quinta-feira, 28 de abril de 2011

Para Ver em Um Dia de Chuva


Akira
(Akira)


Adolescência apocalíptica


Já havia algum tempo, o DVD de “Akira”, a obra máxima do japonês Katsuhiro Otomo, se encontrava na minha estante de filmes, em meio às dezenas de outros longas-metragens aos quais eu ainda não havia assistido, e isso apesar da minha grande curiosidade em vê-lo. Pois bem, eis que finalmente decidi apreciá-lo e, atendendo às minhas expectativas, o filme, em boa parte, não decepciona, se mostrando surpreendentemente atual em várias de suas facetas e, mesmo nos aspectos técnicos da animação, ainda dotado de muita beleza.

Antes de tudo, “Akira” procura traduzir em imagens o turbilhão de emoções à flor da pele que é a adolescência. Seus protagonistas, Kaneda e Tetsuo, integrantes de uma gangue de motociclistas, são espelho tanto da inconsequência, quanto da revolta e sentimento de inadequação que caracterizam esta fase da vida. Tetsuo, o garoto que é alvo de uma experiência que potencializa os poderes de sua mente, é a síntese destes conflitos, ainda mais agravados pelo fato do mesmo ser uma vítima de bullyng e sempre precisar da ajuda se seu amigo Kaneda, uma espécie de irmão mais velho, para escapar das enrascadas em que se envolve. Imaginar um adolescente ressentido com poderes telepáticos quase infinitos, capazes de promover a destruição de tudo que se encontrar no caminho é algo assustador e nos lembra até mesmo de fatos recentes, como o do atirador da escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, ou dos estudantes que abriram fogo no Instituto Columbine, nos EUA, há alguns anos. Por outro lado, essa abordagem não deixa de refletir o temor que a sociedade japonesa tem de seus jovens. Extremamente conservadores e tradicionalistas, é difícil para os japoneses aceitarem qualquer forma de iconoclastia e isso se traduz no receio com relação às gerações mais novas, o que redunda em uma repressão que conduz vários desses jovens ao suicídio.

Os japoneses, ademais, costumam expressar seus medos coletivos de forma bastante explícita em seus meios artísticos. O cinema, ao longo de décadas, tem servido de divã para esses temores, como bem demonstra o excepcional “Sonhos”, do mestre Akira Kurosawa, onde o horror nuclear aparece em mais de um dos sonhos (contos) que constituem as diversas narrativas do filme. Otomo, não fugindo à regra, também manifesta esses medos de maneira acentuada nesta obra, que foi primeiramente um manga de sucesso escrito pelo próprio diretor. Afinal, a trama de Akira, é importante explicar, insere-se em um contexto pós-apocalíptico, quando a terceira guerra mundial já haveria ocorrido, com a antiga cidade de Tóquio varrida do mapa. Em seu lugar, foi construída Neo-Tóquio, uma metrópole sombria e turbulenta dominada por jovens delinquentes e grupos políticos anarquistas. Neste contexto, os militares se impõem como força da ordem e adquirem poderes quase ilimitados, seqüestrando pessoas para servirem de cobaias no projeto Akira (daí o título do filme). O nome do projeto se refere a um garoto especialmente poderoso que, com seus talentos fora de controle, teria sido o responsável pela destruição da antiga Tóquio. É de tais experiências que Tetsuo é cobaia, como já mencionado no início deste texto, logo após esbarrar, durante uma das brigas de gangues, em uma das crianças especiais que havia escapado das instalações militares. Kaneda, então, se empenha em sua busca, tendo de contar, para tanto, com a ajuda dos grupos paramilitares anarquistas.



Toda essa apoteose de paranoias nipônicas tem uma ambientação cyberpunk que remete a longas de ficção-científica anteriores, como o inevitável “Blade Runner”. Mas seria leviano afirmar que Otomo se limita a realizar um pastiche de obras predecessoras. Seu universo possui uma inegável originalidade que influenciou vários outros autores, até mesmo em suas características imagéticas (em determinadas sequências, “Ronin”, uma das grandes HQs de Frank Miller, me veio à mente, percebendo assim a influência de “Akira” em obras ocidentais). Entretanto, e aqui vai uma ressalva, tal universo em diversos momentos se apresenta muito hermético para os não iniciados nos mangas e animes japoneses. Sua conclusão, bastante abstrata e que, por vezes, parece sugerir que o espectador conheça previamente a obra em quadrinhos, é um exemplo claro desta afirmação (muito embora seja distinta da escrita para o manga).

Em aspectos técnicos, Akira também foi responsável por uma enorme evolução, principalmente no âmbito da produção japonesa. A fluidez alcançada pelas técnicas empregadas só era comparável à qualidade dos estúdios Disney (o que, inclusive, deixou a Casa do Mickey de orelhas em pé), estando muito além dos recursos utilizados nos animes até então. A perfeita sincronia entre as vozes e os gestos faciais foi surpreendente, assim como a ampla gama de cores utilizadas, as quais contribuíram em muito para dar vida e um clima diferenciado à cidade de Neo-Tóquio.

