revolução Islâmica”, o qual acabou por instaurar no país um regime teocrático avesso à cultura e modelos sociopolíticos ocidentais.


Foi durante os eventos de 1979 que a embaixada estadunidense acabou sendo tomada por revoltosos iranianos, fazendo como reféns os diplomatas e funcionários que lá se encontravam. Seis destes, contudo, conseguiram escapar e passaram a viver escondidos na embaixada canadense. Era preciso arrumar um forma de resgatá-los, mas a situação era complicadíssima. Várias ideias (ruins) surgiram, mas Tony Mendez (Ben Affleck no filme), um agente da CIA especialista em situações como esta, surgiu com uma ideia mirabolante: fingir a realização de um filme de ficção científica chamado “Argo” (daí o título do longa). A “produção” procuraria locações no referido país do Oriente Médio e o integrantes da “equipe” seriam justamente os seis enclausurados, que posteriormente deixariam o Irã como “cineastas”. Um plano tão maluco que não levantaria suspeitas. “Melhor do que fingirem ser professores ou fugir de bicicleta ao longo de muitos quilômetros”, disse Mendez. Para tanto, ele contou com a ajuda de verdadeiros profissionais do cinema, entre eles o maquiador vencedor do Oscar John Chambers (no filme vivido por John Goodman) e o produtor Lester Siegel (o sempre ótimo Alan Arkin), os quais se empenharam ao máximo em fazer com que a produção tomasse ares de verdade, realizando coletivas de imprensa, festa de lançamento do projeto, divulgando cartazes e outros procedimentos afins.

Vale ressaltar que Affleck resolveu fazer um filme setentista não apenas no gênero e no tema, como também em vários outros aspectos, como a fotografia granulada (de Rodrigo Prieto) e a trilha incidental, que nos recorda bandas poderosas como o Led Zeppelin. Interessante como ele vem mostrando bem mais competência como diretor do que como ator, ofício onde sempre apresentou desempenhos limitados. “Atração Perigosa” (The Town, 2010), seu longa anterior, já demonstrava uma direção segura e com ótimo ritmo, virtude que se mostraram ainda mais amadurecidas em “Argo”. A tensão é constante ao longo dos 120 minutos de projeção, fazendo com que o espectador se pegunte o tempo inteiro como terminará aquele plano. Astuto, Affleck soube inserir humor nos momentos certos para quebrar o clima tenso, jogando até piadas ácidas dirigidas ao sistema hollywoodiano do qual faz parte. Uma pena que dito sistema acabe por dominar a última terça parte do longa-metragem. Como é de conhecimento até do mundo mineral, Hollywood adora romancear histórias reais, talvez por acreditar que o público não se interessaria por essas mesmas histórias caso elas não fossem maquiadas ou hiperbolizadas. E aqui o jovem diretor também caiu na armadilha, transformando o desfecho do filme em uma correria típica de filmes de ação. Ademais, o final se apresenta permeado daquele patriotismo característico das terras de Tio Sam, algo que se mostra até contraditório diante do seu referido prólogo repleto de autocríticas.



Mesmo diante desses deslizes, “Argo” é um mais um passo adiante na carreira de Ben Affleck como cineasta. O longa já vem sendo cotado como um dos prováveis candidatos ao prêmio Academia de Hollywood e, acredito, ela não deixará passar sem estatuetas essa história surpreendente de como a indústria do cinema contribuiu decisiva e participativamente na resolução de um delicado problema diplomático que poderia ter consequências desastrosas nas relações dos EUA com o Oriente Médio. Como pudemos ver no ano passado, com a premiação de “O Artista” em várias categorias, Hollywood adora se ver na tela, mesmo quando são estrangeiros que a retratam. Que dirá quando é um dos seus próprios rebentos a traçar esta imagem positiva, narrando um dos seus feitos mais mirabolantes e até então desconhecido do grande público. O cinema norte-americano, como qualquer “Narciso”, adora se olhar no espelho.


Cotação:


 

Nota: 9,0
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2 comentários:

railer disse...

muito boa sua análise, fábio. realmente 'argo' não vai passar despercebido na festa ano que vem.

gostei bastante do filme, mas me deixou muito tenso!

Maxwell Soares disse...

Cara, não sou muito fã de Ben Affleck. Ele como diretor, sei não. Mas... Vou conferir. É um filme que pelo contexto parece ser bom. Quem sabe? Um abraço...