A Conversação
(The Conversation)
Dúvida e obsessão
Não há dúvidas que Francis Ford Coppola é um dos diretores mais importantes de todos os tempos, apesar de sua fase pouco inspirada dos últimos anos. Um dos precursores da “Nova Hollywood”, movimento que mudou a cara do cinema norte-americano para sempre, e responsável pela trilogia absoluta de “O Poderoso Chefão” (cujos dois primeiros filmes são obras-primas indiscutíveis), além de “Apocalypse Now”, outra obra de arte soberba, muitos não se recordam de algumas de suas “pequenas” pérolas. Talvez o melhor exemplo destes filmes de Coppola pouco lembrados seja “A Conversação”, um estudo sobre os meandros da mente humana quando carregada de culpa e dúvida.
No seu auge criativo, o diretor realizou o filme entre as duas primeiras partes da trilogia do Chefão, em 1974 (o que talvez explique seu relativo “esquecimento”). Extremamente provocativo, o longa representa muito bem a nascente paranoia estadunidense com o então recente caso de Watergate. Neste longa, Coppola narra a história de Harry Caul (com interpretação perfeita de Gene Hackman), um especialista em escutas investigativas. Em um de seus trabalhos, ouvindo o diálogo de um casal repleto de ruídos, ele acaba se deparando com a possibilidade de um iminente crime. Só que, para chegar a tal conclusão, ele não conta apenas com seu apuro profissional, mas também com sua imaginação, já perturbada por um caso anterior em que sua atuação possibilitou evento similar.
O mais instigante no desenvolvimento do roteiro e na condução de Coppola é que esses elementos não são jogados com facilidade para o espectador. Aos poucos vamos descobrindo a personalidade e as motivações de Harry, percebendo que o mesmo, talvez devido ao seu ofício, é um homem solitário, hermético, de poucos amigos, que parece ter como única diversão tocar o seu saxofone sozinho no seu apartamento. Ou será que foi sua personalidade que o levou a buscar um trabalho em que interage com as pessoas sem precisar se expor? Sem dúvida, um personagem misterioso e tridimensional. Seu pouco tato em relacionamentos se mostra de forma ainda mais clara quando é enganado por uma mulher em uma situação de fácil percepção. Além disso, à medida em que Harry progride em sua investigação, ele se afunda cada vez mais em seu isolamento, afastando até mesmo seu único amigo, Stan (interpretado por John Cazale, falecido precocemente), bem como imerge em uma dúvida terrível sobre a verdade do fatos que está acompanhando.
A solidão de Harry Caul, ademais, é realçada de forma brilhante pela direção de Coppola. Ele realiza aquele tipo de trabalho extremamente visual, onde a narrativa flui essencialmente através das imagens. O velho Hitchcock já ensinava que a melhor forma de provocar suspense é pelo meio imagético. Mas se enganam aqueles que podem pensar que os sons e diálogos assumem uma importância menor na trama. Afinal, é justamente a partir de sons captados que se estabelece o vértice do filme. Interessante como, ao longo da película, escutamos um mesmo diálogo repetidas vezes, mas, tal como o protagonista, jamais nos cansamos de ouvi-lo, além de também sermos instigados a descobrir a verdade por trás daquelas palavras. Por seu turno, a trilha sonora, de David Shire, se mostra melancólica, brilhante e marcante. São raros os filmes em que a trilha se encaixa tão bem na temática abordada, ressaltando ainda mais a solidão e obsessão do protagonista.
Visto hoje, décadas depois de seu lançamento, percebe-se o quanto este longa-metragem (que recebeu a Palma de Ouro em Cannes) não envelheceu. Afinal, voyeurismo e invasão de privacidade são temas mais do que nunca atuais. Suas influências são sentidas mesmo em obras recentes, como no também ótimo “A Vida dos Outros” (do alemão Florian Henckel von Donnersmarck). Estas obras perenes, que se lançam no tempo sem perder a sua atualidade, costumam ser fruto de talentos geniais. Inegavelmente, Francis Ford Coppola é um destes talentos.
Cotação:
Nota: 10,0
(The Conversation)
Dúvida e obsessão
Não há dúvidas que Francis Ford Coppola é um dos diretores mais importantes de todos os tempos, apesar de sua fase pouco inspirada dos últimos anos. Um dos precursores da “Nova Hollywood”, movimento que mudou a cara do cinema norte-americano para sempre, e responsável pela trilogia absoluta de “O Poderoso Chefão” (cujos dois primeiros filmes são obras-primas indiscutíveis), além de “Apocalypse Now”, outra obra de arte soberba, muitos não se recordam de algumas de suas “pequenas” pérolas. Talvez o melhor exemplo destes filmes de Coppola pouco lembrados seja “A Conversação”, um estudo sobre os meandros da mente humana quando carregada de culpa e dúvida.