Dotado de uma violência gráfica talvez nunca antes vista em uma animação, é preciso alertar que “Akira” não é uma experiência que agrade a todos, mas é bom lembrar que o próprio gênero da ficção-científica não é uma unanimidade. Contudo, se estiver procurando uma experiência cinematográfica diferente do feijão com arroz cotidiano, a jornada do perturbado Tetsuo se apresenta como uma opção bastante interessante e, com certeza, obrigatória para os interessados na cultura nipônica, além de expor muito do inconsciente coletivo desta sociedade e, porque não, também da sociedade ocidental, hoje repleta de jovens enfurecidos dispostos a extravasar de maneira violenta seus ressentimentos.


Cotação:

Nota: 9,5

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cannes 2011 - Seleção


Eu havia passado batido por essa notícia, mas nunca é tarde para repercuti-la. No último dia 14/04, tivemos a divulgação da seleção oficial do Festival de Cannes 2011. Ela inclui vários cineastas consagrados, de Woody Allen (fora de competição) a Lars Von Trier, passando por Pedro Almodóvar e Terrence Malick (com o seu aguardadíssimo "A Árvore da Vida"). O Brasil se faz presente na mostra "Um Certo Olhar" com o longa "Trabalhar Cansa", de Juliana Rojas e Marcos Dutra, além da presença na "Quinzena dos Realizadores" (cuja seleção foi divulgada no dia 19), aqui com o novo filme de Karim Aïnouz, "O Abismo Prateado". Na mostra de curtas Cinéfondation, teremos ainda "Duelo Antes da Noite", de Ana Furtado. O festival terá início no dia 11/05 e seguirá até 22/05, tendo Robert DeNiro como presidente do júri. Agora é aguardar!



Filme de abertura:

“Midnight in Paris”, Woody Allen (for a de competição)



Competitiva:

“The Skin That I Live In”, Pedro Almodóvar

“L’Apollonide”, Betrand Bonello

“Footnote”, Joseph Cedar

“Paterre”, Alain Cavalier

“Once Upon A Time In Anatolia”, Nuri Bilge Ceylan

“The Kid With The Bike”, Jean-Pierre e Luc Dardenne

“Le Havre”, Aki Kaurismaki

“Hanezu no Tsuki”, Naomi Kawase

“Sleeping Beauty”, Julia Leigh

“A Árvore da Vida”, Terrence Malick

“La Source de Femmes”, Radu Mihaileanu

“Polisse”, Maïwenn Le Besco

“Harakiri”, Takashi Miike

“We Have A Pope”, Nanni Moretti

“Melancolia”, Lars Von Trier

“This Must Be The Place”, Paolo Sorrentino

“Drive”, Nicholas Winding Refn

“We Need To Talk About Kevin”, Lynne Ramsay



Un Certain Regard/Um Certo Olhar:

“Restless”, Gus Van Sant (filme de abertura)

“Martha Marcy May Marlene”, Sean Durkin

“The Hunter”, Bazur Bakuradze

“Halt auf freier Strecke”, Andreas Dresen

“Skoonheid”, Oliver Hermanus

“Hors Satan”, Bruno Dumont

Les Neiges du Kilimandjaro”, Robert Guédiguian

“The Days He Arrives”, Hong Sang-Soo

“Bonsai”, Christian Jimenez

“Tatsumi”, Erik Khoo

“En maintenant, on va ou?”, Nadine Labaki

“Ariang”, Kim Ki Duk

“Loverboy”, Catalin Mitulescu,

“Toomelah”, Ivan Sen

“Yellow Sea”, Na Hong-Jin,

“Miss Bala”, Gerardo Naranjo,

“L’exercice de l’Etat”, Pierre Schoeller,

“Oslo, August 31st”, Joachim Trier

“Trabalhar Cansa”, Juliana Rojas e Marco Dutra



Fora de competição:

“Um Novo Despertar”, Jodie Foster

“The Artist”, Michel Hazanavicius

“Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas”, Rob Marshall

“La Conquete”, Xavier Durringer

“Kung Fu Panda 2”, Jennifer Yuh



Sessões da meia-noite:

“Wu Xia”, Peter Ho-Sun Chan

“Dias de Gracia”, Everardo Gout



Exibições especiais:

“Labrador”, Frederikke Aspock

“Le maître des forges de l’enfer”, Rithy Panh

“Un documentaire sur Michel Petrucciani”, Michael Radford

“Tous au Larzac”, Christian Rouaud


Quinzena dos Realizadores


Longas:

Après Le Sud, de Jean-Jacques Jauffret (França)

Breathing, de Karl Markovics (Áustria)

Blue Bird, de Gust Van de Berghe (Bélgica)

Palawan Destin, de Auraeus Solito (Filipinas)

Chatrak, de Vimukthi Jayasundara (França e Índia)

Code Blue, de Urszula Antoniak (Holanda e Dinamarca)

Corpo Celeste, de Alice Rohrwacher (Itália, Suíça e França)

Eldfjall, de Rúnar Rúnarsson (Dinamarca e Islândia)

