Nossas contradições
Nós, brasileiros, costumamos nos entusiasmar e enaltecer nossos compatriotas que alcançam destaque internacional, seja no esporte, na música, na literatura, nas ciências naturais ou, como no caso de que trata este texto, no cinema. O carioca Carlos Saldanha, um dos grandes diretores da área de animação na Hollywood atual, é hoje o espelho para os nossos cineastas ao lado de nomes como Fernando Meirelles e Walter Sales, encarnando esse nosso desejo de aceitação pelos mais “ricos” ou “desenvolvidos”. Um sentimento, vale dizer, herdado da nossa condição de colônia e que insiste em se perpetuar (realmente, aspectos culturais de uma nação são muito difíceis de mudar). Em seu novo trabalho, Saldanha, de uma certa forma, não foge dessa necessidade de aceitação. “Rio”, a aventura de uma arara azul pela Cidade Maravilhosa, possui aqueles elementos que muitos poderiam classificar como “Brasil pra gringo ver”. Estão lá o carnaval, as praias, o samba, nossa fauna e flora. E também as favelas e a criminalidade, já que estas passaram a fazer parte do imaginário estrangeiro sobre nossa terra desde “Cidade de Deus”.
Mas é interessante que, mesmo trabalhando a partir de estereótipos, o diretor consegue construir um todo que foge da caricatura, obtendo um resultado positivo com relação à imagem de nosso país ao mesmo tempo em que não se esquece de abordar alguns de nossos sérios problemas. A começar pelo motor da trama: o tráfico de animais silvestres. É devido a ele que a pequenina arara azul Blu (voz de Jesse Eisenberg no original) vai parar no estado norte-americano e friorento de Minnesota, onde acaba sendo criado pela tímida Linda (Leslie Mann) ao longo de muitos anos. Devido à proteção e à distância de seu habitat natural, Blu acaba por não desenvolver uma das principais características de um pássaro: ele não sabe voar. Sua vida confortável, entretanto, é abalada pela chegada de Túlio (voz de Rodrigo Santoro), um pesquisador brasileiro que vê em Blu a chance de salvar a espécie da araras azuis por meio de seu acasalamento com a fêmea Jade (voz da atual queridinha de Hollywood Anne Hathaway). Blu e Linda partem, então, para o Rio de Janeiro, onde Blu deverá acasalar-se com Jade. O casal de araras, contudo, acaba sequestrado por traficantes de aves e, em seguida, vivendo uma série de peripécias ao lado de outras aves nacionais, como um tucano, um canário e um galo-de-campina. Nota-se, durante a projeção, que há uma preocupação em expor nossas contradições sociais, como no contraste de imagens que mostram a favela em contraposição à belíssima paisagem da metrópole que se avizinha mais abaixo. Ademais, o personagem de um garoto favelado está ali posto para não nos esquecermos que a pobreza é, em boa parte, responsável pela criminalidade.
À parte a exposição de nossa terra, percebe-se que a trama (com roteiro de Don Rhymer) se desenvolve como o amadurecimento de um filho muito protegido que precisa encontrar seus próprios caminhos. Não há metáfora mais clara para tanto do que um pássaro que precisa aprender a voar, embora acredite que não consegue. Na realidade, Blu estava acomodado em um ambiente de conforto e proteção e tem de passar pelo processo de amadurecimento, de deixar o lar “materno” para construir o seu próprio. Claro que tudo isso de forma leve e recheada de humor. Saldanha, como demonstrou na série “A Era do Gelo”, é um mestre nas gags e há várias em “Rio” que desmontarão mesmo o mais ranzinza dos espectadores. O mais interessante neste ponto é que o diretor soube se utilizar de elementos típicos da cultura brasileira para fazer soltar as risadas, como nossa paixão por futebol e até mesmo o desfile das escolas de samba na Sapucaí. Saldanha sabe usar, ainda, referências cinematográficas, como a ideia de Blu e Jade andarem acorrentados, remetendo a “Os 39 Degraus”, um dos filmes da fase inglesa de Alfred Hitchcock. Ademais, a animação tem uma belíssima “fotografia” do Rio de Janeiro, não deixando em nada a dever às paisagens que, sabemos, são tão ou até mais bonitas que na tela. A trilha sonora também sabe explorar várias nuances de nossa música, passando por samba, bossa nova e até mesmo o funk, muito embora a utilização de “Mas Que Nada”, de Sérgio Mendes (que fez parte da equipe musical do longa), em determinada sequência, tenha caído no banal. Todavia, certos buracos no roteiro incomodam. Embora a mencionada cena dos desfiles na Sapucaí seja muito bem realizada em termos técnicos, ela se encaixa muito mal no desenvolvimento do roteiro, perecendo que foi colocada a fórceps porque havia a necessidade de inseri-la em qualquer parte da trama. Da mesma maneira, o desfecho do longa soa apressado e contando com uma espécie de videoclipe de propaganda do Rio de Janeiro.