No seu auge criativo, o diretor realizou o filme entre as duas primeiras partes da trilogia do Chefão, em 1974 (o que talvez explique seu relativo “esquecimento”). Extremamente provocativo, o longa representa muito bem a nascente paranoia estadunidense com o então recente caso de Watergate. Neste longa, Coppola narra a história de Harry Caul (com interpretação perfeita de Gene Hackman), um especialista em escutas investigativas. Em um de seus trabalhos, ouvindo o diálogo de um casal repleto de ruídos, ele acaba se deparando com a possibilidade de um iminente crime. Só que, para chegar a tal conclusão, ele não conta apenas com seu apuro profissional, mas também com sua imaginação, já perturbada por um caso anterior em que sua atuação possibilitou evento similar.
O mais instigante no desenvolvimento do roteiro e na condução de Coppola é que esses elementos não são jogados com facilidade para o espectador. Aos poucos vamos descobrindo a personalidade e as motivações de Harry, percebendo que o mesmo, talvez devido ao seu ofício, é um homem solitário, hermético, de poucos amigos, que parece ter como única diversão tocar o seu saxofone sozinho no seu apartamento. Ou será que foi sua personalidade que o levou a buscar um trabalho em que interage com as pessoas sem precisar se expor? Sem dúvida, um personagem misterioso e tridimensional. Seu pouco tato em relacionamentos se mostra de forma ainda mais clara quando é enganado por uma mulher em uma situação de fácil percepção. Além disso, à medida em que Harry progride em sua investigação, ele se afunda cada vez mais em seu isolamento, afastando até mesmo seu único amigo, Stan (interpretado por John Cazale, falecido precocemente), bem como imerge em uma dúvida terrível sobre a verdade do fatos que está acompanhando.
A solidão de Harry Caul, ademais, é realçada de forma brilhante pela direção de Coppola. Ele realiza aquele tipo de trabalho extremamente visual, onde a narrativa flui essencialmente através das imagens. O velho Hitchcock já ensinava que a melhor forma de provocar suspense é pelo meio imagético. Mas se enganam aqueles que podem pensar que os sons e diálogos assumem uma importância menor na trama. Afinal, é justamente a partir de sons captados que se estabelece o vértice do filme. Interessante como, ao longo da película, escutamos um mesmo diálogo repetidas vezes, mas, tal como o protagonista, jamais nos cansamos de ouvi-lo, além de também sermos instigados a descobrir a verdade por trás daquelas palavras. Por seu turno, a trilha sonora, de David Shire, se mostra melancólica, brilhante e marcante. São raros os filmes em que a trilha se encaixa tão bem na temática abordada, ressaltando ainda mais a solidão e obsessão do protagonista.
Visto hoje, décadas depois de seu lançamento, percebe-se o quanto este longa-metragem (que recebeu a Palma de Ouro em Cannes) não envelheceu. Afinal, voyeurismo e invasão de privacidade são temas mais do que nunca atuais. Suas influências são sentidas mesmo em obras recentes, como no também ótimo “A Vida dos Outros” (do alemão Florian Henckel von Donnersmarck). Estas obras perenes, que se lançam no tempo sem perder a sua atualidade, costumam ser fruto de talentos geniais. Inegavelmente, Francis Ford Coppola é um destes talentos.
Cotação:
Nota: 10,0
2 comentários:
Fábio, você está de parabéns! É impressionante a maneira como produz seus textos sobre obras cinematográficas significativas. Eu lembro pouco deste, quase nada, mas sei que é um filme fundamental na filmografia de Coppola. Vi "Tetro", filme mais novo dele, recentemente - gostei muito! Conhece?
Vou rever esse, seu texto me deixou mais interessado pra conferir um filme que esqueci..
abraço!
Cristiano, amigo, obrigado pelos elogios, mas não exagere. Eu apenas sou um resenhista esforçado.:=)
Ainda não vi "Tetro", infelizmente, filme que realmente vem tendo uma recepção positiva. Se puder rever este "A Conversação", faça-o com rapidez, é excelente! Mas não recomendo comprar o DVD da Lume Filmes. Com uma 1h29min o disco travou e tive que baixar o longa para conseguir ver o resto. A qualidade da imagem do DVD era ótima (bem superior ao arquivo baixado), mas essa minha experiência com a Lume me deixou com um pé atrás. Mas pode ter sido apenas falta de sorte também...
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