En Ville, de Valérie Mréjen e Bertrand Schefer (França)

Impardonnables, de André Téchiné e Jeanne Captive (França)

Jeanne Captive, de Philippe Ramos (França)

La Fée, de Fiona Gordon, Dominique Abel e Bruno Romy (França e Bélgica)

La Fin Du Silence, de Roland Edzard (França)

Les Géants, de Bouli Lanners (Bélgica, França e Luxemburgo)

O Abismo Prateado, de Karim Aïnouz (Brasil)

Play, de Ruben Östlund (Suécia, França e Dinamarca)

Porfirio, de Alejandro Landes (Colômbia, Espanha, Uruguai, Argentina e França)

Return, de Liza Johnson (Estados Unidos)

Sur La Planche, de Leïla Kilani (Marrocos, França e Alemanha)

The Island, de Kamen Kalev (Bulgária e Suécia)

The Other Side Of Sleep, de Rebecca Daly (Holanda, Hungria e Irlanda)


Curtas:

Armand 15 Ans L’été, de Blaise Harrison (França)

Bielutin - Dans Le Jardin Du Temps, de Clément Cogitore (França)

Boro In The Box, de Bertrand Mandico (França)

Cigarette At Night, de Duane Hopkins (Reino Unido)

Csicska, de Attila Till (Hungria)

Demain, Ça Sera Bien, de Pauline Gay (França)

Fourplay: Tampa, de Kyle Henry (Estados Unidos)

Killing The Chickens To Scare The Monkeys, de Jens Assur (Suécia e Tailândia)

La Conduite De La Raison, de Aliocha (França)

Las Palmas, de Johannes Nyholm (Suécia)

Le Songe de Poliphile, de Camille Henrot (França)

Mila Caos, de Simon Paetau (Alemanha e Cuba)

Nuvem, de Basil da Cunha (Portugal e Suíça)

Vice Versa One, de Shahrbanoo Sadat (Afeganistão)


Sessões Especiais:

Des Jeunes Gens Mödernes, de Jérôme de Missolz (França e Bélgica)

El Velador, de Natalia Almada (Estados Unidos, México e França)

Koi No Tsumi, de Sion Sono (Japão)

La Nuit Elles Dansent, de Isabelle Lavigne e Stéphane Thibault (Canadá)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Cinema e Religião: 7 filmes essenciais


Em todos os anos, quando chega o período da Semana Santa católica, vários canais de TV (principalmente aberta), inundam as telas com filmes de temática religiosa, geralmente narrando os últimos momentos da vida de Jesus Cristo ou o Êxodo dos Hebreus, rumo à terra prometida. No entanto, como em todo gênero, é necessário separar o joio do trigo e aqui me presto a fazer uma seleção das melhores obras de caráter religioso para ver nestes dias que antecedem a Páscoa, seja você cristão ou simplesmente um apreciador de ótimos filmes. Vamos a eles. Como sempre, a lista do Cinema Com Pimenta é composta de 7 obras.


7) A Paixão de Cristo (The Passion of the Christ, 2004) – O filme dirigido por Mel Gibson é polêmico em toda a sua concepção. Acusado por seu excesso de violência (a flagelação vem se mostrando uma obsessão do diretor ao longo dos anos) e um anti-semitismo subliminar (que pode ter lá o seu fundo de verdade, pois que Gibson já foi pego proferindo ofensas a judeus), não se pode negar, todavia, que o filme é pungente em várias passagens, além de contar com ótimas atuações e a virtude de ser falado na língua original dos personagens, se contrapondo à preguiça reinante em Hollywood de colocar o elenco falando em inglês, mesmo em longas com trama se passando na Idade Antiga. Mas o alerta continua valendo: é um filme que exige estômago forte, dado o realismo – e, por vezes, sensacionalismo – das cenas do martírio de Cristo. Um enorme sucesso (o mais bem-sucedido independente em todos os tempos), se estiver disposto(a), vale à pena, até mesmo para opinar sobre a polêmica que recai sobre esta produção;


6) O Príncipe do Egito (The Prince of Egypt, 1998) – Esta, sem dúvida, foi uma da animações mais ambiciosas já realizadas, tentando tornar mais acessível a história bíblica relatada no livro do Êxodo (e que já havia sido transposta para o cinema na superprodução “Os Dez Mandamentos”, de Cecil B. DeMille, da qual falarei mais adiante). E a empreitada é bem sucedida. Os personagens, tanto de Moisés quanto do faraó Ramsés, são muito bem construídos e a ideia de mostrar a relação de irmãos entre os dois é muito feliz, trazendo uma clara mensagem de paz aplicável ao Oriente Médio. Ademais, as imagens concebidas são belíssimas, principalmente a famosa cena da travessia do Mar Vermelho. Ainda considero a melhor animação da Dreamworks até hoje e recomendável tanto para crianças quanto para adultos. Se ainda não viu, veja logo;




5) Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956) – Nos anos 80, a Rede Globo sempre repetia esse filme nestes dias próximos à Páscoa e o vi diversas vezes (sabem como é criança, né?). O diretor Cecil B. DeMille era uma espécie de Steven Spielberg ou James Cameron do seu tempo, responsável por superproduções de encher os olhos. É o caso exatamente desta, seu último trabalho, a qual narra toda a vida de Moisés, desde quando foi encontrado nas águas do Nilo, passando pelo seu encontro com Deus, até levar a cabo a missão do qual foi incumbido: liderar o povo hebreu rumo à Terra Prometida. Na realidade, é uma refilmagem mais suntuosa do filme homônimo dirigido pelo próprio DeMille em 1923. Algumas de suas cenas já entraram para o inconsciente coletivo (como a passagem pelo Mar Vermelho) e Charlton Heston, o intérprete do protagonista, meio que se tornou a imagem oficial de Moisés no cinema. Apesar de possuir um certo exagero que hoje em dia pode ser visto como cafonice, constitui um longa-metragem obrigatório. Seus efeitos visuais (levou o Oscar neste quesito) ainda são eficientes mesmo para os padrões de hoje;



4) Irmão Sol, Irmã Lua (Brother Sun, Sister Moon, 1972) – Este não narra nem a história de Cristo nem a de Moisés. O filme é sobre a vida de Francisco de Assis (interpretado aqui pelo ator Graham Faulkner),o filho de um rico comerciante que larga toda sua vida de facilidades para se dedicar à imitação de Cristo, passando a ter a caridade e a solidariedade como nortes, além de defender a paz e o respeito à natureza (alguns afirmam que ele andava com extremo cuidado para não correr o risco de retirar nem mesmo a vida de um inseto). Dirigido por Franco Zeffirelli e roteirizado pelo mesmo em parceria com Lina Wertmüller (diretora de “Pasqualino Sete Belezas”) e Suso Cecchi D’Amico, é um longa bastante sensível e emocional, indicado para ver com a família. Tem ótimas canções e bela fotografia. Filme apto a agradar a todos os gostos;


3) A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988) – Se o acima citado “A Paixão de Cristo” causou polêmica, imagine este longa-metragem que retrata um Jesus Cristo humanizado, com dúvidas e fraquezas e até mesmo titubeante em algumas passagens. Baseado no romance de Nikos Kazantzakis e dirigido pelo genial Martin Scorsese, o filme foi considerado herético pela Igreja Católica e proibido em muitos países ao longo de vários anos (no Chile, só em 2003 ele foi liberado). Willem Dafoe (naquela que é a melhor interpretação de sua carreira) interpreta Jesus, mostrado com um marceneiro judeu responsável pela confecção das cruzes utilizadas pelos romanos para aplicar suas sentenças de morte. Detalhe especial para a tal “última tentação” do título, quando Jesus é tentado, na cruz e à beira da morte, a abdicar de sua responsabilidade para com a humanidade e do sacrifício como Messias e assumir para si a vida de um homem comum, simples, com esposa, filhos e uma perspectiva de envelhecer e morrer desta forma. Bem, como pode perceber, se sua visão da vida de Cristo é dogmática, este longa não é sua praia. Mas, se tiver disposição para visões diferentes da Bíblia, encontrará aqui um filme excepcional;



2) O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo secondo Matteo, 1964) – Esta é, provavelmente, a adaptação da vida Cristo para as telas mais fiel ao texto bíblico. Ironicamente, foi realizada pelo comunista Pier Paolo Pasolini. Como se sabe, Pasolini sempre fazia de suas obras um manifesto, uma forma de criticar o status quo e mexer com a concepção tradicional de temas. E aqui não é diferente. Dedicado ao papa João XXIII, o filme não tem uma palavra sequer em seu texto que não tenha sido tirada do Evangelho de Mateus, demonstrando o quanto as ideias de Jesus tinham de socialistas, associando sua imagem a de um provocador social, um revolucionário. Filmado com não-atores, no melhor estilo do neo-realismo italiano, o longa muitas vezes lembra um documentário, sem enfatizar ou romancear os eventos da vida de Cristo. Ademais, Pasolini mexe em um vespeiro ao insinuar que ideologias sociais podem ter um parentesco próximo com doutrinas religiosas. É provável que não agrade a muitos, todavia possivelmente cairá nas graças dos cinéfilos de carteirinha. Em tempo: o filme ganhou chancela oficial do Vaticano;



1) O Rei dos Reis (King of Kings, 1961) – Esta é a versão mais emblemática da história de Jesus Cristo para o cinema. Dirigido pelo cultuado Nicholas Ray em 1961 e contando com a narração de ninguém menos que Orson Welles, o Cristo vivido pelo ator Jeffrey Hunter se tornou emblemático. Um blockbuster que fez enorme sucesso quando do seu lançamento, detentor de cenas belíssimas e, certamente, da melhor transposição da passagem do Sermão da Montanha de que se tem notícia. Quando garoto, era atração certa na Sessão da Tarde da sexta-feira da Paixão. A trilha sonora é linda e, se você é religioso, este filme é mais do que obrigatório. E se você não é, o longa é obrigatório. Imperdível!