“Rio” tem lançamento com recorde em número de salas no Brasil (1008, mais precisamente) e a Fox gastou cerca de 74 milhões de dólares com o marketing do filme em todo o mundo. Isso revela um pouco da importância que o País vem assumindo tanto como mercado consumidor como quanto expoente cultural. “O Brasil está na moda”, dirão alguns, o que não deixa de ser verdade. Basta acompanharmos o noticiário não só nosso como do exterior para percebermos que não somos mais vistos com um “vira-latas” entre as nações (há pouco tempo uma propaganda republicana contra Barack Obama colocou o Brasil entre os maiores credores dos EUA, só para ter uma noção). Resta a nós mesmos nos livrarmos dessa síndrome. O filme de Carlos Saldanha se situa, nesse contexto, a um meio termo. O diretor reflete que temos orgulho de nosso país, mesmo com os seus problemas, mas ainda sentimos necessidade de mostrar um Brasil para os gringos verem. E isso, observem bem o paradoxo, por meio de um dos maiores estúdios do cinema norte-americano. E lá vamos nós, lotar os cinemas para ver o Brasil da Fox. Mesmo que merecidamente (afinal, o longa é mesmo divertido e apto a agradar toda a família), tal circunstância acaba se colocando como mais um exemplo de nossas velhas contradições.
Cotação:
Nota: 8,5
Nós, brasileiros, costumamos nos entusiasmar e enaltecer nossos compatriotas que alcançam destaque internacional, seja no esporte, na música, na literatura, nas ciências naturais ou, como no caso de que trata este texto, no cinema. O carioca Carlos Saldanha, um dos grandes diretores da área de animação na Hollywood atual, é hoje o espelho para os nossos cineastas ao lado de nomes como Fernando Meirelles e Walter Sales, encarnando esse nosso desejo de aceitação pelos mais “ricos” ou “desenvolvidos”. Um sentimento, vale dizer, herdado da nossa condição de colônia e que insiste em se perpetuar (realmente, aspectos culturais de uma nação são muito difíceis de mudar). Em seu novo trabalho, Saldanha, de uma certa forma, não foge dessa necessidade de aceitação. “Rio”, a aventura de uma arara azul pela Cidade Maravilhosa, possui aqueles elementos que muitos poderiam classificar como “Brasil pra gringo ver”. Estão lá o carnaval, as praias, o samba, nossa fauna e flora. E também as favelas e a criminalidade, já que estas passaram a fazer parte do imaginário estrangeiro sobre nossa terra desde “Cidade de Deus”.
Mas é interessante que, mesmo trabalhando a partir de estereótipos, o diretor consegue construir um todo que foge da caricatura, obtendo um resultado positivo com relação à imagem de nosso país ao mesmo tempo em que não se esquece de abordar alguns de nossos sérios problemas. A começar pelo motor da trama: o tráfico de animais silvestres. É devido a ele que a pequenina arara azul Blu (voz de Jesse Eisenberg no original) vai parar no estado norte-americano e friorento de Minnesota, onde acaba sendo criado pela tímida Linda (Leslie Mann) ao longo de muitos anos. Devido à proteção e à distância de seu habitat natural, Blu acaba por não desenvolver uma das principais características de um pássaro: ele não sabe voar. Sua vida confortável, entretanto, é abalada pela chegada de Túlio (voz de Rodrigo Santoro), um pesquisador brasileiro que vê em Blu a chance de salvar a espécie da araras azuis por meio de seu acasalamento com a fêmea Jade (voz da atual queridinha de Hollywood Anne Hathaway). Blu e Linda partem, então, para o Rio de Janeiro, onde Blu deverá acasalar-se com Jade. O casal de araras, contudo, acaba sequestrado por traficantes de aves e, em seguida, vivendo uma série de peripécias ao lado de outras aves nacionais, como um tucano, um canário e um galo-de-campina. Nota-se, durante a projeção, que há uma preocupação em expor nossas contradições sociais, como no contraste de imagens que mostram a favela em contraposição à belíssima paisagem da metrópole que se avizinha mais abaixo. Ademais, o personagem de um garoto favelado está ali posto para não nos esquecermos que a pobreza é, em boa parte, responsável pela criminalidade.
