domingo, 6 de junho de 2010

Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo



Sessão da tarde


Dentro da atual crise de criatividade do cinema americano, uma das saídas encontradas pelos produtores tem sido a de adaptar games para o cinema. Até porque a indústria dos jogos eletrônicos já se tornou uma das mais importantes do mundo, com alguns de seus principais fabricantes alcançando dimensões ainda maiores que os grandes estúdios de cinema. Talvez não maiores que a Disney, que é um dos principais conglomerados do globo (até a ESPN pertence à Disney, caso você não saiba). Entretanto, não é por isso que ela vai ignorar a força deste novo ramo bilionário do entretenimento e do potencial de bilheteria que uma adaptação de um destes jogos possui, uma vez que muitos adeptos vão acabar deixando seu dinheiro nas salas de projeção para assistir a um filme baseado em seus games preferidos.

E é dentro desta perspectiva de negócios que é lançado mais este novo produto da Disney e do produtor Jerry Bruckheimer, os responsáveis pelo mega-sucesso da trilogia “Piratas do Caribe”, a qual, por sinal, foi baseada em um brinquedo do parque de diversões da Casa do Mickey. E “Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo” tem a nítida intenção de repetir o mesmo sucesso, possuindo, inclusive, uma premissa mais rica em mãos. “Príncipe da Pérsia” é um jogo inteligente, um dos primeiros games a ter uma trama mais desenvolvida e a exigir mais dos jogadores do que uma mera habilidade nos comandos do joystick (eu mesmo joguei algumas vezes, muito embora não fosse um fã do jogo). O resultado, contudo, não deve entusiasmar o público como o fez a série dos piratas.

Não que seja um filme ruim. É, inclusive, superior à média dos longas realizados até agora com base em games, normalmente fraquíssimos (vide os dois “Tomb Raiders”, que nem a presença de Angelina Jolie consegue salvar), a começar pela direção segura de Mike Newell, um diretor tarimbado, responsável por “Harry Potter e o Cálice de Fogol” e “O Amor Nos Tempos do Cólera”. Ele concebe ótimas cenas de ação, muito bem coreografadas, e que remetem de forma clara ao modo de ação do game, o que deve satisfazer os fãs. Também a fotografia se destaca, com belas tomadas do deserto (filmagens no Marrocos) e enquadramentos bem realizados. Entretanto, o roteiro (de Boaz Yakin, Doug Miro e Carlo Bernard) acaba comprometendo muito do longa. A trama começa até bem. Dastan (Jake Gyllenhaal) é o tal príncipe do título, que não possui sangue real, mas foi adotado pelo rei Sharman, da Pérsia, ainda criança. Ele e seus irmãos comandam a invasão persa ao vizinho reino de Alamut, o qual sofre a acusação de desenvolver armas perigosas em suas forjas e de estar planejando um ataque. Qualquer semelhança com a realidade do Oriente Médio atual não é mera coincidência. Trata-se de uma nítida crítica à política externa ianque, que já está inventando outra guerra contra o Irã. Afinal, a Disney não é boba e sabe que ganhar a simpatia do mercado internacional hoje é primordial, já que muito dos lucros agora vêm de fora do mercado USA. Na realidade, o que existe é uma adaga mística capaz de fazer aquele que a empunha voltar no tempo. Adaga esta que está sob a guarda da princesa de Alamut, Tamina (Gemma Arterton), e tal adaga é que é o verdadeiro McGuffin* do filme. Por outro lado, se a trama começa bem, ela acaba se perdendo em uma série de idas e vindas que muitas vezes confundem o espectador. Há a impressão que ficou um excesso de cenas ação em detrimento de algumas explicações necessárias, as quais são mostradas às carreiras.

Outro fator que contribui contra o sucesso do longa-metragem é o carisma. Afinal, “Piratas do Caribe” contava com a estrela Johnny Depp em sua inesquecível caracterização do capitão Jack Sparrow, um personagem que já faz parte da história do cinema. Não se pode negar que muito do sucesso da trilogia se deveu a Depp e o que percebemos neste “Príncipe da Pérsia” é justamente a ausência de um personagem que conquiste o espectador. Gyllenhaal até vai bem, mas não possui a mesma força e carisma. Gemma Arterton é muito bonita, mas não convence muito como atriz. E os coadjuvantes nem de longe têm a mesma competência do sucesso anterior da franquia Bruckheimer (Ben Kingsley está completamente apático como o tio Nizan).

Contudo, como dito acima, o filme não é ruim. Diverte, tem boas cenas de ação e belas tomadas, além de um romance bem encaixado entre Dastan e a princesa Tamina, mas a ausência de um roteiro redondo e de personagens mais carismáticos compromete o todo. Nos EUA, teve uma estreia abaixo das expectativas, mas é verdade que teve concorrência pesada. Vamos ver como vai se sair no mercado internacional. De qualquer forma, serve de alerta para os estúdios de que essa ideia de adaptar jogos para as telas talvez não tenha mesmo muito futuro. São duas linguagens diferentes que possivelmente não se conciliem. No mais, indico para quem estiver querendo ver uma boa “sessão da tarde”.


Cotação:

Nota: 7,0

* termo usado por Alfred Hitchcock que serve para designar um elemento responsável por movimentar e direcionar as ações dos personagens, mas que, na realidade, não tem grande relevância.

Obs. As cópias em português estão com legendas mal trabalhadas, muito rápidas e que terminam antes mesmo do personagem acabar de falar a frase.
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2 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

É o melhor texto que já li sobre o filme. Fez juz à obra, de verdade. É um entretenimento, mas é gostoso e flui bastante...gostei, no geral e veria novamente.

De fato, a legenda incomoda, se eu não soubesse inglês sairia chateado, muita gente perdia parte dos diálogos.

Abraço

Fábio Henrique Carmo disse...

As legendas já são reclamação geral! Abraço!