Bons filmes e uma boa Páscoa a todos!



terça-feira, 19 de abril de 2011

Trilha Sonora #16


Roberto Carlos, maior ídolo da música brasileira, está completando 70 anos hoje, 19 de abril. Roberto protagonizou 3 filmes em sua carreira. Um deles, "Em Ritmo de Aventura", possui uma trilha sonora que se constitui um dos seus melhores discos. Abaixo, como exemplo do repertório da trilha, segue a simbólica, famosa e inesquecível "Como é Grande o Meu Amor Por Você". Som na caixa e parabéns ao Rei!

P.S. Sandra, minha linda, essa é pra você! :=)


sexta-feira, 15 de abril de 2011

Para Ver em Um Dia de Chuva

Orfeu Negro


Entre a poesia e o exotismo



Ao longo dos anos, “Orfeu Negro” vem sendo alvo tanto de admiração por boa parte de críticos e cinéfilos ao redor do mundo, quanto de severos ataques em terras brasileiras. Dirigido por Marcel Camus e lançado em 1959, recendo a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro (que servem até como exemplo de sua repercussão extremamente positiva no meio internacional), o longa-metragem franco-ítalo-brasileiro apresenta, curiosamente, características que podem dar razão aos dois lados da moeda.

Adaptado da peça “Orfeu da Conceição”, escrita por Vinícius de Moraes, a narrativa transpõe o mito grego de Orfeu e Eurídice para os morros do Rio de Janeiro, procurando realçar os elementos da cultura brasileira. O roteiro nos apresenta o Orfeu brasileiro (interpretado pelo também jogador de futebol Breno Mello) como um condutor de bondes que mora no morro da Babilônia. Seu talento musical incomum possui fama nas redondezas e muitos dizem que ele é capaz de fazer o sol se levantar ao tocar seu violão. Prima de uma de suas vizinhas, a recatada Eurídice (a norte-americana Marpessa Dawn) vem do interior para passar os dias da festa de Momo na casa de sua parenta. Os dois vivem, então, de maneira meteórica, uma paixão de contornos trágicos.

Convém sublinhar, antes de tudo, que se trata de um olhar estrangeiro sobre a nossa cultura, o que necessariamente trará uma perspectiva diferente da que temos de nós mesmos. Natural, por conseguinte, que muito do que é mostrado seja visto como estereotipado pelos brasileiros. O que, ao menos em parte, é verdade. Ao escolher o carnaval como época do ano para a transposição do mito, transmite-se a ideia de que o Brasil vive em uma eterna festa, principalmente quando se atenta para o fato de que praticamente durante toda a projeção há sempre um batuque de samba ao fundo e gente dançando quase sem parar. A percepção de Camus se avizinha, em uma observação mais detida, da visão romântica do “bom selvagem”. Ou seja, ele parece ver os moradores do morro como pessoas de bom coração, felizes por terem o samba no pé e a bela paisagem do Rio de Janeiro para admirar, apesar de sua considerável pobreza material. Ingenuidade talvez seja a melhor palavra para descrever tal perspectiva e ela foi em muito responsável pelos ataques que o filme sofreu por parte da intelectualidade brasileira, a qual acusava também Camus de fugir deliberadamente das críticas e observações sociais presentes na obra dramática de Vinícius. “Orfeu Negro” se apresentaria, por conseguinte, como uma obra inautêntica, tanto por fugir da realidade do povo do Rio de Janeiro, quanto por se distanciar em demasia da matéria-prima que lhe deu origem. Até mesmo Jean-Luc Godard apontou esta inautenticidade em um dos seus escritos na famosa “Cahiérs Du Cinema”, afirmando que o filme possuía um “exotismo cartão-postal”. Décadas depois, o hoje presidente dos Estados Unidos Barack Obama também denunciou este aspecto ao mencionar, em sua autobiografia, que sua mãe, Ann Dunhan, se apaixonou por seu pai, um queniano estudante nos EUA, pouco depois de assistir a “Orfeu Negro” (mostrando que a mesma, provavelmente, passara a ter uma visão romântica e idealizada sobre o Brasil e os brasileiros e, por extensão, sobre a África).



Por outro lado, não se pode negar que, a despeito de sua inautenticidade, o longa-metragem possui momentos de admirável beleza. Seu início mostra uma pipa erguida por um garoto no alto do morro, cena esta sublinhada por “A Felicidade”, canção icônica da Bossa Nova (de autoria de Tom Jobim e Vinícius de Moraes) cujos versos mencionam que a felicidade “é como uma pluma que o vento vai levando pelo ar”, pluma esta que, para manter-se voando, “precisa que haja vento sem parar”. Uma metáfora perfeita da alegria que teriam Orfeu e Eurídice durante os poucos dias do Carnaval. A festa, por si só, momento de euforia de toda uma nação, já é posta como representação do efêmero. A “grande ilusão” que acaba na quarta-feira. Ademais, não se pode negar a ousadia de Camus em utilizar, ainda nos 50, um elenco quase inteiramente negro na produção. Contudo, muitos ainda criticam o filme mesmo em tais aspectos, argumentando que a poesia viria de Vinícius de Moraes e não de Marcel Camus ou do roteirista Jacques Viot (em parceria com o próprio Camus). Esta, todavia, é uma crítica que beira o sofisma, já que, desta forma, seríamos levados a enxergar com maus olhos toda película com origem na literatura, pois que suas virtudes passariam inevitavelmente pelos méritos do escritor.