À parte a exposição de nossa terra, percebe-se que a trama (com roteiro de Don Rhymer) se desenvolve como o amadurecimento de um filho muito protegido que precisa encontrar seus próprios caminhos. Não há metáfora mais clara para tanto do que um pássaro que precisa aprender a voar, embora acredite que não consegue. Na realidade, Blu estava acomodado em um ambiente de conforto e proteção e tem de passar pelo processo de amadurecimento, de deixar o lar “materno” para construir o seu próprio. Claro que tudo isso de forma leve e recheada de humor. Saldanha, como demonstrou na série “A Era do Gelo”, é um mestre nas gags e há várias em “Rio” que desmontarão mesmo o mais ranzinza dos espectadores. O mais interessante neste ponto é que o diretor soube se utilizar de elementos típicos da cultura brasileira para fazer soltar as risadas, como nossa paixão por futebol e até mesmo o desfile das escolas de samba na Sapucaí. Saldanha sabe usar, ainda, referências cinematográficas, como a ideia de Blu e Jade andarem acorrentados, remetendo a “Os 39 Degraus”, um dos filmes da fase inglesa de Alfred Hitchcock. Ademais, a animação tem uma belíssima “fotografia” do Rio de Janeiro, não deixando em nada a dever às paisagens que, sabemos, são tão ou até mais bonitas que na tela. A trilha sonora também sabe explorar várias nuances de nossa música, passando por samba, bossa nova e até mesmo o funk, muito embora a utilização de “Mas Que Nada”, de Sérgio Mendes (que fez parte da equipe musical do longa), em determinada sequência, tenha caído no banal. Todavia, certos buracos no roteiro incomodam. Embora a mencionada cena dos desfiles na Sapucaí seja muito bem realizada em termos técnicos, ela se encaixa muito mal no desenvolvimento do roteiro, perecendo que foi colocada a fórceps porque havia a necessidade de inseri-la em qualquer parte da trama. Da mesma maneira, o desfecho do longa soa apressado e contando com uma espécie de videoclipe de propaganda do Rio de Janeiro.
“Rio” tem lançamento com recorde em número de salas no Brasil (1008, mais precisamente) e a Fox gastou cerca de 74 milhões de dólares com o marketing do filme em todo o mundo. Isso revela um pouco da importância que o País vem assumindo tanto como mercado consumidor como quanto expoente cultural. “O Brasil está na moda”, dirão alguns, o que não deixa de ser verdade. Basta acompanharmos o noticiário não só nosso como do exterior para percebermos que não somos mais vistos com um “vira-latas” entre as nações (há pouco tempo uma propaganda republicana contra Barack Obama colocou o Brasil entre os maiores credores dos EUA, só para ter uma noção). Resta a nós mesmos nos livrarmos dessa síndrome. O filme de Carlos Saldanha se situa, nesse contexto, a um meio termo. O diretor reflete que temos orgulho de nosso país, mesmo com os seus problemas, mas ainda sentimos necessidade de mostrar um Brasil para os gringos verem. E isso, observem bem o paradoxo, por meio de um dos maiores estúdios do cinema norte-americano. E lá vamos nós, lotar os cinemas para ver o Brasil da Fox. Mesmo que merecidamente (afinal, o longa é mesmo divertido e apto a agradar toda a família), tal circunstância acaba se colocando como mais um exemplo de nossas velhas contradições.
Cotação:
Nota: 8,5
5 comentários:
Muito bom. O filme realmente é muito divertido, e mostra os esteriótipos brasileiros. Vi que teve gente que ficou irriada com isso, só não entendo o porque. Brasileiro tem sindrome de vira-lata mesmo.
Somos acostumados a ver filmes que so retratam violencia, prostituição entre outras coisas. Quando um diretor brasileiro faz com que um longa animação de um estudio de pinta seja lançado retratando o Brasil (Rio) de uma forma boa, vem gente reclamar.
As pessoas tem que entender que isso é uma animação, voltada para a família, as crianças. E que as animações, mesmo da Pixar ou DreamWorks, sempre usam esteriótipos e até criticas.
No famoso Ratatouille, mostram uma França esteriotipada, e ninguem reclama disso, ate mesmo no Carros, temos o carrinho italiano Luigi.
Enfim, acho uma coisa boa esse filme, e torço para que seja sucesso de bilheteria, é um otimo filme apesar do roteiro fraco. Tomara que boa parte da bilheteria saia do Brasil, visto que o A Era do Gelo 3 do mesmo saldanha arrecadou uns 50 milhoes de dolares aqui.
Abs
Gustavo, brasileiro, em geral, é muito "sentido". Como falou, os franceses e italianos vivem sendo estereotipados e vítimas de piadas, mas não ficam tendo chiliques por isso. Isso, como certeza, é mais uma reflexo do nosso complexo de vira-latas...
Quero ver essa animação, quando sair em dvd. Na linha de desenho prefiro a cultura oriental em desenhos como A Viagem de Chihiro.
Complexo de vira-latas????amo Nelson Rodrigues. Adorei sua visão.
Renato, no cinema ou em DVD o filme é apto a proporcionar uma boa diversão. É só não ser ranzinza e ficar procurando os "estereótipos" sobre o Brasil. E obrigado pelos elogios.
Adorei o filme!! Muito fofo!! Luciana
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