Adentrando em questões mais técnicas, é importante frisar a qualidade da fotografia de Jean Bourgoin, muito embora se saiba que filmar o Rio de Janeiro é muito fácil. Já as interpretações oscilam constantemente. Herdeiro do neo-realismo, Camus usou vários amadores nas filmagens e o resultado é marcadamente inconstante. A começar pelo próprio protagonista, Breno Mello. Este foi seu primeiro trabalho cinematográfico, migrando do futebol para a arte interpretativa, o que naturalmente gera limitações no seu desempenho. Marpessa Dawn, uma atriz profissional, se sai melhor, obviamente, mas quem acaba roubando a cena é o elenco infantil, com suas crianças simpáticas e cheias de samba no pé (curiosidade: o intérprete da Morte que persegue Eurídice é o bi-campeão olímpico Adhemar Ferreira da Silva). A trilha sonora, então, pode ser considerada uma história à parte. Permeada pelas canções de Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes, Luiz Bonfá (é dele a belíssima “Manhã de Carnaval) e Antônio Maria, o filme serviu de trampolim internacional para a Bossa Nova, sendo um dos responsáveis pelo sucesso global que o gênero alcançou.

Constituindo ou não um clássico da “macumba para turistas”, “Orfeu Negro” meio que se tornou um filme obrigatório para os cinéfilos brasileiros, sendo importante salientar que ele, de certa forma, abriu terreno para que o excelente “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, viesse a ser premiado em Cannes alguns anos depois. Faz-se interessante até mesmo contrapô-lo ao recente “Rio”, outra produção que está destinada a ser vista ao longo dos anos vindouros como mais um exemplo do “exotismo cartão-postal” denunciado por Godard, só que aqui dirigido por um brasileiro a serviço de Hollywood. De qualquer forma, em ambos os casos os resultados são palatáveis ao grande público. Dois bons filmes cujos méritos acabam sendo ofuscados por nosso complexo de inferioridade (ou de “vira-latas”, como batizado por Nelson Rodrigues), o qual não permite qualquer perspectiva que nos aproxime de possíveis estereótipos. Curiosamente, Camus jamais viria a obter o mesmo respeito e sucesso com seus trabalhos posteriores. Será que algum brasileiro irritado fez alguma macumba para amaldiçoar o pobre diretor? Acredito que o cineasta não mereceria isso. O máximo de que ele pode realmente ser acusado é de não ter entendido a nossa cultura.

Cotação:

Nota: 8,0

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sidney Lumet : 1924- 2011


No último sábado, 09 de abril, perdemos Sidney Lumet, um diretor excepcional e que foi injustiçado na mesma proporção. Mesmo com dois dias de atraso, o Cinema Com Pimenta presta aqui sua h0menagem a este grande cineasta. Sempre que lembro de Lumet, dois filmes logo me vêm à mente. No video logo abaixo, você confere a recomendação do crítico Marcelo Janot para o longa "12 Homens e Uma Sentença", o primeiro de Lumet, iniciando sua carreira com uma autêntica obra-prima.




E a seguir, veja o trailer de "Um Dia de Cão" (cuja resenha você pode conferir aqui), uma obra febril e impactante que se tornou uma das referências da "Nova Hollywood". Por sinal, Al Pacino em estado de graça!




Ao saber da morte de Lumet, disse Woody Allen: "conhecendo Sidney, ele terá mais energia morto do que a maioria dos vivos." Que Deus o receba em paz e que lhe faça a devida justiça, Sidney Lumet!

sábado, 9 de abril de 2011

Rio



Nossas contradições


Nós, brasileiros, costumamos nos entusiasmar e enaltecer nossos compatriotas que alcançam destaque internacional, seja no esporte, na música, na literatura, nas ciências naturais ou, como no caso de que trata este texto, no cinema. O carioca Carlos Saldanha, um dos grandes diretores da área de animação na Hollywood atual, é hoje o espelho para os nossos cineastas ao lado de nomes como Fernando Meirelles e Walter Sales, encarnando esse nosso desejo de aceitação pelos mais “ricos” ou “desenvolvidos”. Um sentimento, vale dizer, herdado da nossa condição de colônia e que insiste em se perpetuar (realmente, aspectos culturais de uma nação são muito difíceis de mudar). Em seu novo trabalho, Saldanha, de uma certa forma, não foge dessa necessidade de aceitação. “Rio”, a aventura de uma arara azul pela Cidade Maravilhosa, possui aqueles elementos que muitos poderiam classificar como “Brasil pra gringo ver”. Estão lá o carnaval, as praias, o samba, nossa fauna e flora. E também as favelas e a criminalidade, já que estas passaram a fazer parte do imaginário estrangeiro sobre nossa terra desde “Cidade de Deus”.

Mas é interessante que, mesmo trabalhando a partir de estereótipos, o diretor consegue construir um todo que foge da caricatura, obtendo um resultado positivo com relação à imagem de nosso país ao mesmo tempo em que não se esquece de abordar alguns de nossos sérios problemas. A começar pelo motor da trama: o tráfico de animais silvestres. É devido a ele que a pequenina arara azul Blu (voz de Jesse Eisenberg no original) vai parar no estado norte-americano e friorento de Minnesota, onde acaba sendo criado pela tímida Linda (Leslie Mann) ao longo de muitos anos. Devido à proteção e à distância de seu habitat natural, Blu acaba por não desenvolver uma das principais características de um pássaro: ele não sabe voar. Sua vida confortável, entretanto, é abalada pela chegada de Túlio (voz de Rodrigo Santoro), um pesquisador brasileiro que vê em Blu a chance de salvar a espécie da araras azuis por meio de seu acasalamento com a fêmea Jade (voz da atual queridinha de Hollywood Anne Hathaway). Blu e Linda partem, então, para o Rio de Janeiro, onde Blu deverá acasalar-se com Jade. O casal de araras, contudo, acaba sequestrado por traficantes de aves e, em seguida, vivendo uma série de peripécias ao lado de outras aves nacionais, como um tucano, um canário e um galo-de-campina. Nota-se, durante a projeção, que há uma preocupação em expor nossas contradições sociais, como no contraste de imagens que mostram a favela em contraposição à belíssima paisagem da metrópole que se avizinha mais abaixo. Ademais, o personagem de um garoto favelado está ali posto para não nos esquecermos que a pobreza é, em boa parte, responsável pela criminalidade.

À parte a exposição de nossa terra, percebe-se que a trama (com roteiro de Don Rhymer) se desenvolve como o amadurecimento de um filho muito protegido que precisa encontrar seus próprios caminhos. Não há metáfora mais clara para tanto do que um pássaro que precisa aprender a voar, embora acredite que não consegue. Na realidade, Blu estava acomodado em um ambiente de conforto e proteção e tem de passar pelo processo de amadurecimento, de deixar o lar “materno” para construir o seu próprio. Claro que tudo isso de forma leve e recheada de humor. Saldanha, como demonstrou na série “A Era do Gelo”, é um mestre nas gags e há várias em “Rio” que desmontarão mesmo o mais ranzinza dos espectadores. O mais interessante neste ponto é que o diretor soube se utilizar de elementos típicos da cultura brasileira para fazer soltar as risadas, como nossa paixão por futebol e até mesmo o desfile das escolas de samba na Sapucaí. Saldanha sabe usar, ainda, referências cinematográficas, como a ideia de Blu e Jade andarem acorrentados, remetendo a “Os 39 Degraus”, um dos filmes da fase inglesa de Alfred Hitchcock. Ademais, a animação tem uma belíssima “fotografia” do Rio de Janeiro, não deixando em nada a dever às paisagens que, sabemos, são tão ou até mais bonitas que na tela. A trilha sonora também sabe explorar várias nuances de nossa música, passando por samba, bossa nova e até mesmo o funk, muito embora a utilização de “Mas Que Nada”, de Sérgio Mendes (que fez parte da equipe musical do longa), em determinada sequência, tenha caído no banal. Todavia, certos buracos no roteiro incomodam. Embora a mencionada cena dos desfiles na Sapucaí seja muito bem realizada em termos técnicos, ela se encaixa muito mal no desenvolvimento do roteiro, perecendo que foi colocada a fórceps porque havia a necessidade de inseri-la em qualquer parte da trama. Da mesma maneira, o desfecho do longa soa apressado e contando com uma espécie de videoclipe de propaganda do Rio de Janeiro.

“Rio” tem lançamento com recorde em número de salas no Brasil (1008, mais precisamente) e a Fox gastou cerca de 74 milhões de dólares com o marketing do filme em todo o mundo. Isso revela um pouco da importância que o País vem assumindo tanto como mercado consumidor como quanto expoente cultural. “O Brasil está na moda”, dirão alguns, o que não deixa de ser verdade. Basta acompanharmos o noticiário não só nosso como do exterior para percebermos que não somos mais vistos com um “vira-latas” entre as nações (há pouco tempo uma propaganda republicana contra Barack Obama colocou o Brasil entre os maiores credores dos EUA, só para ter uma noção). Resta a nós mesmos nos livrarmos dessa síndrome. O filme de Carlos Saldanha se situa, nesse contexto, a um meio termo. O diretor reflete que temos orgulho de nosso país, mesmo com os seus problemas, mas ainda sentimos necessidade de mostrar um Brasil para os gringos verem. E isso, observem bem o paradoxo, por meio de um dos maiores estúdios do cinema norte-americano. E lá vamos nós, lotar os cinemas para ver o Brasil da Fox. Mesmo que merecidamente (afinal, o longa é mesmo divertido e apto a agradar toda a família), tal circunstância acaba se colocando como mais um exemplo de nossas velhas contradições.


Cotação:

Nota: 8,5

quarta-feira, 6 de abril de 2011

As Mães de Chico Xavier



Emoção e espiritismo


Hollywood sempre soube se aproveitar de segmentos de marcado que se mostram especialmente rentáveis. Citando um exemplo recente, o gênero dos super-heróis tem provocado uma enxurrada de blockbusters aptos a saciar o público adolescente masculino, um voraz consumidor de qualquer coisa que envolva seus personagens mais queridos. O cinema brasileiro não vem agindo diferente e é natural que assim seja. Afinal, boa parcela de nosso mercado ainda desconfia da qualidade dos produtos de nossa indústria cinematográfica. Uma demonstração recente foi a invasão dos filmes favela-mundo cão, nos rastro do sucesso de público e crítica “Cidade de Deus”. Agora, estamos vendo o segmento dos filmes espíritas conquistar uma fatia considerável do mercado. Possui um público fiel, uma vez que o Brasil é o maior país espírita do mundo, além de ter a simpatia de outras parcelas da população, já que mesmo os católicos praticantes muitas vezes possuem um pé na crença espírita. Por outro lado, também se torna inevitável que os resultados artísticos de tantos filmes com abordagem de temáticas similares oscilem. Assim, se fomos brindados com o ótimo “Chico Xavier”, de Daniel Filho, também tivemos o apenas mediano “Nosso Lar”. Mediano talvez seja a melhor maneira de designar este “As Mães de Chico Xavier”, em cartaz nacional desde a última sexta-feira, 01 de abril.

Dirigido por Glauber Filho e Halder Gomes, os mesmos de “Bezerra de Menezes” (o precursor do gênero espírita na Terra Brasilis), o roteiro trabalha com três narrativas paralelas (e que são baseadas em fatos reais e no livro "Por trás do Véu de Ísis", de Marcel Souto Maior). Duas delas mostram a difícil aceitação da perda por parte de pais que perderam seus filhos, enquanto outra trata de uma jovem grávida que está pensando em realizar um aborto. Interessante perceber que, no caso deste longa-metragem, a oscilação ocorre dentro de sua própria estrutura. Enquanto a trama dos pais Mário e Ruth (interpretados por Herson Capri e Via Negromonte) que têm um filho, Raul (Daniel Dias) vítima das drogas é bem contada, a da grávida Lara (papel de Tainá Müller) tem alguns furos e sua resolução se coloca muito apressada, meio que para entrar logo em sintonia com as demais. Já a narrativa dos pais Elisa e Guilherme, vividos por Vanessa Gerbelli e Joelson Medeiros, transcorre muito lenta, chegando a dar a impressão, por vezes, de que nada vai acontecer. Contudo, a despeito de suas falhas, o roteiro consegue um envolvimento emocional muito eficiente, principalmente no último terço da projeção. Neste ponto, mostra-se mais eficaz do que seu referido antecessor “Nosso Lar”, este último um longa que sempre me parece emocionalmente pálido. Em tal aspecto, o único pecado de “As Mães de Chico Xavier” é sua equivocada trilha sonora. Nada contra as composições de Flávio Venturini, mas elas foram mal selecionadas e mal encaixadas na projeção. Em diversos momentos, as músicas se tornam um elemento desnecessário às cenas, que já são suficientemente tristes, e sua inclusão acaba por gerar momentos excessivamente piegas.

Se o drama ainda funciona, a despeito dos defeitos apontados, é por virtude do elenco. Todo ele se encontra uniforme e ninguém descamba para a canastrice. Mas é claro que Nelson Xavier mais uma vez alcança destaque. Tal como o cinema norte-americano imortalizou a imagem de determinados personagens por meio da figura de alguns atores (como no exemplo clássico do Super-Homem encarnado por Christopher Reeve), a produção nacional está se encarregando de transformar Nelson na encarnação (com perdão do trocadilho) de Chico Xavier nas telonas, até mesmo pela sua semelhança física com o famoso médium.

Alguns poderão apontar o posicionamento religioso do longa, com estampada mensagem anti-aborto, como um sério problema, mas não vejo dessa forma. Qualquer cineasta, seja ele qual for, tem direito de expressar sua visão sobre determinado tema em sua obra, seja ela política, social, econômica ou mesmo religiosa. Seria o mesmo que dizer que “O Triunfo da Vontade”, o célebre documentário de Leni Riefenstahl, é um filme ruim por enaltecer o nazismo. Desta forma, os diretores não incorrem em qualquer erro ao defender suas posições e, se você não concorda, paciência, vivemos em uma democracia e todas as posições devem ser respeitadas. Ademais, esta película consegue se tornar bem mais palatável ao público não adepto da doutrina espírita do que seu antecessor “Nosso Lar” e, se não alcança o mesmo resultado artístico de “Chico Xavier”, ao menos constitui uma experiência cinematográfica com substância e que deve agradar tanto aos doutrinados quanto aos que buscam um drama comovente para assistir na sala escura.


Obs. Eu não sou espírita.


Cotação:

Nota: 7,5